quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - XIX

9.19 - Testemunho extraordinário de Olivier Merson III - 1857, Praça D. Pedro, Trajar dos portuenses e seus visitantes, Cadeirinhas do Porto, Galegos, Barcos de recreio, Freguesias do Porto 


…Servindo de ponto de reunião à Rua de Santo António e á Calçada dos Clérigos, a Praça de D. Pedro prolonga-se como um ponto de divisão entre as duas colinas rivais. É uma espécie de Campo neutro, que a população de todos os quarteirões enche de perpétuo movimento. No Porto o movimento da multidão não tem o mesmo caracter de Paris ou Londres…No Porto, é vivo e expressivo. Não porque as maneiras dos portugueses tenham animação e viveza; pelo contrário, os portugueses são sossegados; com seu grande guarda-sol na mão, marcham a passos compassados; mas a fisionomia é ordinariamente viva, o gesto acentuado, demonstrativo, e quer ao juntarem-se, quer ao separarem-se, saúdam-se tirando o chapéu, com um gracioso ar de bondade…


Portuenses esperando a passagem de João Franco em 1907, no alto da Rua de Santo António, nas escadas de Santo Ildefonso. Belíssima foto em que se pode ver como vestia o Porto. Desde o colarinho engomado, chapéu de palhinha e gravata, uma minoria possivelmente de comerciantes, ao vestuário ligeiro de cidade e até dos lavradores. O chapéu ou o boné usava-se em todas as idades. 
A cidade recebeu esta visita de João Franco com ostensiva hostilidade e foi necessário utilizar as forças de cavalaria e infantaria da Guarda Municipal para o acompanhar. Milhares de pessoas, desde Campanhã aos locais que eram visitados, gritavam e assobiavam contra a ditadura. Mesmo de noite fizeram barulho e gritaria junto da casa onde ficou alojado. Os graves desacatos e recontros entre os manifestantes e a polícia ocasionaram dezenas de prisões, na maioria políticos republicanos e jornalistas.
Em protesto, a maioria das casas comerciais estavam encerradas, muitas casas puseram panos pretos nas varandas e muitos populares usavam de gravata preta.


Escadas que subiam do Mercado do Bolhão para a Rua Fernandes Tomás, em 1910. Vê-se a Estamparia do Bolhão, que viria a sofrer um devastador incêndio em Julho de 1924, que a destruiu totalmente.
Também nesta foto se vê a maneira de vestir desse tempo. Saias largas e muito compridas, lenço na cabeça, avental e os cestos à cabeça como até muito mais tarde se usou.


Até os homens levavam cestos à cabeça!


Populares de fora do Porto, ou de freguesias fora do centro, vinham às ruas comerciais fazer compras. Normalmente faziam-no ao Domingo ou dia de festa das suas terras. Nesta foto, da Rua dos Clérigos em 1913, apresentam-se vestidos com “roupa de ver a Deus” e não com os seus trajes de trabalho. Vê-se, dependuradas às portas das casas comerciais, os artigos para venda, tal como era costume ainda, no lado ímpar da Rua dos Clérigos, pelo menos até aos anos 60 do séc. XX. Eram os chamados "carapuceiros".



Traje do Porto com o escudo da cidade.



Trajes românticos

…Depois, os aldeões e aldeãs vão e vêm, apregoando laranjas, legumes, frutos, flores, que trazem em cestos de junco; e os vestidos das mulheres, de cores vivas, de corte elegante, quebram felizmente monotonia dos casacos desses senhores da nobreza e da burguesia…


…Aqui, algumas bestas, conduzidas por um arrieiro que assobia, agitam as borlas de lã vermelha, amarela, azul, verde, do seu penacho; jumentas vêm, como em Paris, dar o seu leite pelas casas…


…Além, oficiais, de aspecto suficientemente marcial, guardas municipais, com o seu número de ordem em cifras de latão na gola da farda, e o apito enfiado num cordão ao peito, confundem-se entre as ondas do povo.


Aqui, são bois gordos que puxam carros de extravagante feição;…



Cadeirinha do Porto - 1886

…ali, galegos que levam uma cadeirinha, subindo a passo regulado uma rua quase perpendicular;…


…finalmente, o aguadeiro, com o caneco ao ombro, passa além com chapéu com grandes borlas e facha vermelha; e tudo isto estimula a curiosidade, sustenta o interesse, desperta a observação.
A configuração do solo torna difícil o uso de veículos. Por isso poucos há no Porto…


…As mulheres e homens do mundo elegante, algumas vezes, vão ao teatro e fazem visitas de cadeirinha. Nossos avós também assim faziam…


…O indivíduo de que se carece para qualquer recado, o comissário da quina da rua, são sempre galegos, porque o mais pobre português tem dignidade de sobra para se baixar a tão mesquinho mister…



…No rio os barqueiros têm embarcações para os que vão movidos de qualquer negócio, ou para os simples passeantes que querem subir ou descer o Douro. Eles vos cercam, vos martirizam, com seus bonés de lã escura na mão, gritando em todos os tons da escala vocal: Um barco, Excelência! Um barco! No dia em que fomos à Foz, mostraram-nos até uma insistência particular; e enquanto nos davam excelências com profusão a luneta de José desapareceu. Isto foi tão rápido que nem mesmo Cristóvão, que tem olhos de lince, viu. Em Paris, em Londres os industriosos exploram o terreno, vivendo à custa dos parvos, dos ociosos, e talvez dos portugueses que visitam a França e Inglaterra; e isto não quer dizer absolutamente que Londres e Paris sejam coutos de larápios…


Freguesias do Porto – 1903 – gravura de M. Cortez

…Para terminar por cifras este rápido esboço, direi que o Porto, compreendendo as povoações rurais, divide-se em 8 freguesias urbanas e 4 rurais; que encerra 68.000 habitantes pelo menos e 19.000 fogos o muito; e que Vila Nova de Gaia tem uma população de 40.000 almas e perto de 2.500 casas” In O Tripeiro, Volume 3, 1/10/1912. 

Cinemateca Portuguesa – O Porto em 1913 

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