É com muita alegria que recebemos contribuições dos nossos caros leitores sobre o tema da cidade do Porto.
Um amigo e assíduo leitor dos nosso blogue enviou-nos um estudo sobre AS ORIGENS DO FUTEBOL NA CIDADE DO PORTO que não podíamos deixar de acrescentar aos nosso estudo, pois a sua qualidade e assunto têm muito interesse; e acrescenta uma visão diferente aos dois lançamentos que, sobre este assunto, já publicámos em 29/1/2014 e 18/5/2014.
Dada a sua extensão envia-lo-emos por duas vezes para não maçar demasiado.
Muito obrigado ao António Coutinho Coelho pela sua autorização editarmos o seu belíssimo estudo.
AS ORIGENS DO FUTEBOL NA CIDADE DO PORTO
Por António Coutinho Coelho
Na cidade do Porto persiste em funcionamento e em plena actividade o clube desportivo mais antigo do país, o Oporto Cricket and Lawn Tennis Club, fundado em 1855, uma das mais antigas agremiações dedicada ao remo e natação, o Clube Fluvial Portuense (1876) e o clube de golf mais antigo de toda a Península Ibérica, o Oporto Golf Club (1890).
Em 1893 funda-se o Football Club do Porto de Nicolau de Almeida. De realçar, ainda, o Boavista Footballers, criado em 1 de Agosto de 1903, o Sport Progresso em 15 de Agosto de 1908 e o Sport Porto e Salgueiros em 8 de Dezembro de 1911, bem como o Leixões Sport Clube em 28 de Novembro de 1907 e o Sporting Clube de Espinho em 11 de Novembro de 1914.
Sobre o futebol no Oporto Cricket nada de relevante encontramos. E, no entanto, “O futebol foi introduzido pelo Oporto Cricket Club, há muitos anos”. In O Tripeiro, Volume 3 , 20/8/1910
1. O FOOTBALL CLUB DO PORTO, de Nicolau d’Almeida
"Fundou-se no Porto um club denominado Football Club do Porto, o qual vem preencher a falta que havia no norte do paiz, de uma associação para os jogadores d'aquella especialidade. No segundo domingo de Outubro inaugura-se o club officialmente, com um grande match entre os seus sócios no hyppodromo de Mattozinhos. Ouvimos dizer que serão convidados alguns clubmen de Lisboa. Que o Football Club do Porto apure um grupo rijo de jogadores e que venha medir-se ao campo com os jogadores do Club Lisbonense, do Real Gymnasio Club, do grupo de Carcavellos ou de Braço de Prata, para animar os desafios de football como já o são as corridas de cycles. Eis o que desejamos." (notícia no Diário Illustrado de 28 de Setembro de 1893)
A sua criação deveu-se a António Nicolau d’Almeida, comerciante de vinho do Porto, que tinha conhecido o futebol nas suas frequentes viagens a Inglaterra. Não tinha, no entanto, actividade regular, para além dos encontros entre os seus sócios.
O Clube Lisbonense era o único clube praticante dessa modalidade em Lisboa, enquanto que na cidade do Porto nada havia de semelhante. Em 1884, Guilherme Pinto Basto, que estudava em Inglaterra, trouxe como recordação para Portugal a primeira bola de futebol, que causou muita estranheza entre seus amigos; posteriormente, em 1888, seus irmãos Eduardo e Frederico trouxeram também uma bola. Então, os três irmãos, que na Grã-Bretanha tinham aprendido as técnicas e as leis do jogo, começaram a interessar os amigos para o futebol que passaram a praticar aos domingos. Os irmãos Pinto Basto decidiram, então, formar um Clube, que denominaram de Lisbonense.
O Rei D. Carlos, com quem ambos os presidentes mantinham relações de amizade, propôs que fosse organizada uma partida de futebol integrada nas comemorações oficiais do quingentésimo aniversário do nascimento do Infante D. Henrique, que se comemorava nesse ano. Disponibilizou-se ainda a oferecer uma taça em ouro e prata, a “CIRP”, com o seu próprio nome para que fosse atribuída ao vencedor, impondo para tal duas condições: cada uma das equipas deveria alinhar com um mínimo de seis jogadores portugueses, determinação que não viria a ser cumprida, e os clubes teriam que jogar em representação das respectivas cidades. Assim, embora estivessem em campo o FC Porto e o Club Lisbonense, disputava-se na realidade um Porto x Lisboa.
A equipa de Lisboa com a taça conquistada
A partida realizou-se no Rua do Campo Alegre, no campo do Oporto Cricket and Lawn-Tennis Club. Tendo os monarcas, cuja viagem de comboio de Lisboa ao Porto durou cerca de 14 horas, chegado quando já decorria a segunda parte, as equipas acederam jogar dez minutos para além dos noventa regulamentares, sem que os golos marcados nesse período contassem para o resultado final. Venceu Lisboa por 1-0, tendo marcado ainda um segundo golo no tempo extra.
Nas páginas de «O Sport», o primeiro jornal desportivo de Portugal, o registo da recepção, em tom que não permitia margem para dúvidas, vincando, inclusivamente, a falta de ambiente oficial para a propaganda do futebol e ainda o reflexo político bem quente do Ultimato na população do Porto, sobretudo depois da revolta dos republicanos de 31 de Janeiro: «Às 4 h e 13, Suas Majestades e Altezas, acompanhadas pela sua comitiva, entraram no Campo Alegre, sendo recebidos pelo cônsul e consulesa de Inglaterra, no meio dos mais entusiásticos hurras levantados pelas pessoas presentes. Continuando o jogo, 4 minutos depois de Suas Majestades e Altezas chegarem ao campo, os forwards de Lisboa marcaram um goal». Ironia muito mais subtil se encontraria nas páginas de «O Século», jornal já declaradamente simpatizante de ideais republicanos, que notou que «à entrada do campo, bem como à saída, as Majestades foram muito vitoriadas, principalmente por ingleses, pois quase todos os espectadores pertenciam à colónia inglesa».
Como resultado do jogo ficou a vitória dos lisboetas, por 1-0. Apesar de dois golos marcados. O primeiro fora apontado quando faltavam 14 minutos para o intervalo e insolitamente anulado.
«A bola, marcado um pontapé de canto, bateu no braço de A. Nugentt, um dos defesas do Porto, entrando, de ricochete, nas redes do Norte. A equipa portuense contestou a validade do ponto, por motivo de ter havido mão antes, mão que não fora denunciada, ou que pelo menos o refere não julgou intencional. Eduardo Ferreira Pinto Basto considerou válido o goal, mas o jogo não recomeçou a meio do campo. Não contou pois. O único ponto regido, o segundo do encontro, foi marcado às 4 horas e 19 minutos.»
Não consta das crónicas o nome do marcador do golo. Sabe-se, apenas, que mereceu ser classificado de esplêndido e que para a sua marcação contribuíram Afonso e Carlos Vilar, Rankin e Paiva Raposo. Mas, segundo o «Diário Illustrado», parece que os postes das balizas não se encontravam à distância legal um do outro e que a trave não estava à devida altura. Sobre a equipa do Porto, um simpático comentário: «A equipa é de primeira ordem, distinguindo-se, todavia, Geock, que, quando na Escócia, era o seu primeiro guarda-redes.» Por especificar ficavam os nomes de outros jogadores porque o seu cronista, assumindo, humildemente, o pecadilho, aquiesceu não os «distinguir pelos nomes», apesar de saber e acentuar que um dos seus jogadores, «o mais novo dos Kendalls, tinha apenas 15 anos». O «Sport», salientando igualmente a prestação de Geock, mas também a de Artur Dagge e Mac Millen, vaticinava: «Se o grupo de Lisboa que, para o ano de 1895, tiver de defender a taça, não se treinar e não tiver muito cuidado na escolha dos jogadores que dele devem fazer parte, decerto bem difícil lhes será poder vencer o match, pois que, à equipa que vimos jogar pelo Porto, a única coisa que lhe notamos foi a falta de treinos, que, no que, estamos certos, não descurarão de futuro, a fim de poderem ganhar a taça, para o ano.»
Oito dias depois, em correspondência do Porto para Lisboa, «O Sport» publicava a seguinte notícia: «Depois do match entre Lisboa e Porto nada tem havido de notável no futebol. Apenas no domingo, 11 de Março, alguns sócios do Foot Ball Club do Porto estiveram no campo do antigo hipódromo de Matosinhos, treinando-se durante duas horas.»
De facto, entre os jogadores que representaram o F. C. Porto, no jogo contra Lisboa, estavam alguns dos que se treinaram pela primeira vez em Matosinhos, como jogadores e fundadores do Foot Ball Club do Porto: A. Nugent, Alfredo Kendall, Eduardo Kendall, Mac Kechnie e F. H. Ponsonby. Ou seja, mais um sinal que prova que o Foot Ball Club do Porto existia e jogava.
Foi, contudo, a última notícia publicada referindo-se de forma directa e inequívoca ao Foot Ball Club do Porto de António Nicolau de Almeida. - Fonte : A Bola,
A ideia do Rei D. Carlos foi de fomentar uma relação entre as duas cidades. A iniciativa não teve porém qualquer seguimento para além deste evento. Mal adivinhava D. Carlos no que estes embates se iriam tornar no futuro.
1.1 O FUTEBOL CLUBE DO PORTO, de Monteiro da Costa
Leia-se o que o 1º. Secretário da Direcção e
fundador do FCP relata em 1926:
in «O
Tripeiro», 1 de Março de 1926, 3ª série, nº5 (113):
Existia, há trinta e tal anos no Porto O Grupo do Destino, composto de uma
rapaziada alegre, ruidosa, entusiasta, buliçosa, cuja missão era divertir-se,
após as horas de trabalho. Não havia local onde bem se comesse e melhor se
bebesse que O Grupo do Destino não
conhecesse! Rima e era verdade! Aquilo eram bons estômagos e bons gastrónomos!
Partidas, piadas, blagues, bom humor,
tal era o programa do Grupo do Destino.
As suas festas marcavam pela originalidade e decorriam sempre cheias de grande
entusiasmo! Com que recordações lembramos essa mocidade cheia de alegria e
vivacidade!
Um dia o presidente do Grupo, isto pelas alturas
de 1904 ou 1905, o saudoso José Monteiro da Costa, foi com seu pai visitar a
Espanha, França e Inglaterra. Nas constantes epistolas que nos enviava,
descrevia com muito entusiasmo um jogo de
bola a que tinha assistido em Inglaterra e que logo que chegasse ao Porto
nos daria algumas explicações a fim de também o jogarmos! Anunciada a sua
vinda, um grupo de amigos sinceros, pois Monteiro da Costa de tudo era merecedor,
foi esperá-lo a Ermesinde. Foi uma alegria doida a sua chegada. Monteiro da
Costa até ao Porto descreveu rapidamente as impressões da viagem, tendo frases,
as mais entusiásticas, para o tal jogo da
bola que muito o interessava e que era nem mais nem menos que o foot-ball.
Ouvi-lo e resolver que O Grupo do Destino organizasse um grupo de foot-ball foi obra de um momento. Os presentes já sabiam que com o que fosse resolvido todos concordavam; a divisa do Grupo era um por todos e todo por um.
Passados dias, realizou-se a reunião magna de todos os sócios para tratar do importante assunto - a instalação do grupo de foot-ball. Com as costumadas piadas, facécias, blagues, etc., apareceram de entrada dois óbices a resolver: - 1º o desconhecimento completo, por parte de todos os sócios, de tal jogo; 2º, a falta de dinheiro, pois, com toda a sinceridade o dizemos, a maioria dos sócios eram alegretes mas...pobretes!
Dos instaladores ainda são vivos, parecendo-nos, porém que nenhum é sócio, Amadeu Maia, jornalista; Cândido Pinto da Mota e Manuel Luís da Silva, despachantes oficiais; Joaquim Pinto
Rodrigues Freitas e Álvaro Osório da Silva Cardoso, industriais; António Moreira da Silva, Joaquim António Mendes Correia e António Baptista Júnior, empregados comerciais; Manuel Sacramento, armador, Joaquim Silva, negociante e o autor destas linhas.
E aqui está como um Club organizado por rapazes que ignoravam o que era o foot-ball tanta propaganda teem feito em prol do Foot-Ball!...».
Camilo Moniz, outro dos primeiros associados do FCP descreve (num “Boletim do FC Porto”) transcrito, em 1956, por José Rodrigues Teles, a fundação do clube. Em destaque (página 18): “E tais desejos (José Monteiro da Costa) manifestava de no seu regresso o pôr (ao futebol) em prática dentro do Grupo do Destino que os de cá já se sentiam jogadores do desconhecido jogo.” Outro (página 19): “Embora já existissem no Porto dois clubes que praticavam futebol, este jogo continuava a ser, por assim dizer, desconhecido em virtude desses clubes serem constituídos por ingleses e a entrada nos seus parques de jogos só ser permitida aos sócios e suas famílias. Um, o Oporto Cricket and Tennis Club, de que fazia parte a maioria da colónia inglesa e que ainda hoje existe no mesmo local, na rua do Campo Alegre; o outro, o Boavista Footballers Club, do Bessa, formado quase sempre na sua totalidade por empregados da Fábrica Graham e donde mais tarde nasceu o Boavista Futebol Clube, mas com o campo de jogo em sentido oposto ao actual.” E ainda outro (página 20): “O futuro Clube, dizia ele (José Monteiro da Costa) devia chamar-se «Futebol Clube do Porto», por os seus fundadores serem na sua quase totalidade tripeiros natos, a sua sede na cidade do Porto e o principal desporto a que se ia dedicar – o futebol.”
Como se sabe, no Porto, o foot-ball era quase desconhecido. Somente existiam dois clubes onde se fazia esse jogo, que eram o Oporto Cricket e o Boavista Foot-Ball, aquele composto pela rapaziada das colónias inglesa e alemã, quase todos empregados nas diversas casas comerciantes estrangeiras desta cidade, e este pelo pessoal da fábrica Graham, à Avenida da Boavista. Estes clubes várias vezes se encontraram em desafios nos seus campos de jogos, mas a assistência era restrita às famílias dos sócios, razão porque era pouco conhecido entre nós.
Havia alguns portuenses, poucos, que conheciam o foot-ball; eram aqueles rapazes que tinham estudado nos colégios de Inglaterra e Bélgica, onde aquele jogo era obrigatório.
Os rapazes do Grupo do Destino desconheciam por completo o jogo de que se tratava, mas isso não os intimidou. Resolveram unanimemente organizar nesta cidade «o Foot-Ball Club do Porto». Estava resolvido o 1º óbice, pois diziam: dar pontapés na bola é facílimo!....
O que era desconhecer a técnica do foot-ball!
Quanto ao 2º óbice - a falta de dinheiro – também tudo se conseguiu. O Grupo do Destino tinha resolvido apresentar no futuro cortejo, promovido pelo Club dos Fenianos, um carro carnavalesco e para esse efeito todos os seus sócios pagavam uma quota mensal. A assembleia magna resolveu que as quotas que se tinham pago para o carro carnavalesco fossem gastas com a instalação do «Foot-Ball Club do Porto» e assim os dois óbices apresentados no princípio da reunião desapareceram. O Grupo do Destino jamais deixava de levar a efeito aquilo que pensasse fazer!
Foi logo nomeada uma comissão administrativa para dirigir os negócios do Club, ficando na presidência José Monteiro da Costa e como secretário o autor destas desataviadas linhas.
Nessa ocasião foi também escolhida a cor da equipe, e, caso curioso, apesar da maioria dos sócios instaladores ser de republicanos - alguns até comprometidos nas conspirações - a escolha recaiu no azul e branco, pois eram as cores da bandeira nacional!
Foi alugado um bocado de terreno da rua Antero de Quental, onde os sócios instaladores se iam treinando no jogo. Um dia apareceu no Club um italiano – Catulo Gadda – empregado na Fabrica Mariani, às Devesas, disposto a jogar. Foi recebido de braços abertos, pois era alguém que conhecia o foot-ball. Era um esplêndido defesa pelo pontapé forte que possuía. Já tínhamos dois «onze», mas pouco fazíamos. Pois se não tínhamos nascido para aquilo!....
Certa tarde andávamos no campo treinando-nos e alguém nos comunica que um cavalheiro desejava falar-nos. Fomos ter com esse cavalheiro e reconhecemos a vontade que tinha de nos ver jogar. Mostramos-lhe o pouco conhecimento que tínhamos de foot-ball e passados minutos o tal cavalheiro concordava que realmente ainda estávamos um pouco atrasados na técnica do foot-ball. Mr. Cassigne, ilustre súbdito francês, muito conhecido nesta cidade e que era o cavalheiro que desejou ver jogar, foi muito amável na apreciação que fez ao nosso jogo, pois não estávamos atrasados na técnica do jogo, estávamos atrasadíssimos!....
Conhecendo a boa vontade de Mr. Cassaigne, em prestar-nos os seus serviços, pedimos-lhe para tomar a direcção técnica do foot-ball, a que acedeu com todo o entusiasmo. Não fomos só nós os instruídos. Mr. Cassaigne, com toda a solicitude, instruiu também os rapazes do Colégio da Boavista, ao tempo pertencente ao falecido professor João Diogo, e instruiu os rapazes da Escola de Alunos Marinheiros, que se encontravam a bordo da Corveta Estephania.
Entrou para sócio o conhecido desportista Romualdo Torres, que imediatamente propôs também, entre outros, António Calém, Antunes Lemos, Ernesto Sá, Eduardo Villares, Nuno Salgueiro e António Campos que conheciam muito bem o foot-ball.
E assim, com todos estes elementos, já se via aos domingos o campo – já agora com o tamanho que a regras indicavam – todo cheio de uma afluência que ali acorria para ver com todo o interesse as várias fases do foot-ball. Romualdo Torres, sempre disposto ao levantamento do Club, organizava constantes desafios com os dois clubes que existiam, o Oporto Cricket e o Boavista e assim o “Foot-Ball do Porto” iniciou a sua carreira auspiciosa.
Rodrigues Freitas e Álvaro Osório da Silva Cardoso, industriais; António Moreira da Silva, Joaquim António Mendes Correia e António Baptista Júnior, empregados comerciais; Manuel Sacramento, armador, Joaquim Silva, negociante e o autor destas linhas.
E aqui está como um Club organizado por rapazes que ignoravam o que era o foot-ball tanta propaganda teem feito em prol do Foot-Ball!...».
Camilo Moniz, outro dos primeiros associados do FCP descreve (num “Boletim do FC Porto”) transcrito, em 1956, por José Rodrigues Teles, a fundação do clube. Em destaque (página 18): “E tais desejos (José Monteiro da Costa) manifestava de no seu regresso o pôr (ao futebol) em prática dentro do Grupo do Destino que os de cá já se sentiam jogadores do desconhecido jogo.” Outro (página 19): “Embora já existissem no Porto dois clubes que praticavam futebol, este jogo continuava a ser, por assim dizer, desconhecido em virtude desses clubes serem constituídos por ingleses e a entrada nos seus parques de jogos só ser permitida aos sócios e suas famílias. Um, o Oporto Cricket and Tennis Club, de que fazia parte a maioria da colónia inglesa e que ainda hoje existe no mesmo local, na rua do Campo Alegre; o outro, o Boavista Footballers Club, do Bessa, formado quase sempre na sua totalidade por empregados da Fábrica Graham e donde mais tarde nasceu o Boavista Futebol Clube, mas com o campo de jogo em sentido oposto ao actual.” E ainda outro (página 20): “O futuro Clube, dizia ele (José Monteiro da Costa) devia chamar-se «Futebol Clube do Porto», por os seus fundadores serem na sua quase totalidade tripeiros natos, a sua sede na cidade do Porto e o principal desporto a que se ia dedicar – o futebol.”
Foi então que António Nicolau d'Almeida falou a José Monteiro da Costa no projecto que iniciara em 1893. Este, prontamente, decidiu, sem hesitações acarinhar a ideia de Nicolau e adoptar o nome do clube por ele criado. Terminava o Grupo do Destino e nascia o FC Porto, em Agosto de 1906, assumindo desde logo uma faceta de clube eclético, no qual se praticavam também atletismo, boxe, Cricket, halterofilismo, pólo aquático e natação. De realçar, contudo, que a continuidade existe apenas no nome já que se trata, efectivamente, de um clube estruturado, com objectivos definidos, e de índole diferente. Como se vê a polémica sobre a data de fundação do Futebol Clube do Porto não faz nenhum sentido. A ideia é de Nicolau mas a fundação é de Monteiro da Costa, seu primeiro Presidente.
A equipa de 1906
José Monteiro da Costa
O seu primeiro campo, foi o Campo da Rua da Rainha, hoje Rua de Antero de Quental, 371. Junto à casa do refundador e presidente, na Rua da Rainha, havia um terreno alugado à Companhia Hortícola Portuense, do qual sobrava um espaço não cultivado. Decidiu-se aproveitá-lo, tendo Jerónimo Monteiro da Costa, pai de José, presidido à comissão instaladora. Construiu-se apenas um pequeno campo de 30x50 metros - o primeiro campo relvado em Portugal - mas ainda em 1906 os viveiros de plantas seriam transferidos para outro local, permitindo ao FC Porto criar um campo com as medidas oficiais rodeado de bancos para 600 pessoas e ainda uma pista de atletismo (para saltos e lançamentos), balneários e um bar.
As duas equipas F.C. do Porto e Real Fortuna de Vigo
O FC Porto foi pioneiro também na internacionalização: foi a primeira equipa portuguesa a receber um conjunto estrangeiro, o Real Fortuna de Vigo, actual Celta de Vigo, em 1907, desconhecendo-se o resultado, e a primeira equipa a deslocar-se ao estrangeiro, a Vigo, em 1908. O primeiro título oficial do palmarés portista surge em 1912: é a Taça José Monteiro da Costa, o Campeonato do Norte de Portugal (de futebol), criado em homenagem ao “refundador” do FC Porto.
Poucos meses depois da notícia da morte de Monteiro da Costa, o F. C. Porto recebe nova desfeita. Os proprietários dos terrenos avisaram o clube de que teria que abandonar o campo da Rainha. O ano de 1911 estava praticamente no fim. A nova direcção presidida pelo tenente Júlio de Lencastre começa imediatamente a procurar um terreno onde pudesse construir a nova casa portista. Encontra-o em Junho do ano seguinte. Ficava na Rua da Constituição, ali bem pertinho da Rua da Rainha, e tinha espaço suficiente para o campo de futebol, de ténis, a sede e muito mais. Decidiu-se imediatamente pelo aluguer do espaço. Ao preço de 350 escudos anuais.
Começaram de imediato as obras e a 29 de Setembro desse mesmo ano dá-se a mudança. A secretaria do clube começou a funcionar a 4 de Novembro num barracão mal acomodado. Em Maio do ano seguinte fica concluído um ringue de patinagem, uma iniciativa de um grupo de associados amantes da modalidade muito em voga nessa altura, que custearam as despesas e ofereceram as receitas ao clube.
Ainda que forçada pela construção de uma fábrica no espaço do antigo recinto, a mudança para o Campo da Constituição em 1912 correspondeu a uma significativa melhoria das instalações. Simultaneamente, o FC Porto crescia a nível desportivo, tendo vencido a primeira prova de âmbito nacional na história do futebol português: o Campeonato de Portugal de 1922.
O Futebol Clube do Porto, na Constituição em 1920
O constante aumento do número de sócios e a introdução de novas modalidades (ginástica em 1910, basquetebol e hóquei em campo em 1926, râguebi em 1928, andebol de onze em 1932 e ténis de mesa em 1937), contribuíam também para o crescimento do clube. Em meados dos anos trinta o FC Porto conhecia uma dimensão tal que o Campo da Constituição já parecia pequeno demais - começaram então os planos para a construção de um novo estádio. Como este demoraria década e meia a surgir, foi necessário procurar uma solução temporária, passando o FC Porto a jogar alguns jogos no campo emprestado do Sport Progresso (Amial) ou do Académico (Estádio do Lima).
Em 1945 o F. C. do Porto tinha cerca de 8 mil sócios e o alargamento a novas modalidades prosseguia: bilhar e pesca desportiva em 1940, voleibol em 1943, ciclismo em 1945, campismo em 1951 e hóquei em patins em 1955. Entretanto, a equipa de futebol passava 15 anos sem títulos, entre 1941 e 1955; eram as outras modalidades, nomeadamente o andebol de onze e o ciclismo, que se encarregavam de ir aumentando o palmarés do clube. O futebol, porém, mesmo não vencendo competições oficiais, foi responsável pela mais significativa adição à sala de troféus do F. C. do Porto na altura: em 1948 venceu o Arsenal, considerada a melhor equipa do mundo, no Estádio do Lima. Apesar de ter sido apenas um amigável, sócios e notáveis ofereceram ao clube um troféu com mais de 300 quilos, 130 dos quais em prata maciça.
O ansiado novo estádio foi inaugurado em 1952. Chamava-se Estádio do Futebol Clube do Porto, mas ficou para a história como Estádio das Antas. Inicialmente apenas um estádio, foi-se transformando ao longo dos anos num verdadeiro complexo desportivo, com a construção de uma piscina, dois pavilhões e outras instalações essenciais à prática das várias modalidades do clube.
1.2 O ESTÁDIO DAS ANTAS
Foi numa Assembleia Geral em 1933 que surgiu a proposta de construção de um novo estádio, já que o Campo da Constituição começava a revelar-se pequeno para o FC Porto. A proposta foi aprovada por unanimidade, mas só em 1937 começaram a ser tomadas medidas no sentido de concretizar o objectivo, com a criação de um empréstimo obrigacionista. Dez anos depois foi comprada uma área de 48.000 metros quadrados na zona das Antas, na parte leste da cidade do Porto. A primeira pedra foi lançada em acto simbólico em Dezembro de 1949, tendo a obra começado cerca de um mês depois.
José Bacelar, sócio nº1 do FC Porto na altura, pagou o salário do primeiro dia de trabalho a todos os operários. A solidariedade da população da cidade e da região para com o FC Porto ficou também marcada por dois cortejos de materiais, em que dezenas de camionetas, autocarros e furgonetas seguiram em cortejo para o estádio levando material de construção.
Ao longo do processo foi necessário comprar terrenos adjacentes aos originais, pois concluiu- se que 48.000 metros quadrados não seriam suficientes para o complexo desportivo que o FC Porto pretendia construir. Comprados os referidos terrenos, a área total ascendeu aos 63.220 metros quadrados. A capacidade original do estádio era de 44.000 espectadores, distribuídos por três bancadas - duas superiores e uma lateral. O lado leste do campo não tinha bancada, sendo chamado de Porta da Maratona.
No dia 28 de Maio de 1952 o Estádio do Futebol Clube do Porto foi inaugurado numa cerimónia pomposa que contou com a presença do General Craveiro Lopes, então presidente de Portugal. Urgel Horta presidia ao FC Porto na altura. Após a cerimónia foi realizado um jogo inaugural efectuado perante os rivais Sport Lisboa e Benfica. A partida terminou com a vitória do S.L. Benfica, por 8-2.
Ver, de meu tio António da Silva Tavares: https://www.youtube.com/watch?v=6u3Em92BMeI
O Estádio das Antas é obra dos arquitectos Oldemiro Carneiro e Aires de Sá e foi durante mais de meio século um monumento de referência da cidade e da região. Sonho persistente e acarinhado ao longo dos anos pelos adeptos azuis e brancos, cresceu com o tempo e implantou-se em definitivo na zona que lhe ofereceu o epíteto, já que a sua designação oficial era Estádio do Futebol Clube do Porto. Com o passar do tempo, mudou de aparência várias vezes, ganhando lugares e uma arquibancada, tal como o relvado rebaixado, e a zona envolvente dotou-se de campos de treino, pavilhões gimnodesportivos, piscina coberta, uma Sala de Bingo e, posteriormente, de uma renovada e ampliada área administrativa, que se instalou na emblemática Torre das Antas.
1.3 A POLÉMICA SOBRE A DATA DA FUNDAÇÃO
José Rodrigues Teles, portista e jornalista em publicações (por exemplo no jornal “Sporting”) da cidade do Porto e correspondente no Porto do jornal “Os Sports” (depois “Mundo Desportivo”) publicou duas histórias do FC Porto, onde ilustra, com rigor e paixão clubística, a fundação do seu clube. A primeira em 1933 e a segunda (por fascículos) em 1956.
"António Nicolau d'Almeida fundou...o Futebol Clube do Porto, como a carta [a Guilherme Basto] assim nos indica. Da ligação ao Futebol Clube do Porto de 1893 e o que nasceu em 1906 já se tiraram, por certo, algumas conclusões, e outras mais podem surgir.(...) Também se sabe que António Nicolau d'Almeida, afinal, acompanhou os homens do Futebol Clube do Porto depois de 1906. Foi, portanto, um homem da nossa agremiação, aquele que primeiro a sonhou! (...)
Glória e Vida de Três Gigantes - A Bola: "Em 1906, seria refundado por Monteiro da Costa, amigo de António Nicolau d'Almeida. Que se ligaria ao clube, acompanhando alguns dos seus amigos que, para além do nome, lhe mantivera a cor das camisolas (azuis e brancas) e a bandeira da Monarquia (...) alguns dos jogadores do Foot-Ball Club do Porto como Mackechnie, Nujent ou Kendall alinharam, no Foot-Ball Club do Porto refundado por Monteiro da Costa, em 1906".
Campa onde está sepultado José Monteiro da Costa, “Fundador e Primeiro Presidente do F. C. do Porto” no Cemitério de Agramonte, no Porto.
1.4 EMBLEMA ORIGINAL E EMBLEMA ACTUAL
O emblema original do Porto era uma bola de futebol azul com as letras FCP em branco. Assim continuou até 1922, quando Augusto Baptista Ferreira, jogador do “time”, resolveu unir o símbolo do clube ao brasão da cidade do Porto. Simplício, como era conhecido, criou assim o escudo do Futebol Clube do Porto. Data da mesma altura o Hino do FC Porto, com letra de Heitor Campos Monteiro e música do Maestro António Figueiredo e Melo.
Após o Cerco do Porto e a morte de D. Pedro IV, por decreto redigido por Almeida Garrett e promulgado por Passos Manuel, a 14 de janeiro de 1837, D. Maria II outorgou novas armas ao Porto, em especial reconhecimento pelo papel decisivo da cidade no triunfo do liberalismo em Portugal.
“Para memória de que a cidade do Porto bem mereceu da pátria e do príncipe, serão as suas armas um escudo aquartellado, tendo no primeiro quartel as armas reaes de Portugal; no segundo as antigas armas da mesma cidade, e assim os contrários; e sobretudo, por honra, e em recordação do legado precioso que de meu augusto pai recebeu, um escudete vermelho com um coração de oiro; coroa ducal; e por timbre um dragão negro das antigas armas dos senhores reis d'estes reinos; com a tenção em letras de oiro sobre fita azul - Invicta: - e em roda do escudo a insígnia e collar da gran- cruz da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e mérito.” – Cf. decreto redigido por Almeida Garrett e promulgado por Passos Manuel e D. Maria II em 14 de Janeiro de 1837.
A coroa ducal deveria ter sido encimada por uma serpes alada, símbolo da Casa Real. Desde fins do séc. XIV o Rei de Portugal encima o seu elmo com uma serpe alada, de ouro, emblema que tinha sido dos Lusitanos, uma figura totémica, portanto. Talvez por influência cultural inglesa, (Almeida Garrett esteve refugiado em Inglaterra) a serpes passou a dragão, o dragão de S. Jorge, nos tempos de D. Maria II. Estas armas do Porto desenhadas por Almeida Garrett, reflectem o contacto com o Romantismo inglês, onde Garrett se exila, e daí a procura de alguns elementos medievais. No brasão de Portugal, a partir de D. João I, consta a serpes alada e não, como ingenuamente pensou Almeida Garrett, “o dragão negro das antigas armas dos senhores destes reinos”.
O Leão de Espanha derrota a Serpes de Portugal (Gravura de Eramus Quellinus – 1607/1678, pintor discípulo de Rubens)
S. Jorge tinha acertado a cabeça do dragão com sua poderosa espada Ascalon, sendo o dragão a representação do demónio! O dragão vai ser, de facto, representado a verde, e no seu pescoço será colocada uma fita com a palavra Invicta, título que D. Maria II, primeiro duque do Porto, atribuiu à cidade.
Na Ora Marítima de Avieno meditada por Mendes Corrêa no seu opúsculo "Le Serpent, Totem Dans La Lusitanie Proto-Historique", afirma-se que a tribo dos Saefos habitava os montes do interior do território nortenho português e adoravam as Serpentes, as Serpes. Diz Pinharanda Gomes que "a serpente apresenta-se como símbolo do conhecimento global - a serpente enrolada, aboca tocando o rabo, denomina simbolicamente o universo do saber, a unidade do ser". Com o Estado Novo será criado para a cidade do Porto um novo brasão. Contudo, encontraremos, ainda, a serpes nos brasões de Coimbra, Vila do Bispo e Serpa.
Também o hino do F. C. Porto refere as armas da cidade:
“Oh, meu Porto, onde a eterna mocidade
Diz à gente o que é ser nobre e leal.
Teu pendão leva o escudo da cidade
Que na história deu o nome a Portugal. “