quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - XVI


9.16 - Memórias de Faustino Xavier de Novais, Auto-retrato, Faustino e Camilo, Abadessados no Convento de S. Bento de Avé Maria, Outeiro no Convento de Corpus Christi, Versos no livro de António Bernardo Ferreira



Faustino Xavier de Novais (Porto 1820 / Rio de Janeiro 1869)


Figuras literárias do Porto – A. M. Basto





A – Convento dos Loios; B – Cerca com seu quintal; C – Casas que fazem frente dom a feira e costas ao quintal dos Padres Lóios e tem de largo 200 palmos “incirca” do convento; D – Largo da Feira; E – Porta de Carros; F – Os Padres Congregados; G – Porta do pátio que “feixa” as portarias das Religiosas de S. Bento; H – Seu Mirante



Entrada pelo lado da Igreja, na Rua do Loureiro

De três em três anos, quando da eleição das novas abadessas, realizarem-se os chamados Outeiros ou Abadessados para os quais eram convidados familiares e amigos das freiras e internas, figuras da sociedade e poetas famosos desse tempo. Eram uma espécie de serões culturais, que duravam três noites e terminavam altas horas da madrugada. A eles assistiam muitas pessoas e sobressaíam poetas repentistas. Camilo, Guerra Junqueiro, Xavier de Novais, Alberto Pimentel, Guilherme Braga e tantos outros eram costumeiros destas diversões.
“As freiras velhas e as juvenis educandas davam os motes, os doces e os vinhos; os poetas bebiam o vinho, comiam os doces e glosavam os motes; e quanto mais depressa tudo isso faziam, tanto mais eram admirados”. Punham-se luminárias nas janelas e a festa durava três dias e três noites consecutivas. Fora de portas, no pátio, o público aplaudia os poetas e regalava-se com as muitas iguarias que as criadas do mosteiro serviam”. In livro Porto Desaparecido

O Dr. Artur de Magalhães Basto refere um episódio entre uma freira e o poeta satírico Faustino Xavier de Novais. Aquela lançou o mote:
No açafate da costura
Se escondeu agora amor.

De imediato Faustino responde:

Se eu pudesse em noite escura
Ser por ti agasalhado,
Dormia mesmo enroscado
No açafate da costura;
E se lá dessa clausura
Fora me quisessem pôr, 
Tu dirias: não senhor
Não toquem nesse cestinho
Que lá dentro, encolhidinho,
Se escondeu agora amor.

Entre os vários poetas concorrentes fazia parte um mestre-escola menos feliz nas rimas. Foi-lhe dado o mote e ele retirou-se um pouco para pensar o seu madrigal. Porém, não lhe ocorrendo a versalhada pegou nuns rolos de cera e, acendendo-os, pretendeu escrever a sua resposta. Tanto demorou que começaram as risadinhas e zombarias. Perdendo a paciência o espontâneo Faustino atirou: 

Senhoras, peço e requeiro 
Que se apaguem já os rolos;
Não sejamos todos tolos,
Aliás d’aqui m’esgueiro…
Quem não pode um verso inteiro
Reter na sua memória,
Conte p’raí uma história,
Ou lenda de feiticeira,
Ou diga, então, quanta asneira
Reprimiu c’oa palmatória.


In Livro Porto Desaparecido

Deste importante abadessado, dá-nos o escritor Firmino Pereira uma viva descrição: 



Convento de Corpus Christi - Gaia

Era costume, também neste convento realizarem-se, em dias de grande festa, os chamados Outeiros, em que convidados e conhecidos mostravam às meninas recolhidas e freiras os seus dotes de improvisação poética. Após graças e boa disposição, era servido pelas freiras uma refeição com os melhores doces da casa; e diga-se que habitualmente eram os melhores da cidade.
Em 1848 houve um neste convento onde o poeta satírico Faustino Xavier de Novais foi concorrer. Tinha ido num velho carroção. À entrada, berra para as grades onde estavam vultos femininos;

Seis patuscos qual mais ratão
À custa do seu dinheiro
Chegam agora ao Outeiro
Metidos num carroção.
Trouxe sempre os bois a trote,
Que sem darem um pinote
Aqui põe os vates prontos:
Portanto nada de contos
Oh! Meninas, venha o mote.

De imediato lhe foi lançado o seguinte:

Negro zelo vai-te embora.

Em voz alta, recitou:

Vou aprender a torneiro
Que é ofício muito bom;
Trabalha o pé e a mão
Ganha-se muito dinheiro;
Vou comprar a um ferreiro
Um torno, mas dos de fora,
Porém, lembra-me agora
Tenho aqui um tornozelo;
Fica o torno e digo ao zelo
Negro zelo vai-te embora. 

Entra em cena o segundo vate, o Pároco de Mafamude, José Maria de Sant’Ana e Silva, e diz:

Eu não quero marmelada, 
Tão pouco doces, licor
Venho aqui por favor
Não quero me deem nada.
Quero sim ver acatada a musa do trovador;
Eu cá não sou impostor
Ás madres digo o que sinto:
São mudas nesse recinto?
Louvado seja o Senhor!

De imediato baixou o mote:
Amor é a alma da vida

Glosou o poeta:

Olhem que amor não é cego
Vê um mosquito na Lua
É um lampião de rua
É firme como um prego
Em que a gente anda pendida.
É amor uma torcida
É amor um parafuso
E sendo ele em bom uso
Amor é alma da vida.

Uma bela história, ligada ao Corpus Christi, que encontrámos em O Tripeiro Volume 6:




Poesias de Faustino Xavier de Novais - Tem poesias maravilhosas

Sem comentários:

Enviar um comentário