9.40 - CAMILO E O PORTO – I - TEXTO DE JULIO DANTAS PELO CENTENÁRIO DA MORTE DE CAMILO (1890), Contenda entre o Bispo e o povo do Porto, Ruas e lugares na memória de J.D.
Júlio Dantas (1876-1962) foi designado pela Academia das Ciências para representa-la, no Porto, na homenagem a Camilo Castelo Branco, pelos 100 anos da sua morte. Porém, por motivos de falta de saúde não pôde deslocar-se, mas enviou um excelente texto que abaixo parcialmente transcrevemos de O Tripeiro, Série VI, ano 2:
Camilo Castelo Branco
A propósito da contenda do bispo e o povo a que se refere o autor, intercalamos um texto alusivo, publicado no Jornal de Notícias de 31/12/2006):
“D. Martinho Rodrigues (1191-1235) e a contenda com a cidade
Bairro da Sé. Eis aí um dos livros abertos da história do burgo portucalense. Entra-se nele a partir do Terreiro da Sé e fica-se, desde logo, a fazer parte da família de fantasmas que o povoa. Lá vai a sombra do último questor ou demandador - oficial da Mitra encarregado de arrecadar as rendas que os fiéis eram obrigados a pagar ao bispo. E lá vai, esgueirando-se rente ao muro, embrulhado no seu albarnoz alvadio, o mercador judeu a caminho da sinagoga, ali para as bandas das Aldas. Lá vai, agora, a sombra de D. Martinho Rodrigues, o arrogante prelado que o povo, cansado de tantas extorsões, meteu a ferros na torre do seu próprio paço donde ele logrou fugir para se dirigir a Roma e alcançar do Papa um anátema sobre a sua própria cidade .Vale a pena recordar esta contenda que a cidade travou com o seu bispo. Foi há quase 800 anos. Completam-se em 2009. E o palco dessa luta foi o bairro da Sé. Onde, como escreveu Firmino Pereira, " em cada uma das suas pedras se inscreve uma façanha heróica, porque foi precisamente nessa parte do burgo que mais energicamente se afirmaram as energias da raça na defesa dos seus direitos e dos seus foros tantas vezes afrontados pela cobiça dos bispos.
Um desses bispos foi D. Martinho Rodrigues que governou a diocese do Porto de 1191 a 1235. Por esse tempo o burgo portucalense não ia além do morro da Pena Ventosa em cujo cume se situava a Catedral e a residência do prelado. O senhorio da cidade, como tantas vezes aqui se tem dito, pertencia ao bispo da diocese desde os remotos tempos de D. Hugo. Os cidadãos do Porto, em especial, mas os moradores da cidade, em geral, eram considerados vassalos do bispo. E D. Martinho Rodrigues, especialmente este, era um prelado ambicioso. Como senhor da cidade, arrecadava os impostos sobre todos os géneros e mercadorias que entravam ou saíam no burgo. E lançava cada vez mais impostos sobre o povo que, naturalmente descontente, protestava. Pinho Leal escreveu no seu "Portugal Antigo e Moderno" que a certa altura, o povo, cansado de protestar baldadamente contra as prepotências do bispo, "… amotinou-se e, furioso, acometeu contra o paço episcopal arrombando as suas portas e invadindo-o; e chegados aos aposentos do bispo lançaram-lhe em rosto os vexames de que eram vitimas após o que o prenderam no próprio paço onde ficou pelo espaço de cinco meses..." Passou-se isto em 1209. Há quase 800 anos. É da história que D. Martinho Rodrigues conseguiu, ao fim de cinco meses de encarceramento, fugir da prisão, de noite, e dirigir-se a Roma onde "chegou em miserável estado". Na cadeira de S. Pedro sentava-se por essa altura Inocêncio III a quem o bispo pediu que fulminasse com a pena de excomunhão os chefes do levantamento popular indicando especialmente dois cidadãos João Alvo e Pedro Feudo Tirou (tirou o feudo ou vassalagem). Mas foram apenas dois os burgueses do Porto que participaram no levantamento? Claro que não.
Os cabeças do motim, se assim se pode dizer, eram ao todo vinte. E estão devidamente identificados João Alvo e seu irmão, Mendo Guilherme; Vicente Mendes, genro de João Alvo; Afonso Gondom das Eiras; Tirou Martins Pires e Vicente, ambos genros de Pedro Feio (Petri Fedi) ; Pedro Soares, filho de Soeiro Monis; João Vai-Vai; Fernando Monis; Gonçalo Godinho; Pedro Mouro; Pirro das Eiras; Pedro Feio (Petrum Fedum); Paio Martins; Mendo Bicas; Soeiro Gulherme; João Ferreira do Monte; João Surdo; Reinaldo Agulheiro; e Miguel Meigenga. Todos estes "cidadãos portucalenses" ficaram sujeitos à sentença canónica que os considerou "infames" e por isso foram excomungados. Só que, quando a sentença chegou ao Porto os cidadãos do burgo, incluindo os directamente atingidos, encolheram os ombros e "altivamente afrontaram a censura eclesiástica" com um simples desabafo: "excomunhão não brita osso" que é como quem diz, "não interessa…" ou seja não é para levar a sério. Sabe-se que os "condenados" se alhearam por completo da sentença e da causa que lhe deu origem. Foram, por isso, julgados à revelia pelos juízes apostólicos e a pena que lhes foi aplicada só podia ser levantada se eles dessem "uma satisfação conveniente" ao bispo e implorassem a Roma a absolvição. Nada disso aconteceu e foi o próprio D. Martinho Rodrigues, anos mais tarde, quando regressou ao Porto, que solicitou de Inocêncio III a absolvição dos excomungados. Consta do "Censual do Cabido da Sé do Porto" que o bispo D. Pedro Salvadores, que sucedeu a Martinho Rodrigues, quando morreu, em 24 de Junho de 1247, contemplou, no seu testamento, Pedro Feio com quatro morabitinos e João Alvo com dois. O que pode significar que havia então bom entendimento entre a Mitra e os homens da cidade.
Não foi só com a sociedade civil que o bispo D. Martinho Rodrigues teve problemas. Houve também uma séria questão entre ele e os cónegos da Sé. Por causa da divisão das rendas da diocese entre o bispo e os cónegos. Tudo começou na administração de D. Martinho Pires que antecedeu D. Martinho Rodrigues na Mitra portucalense. Quando chegou ao Porto, Martinho Pires, tratou imediatamente de reorganizar o Cabido e incluiu nessa reorganização a divisão das rendas do bispado em três partes sendo que duas reverteriam a favor do bispo e uma era atribuída ao Cabido. O bispo recolhia duas partes porque, alegou, "lhe competia zelar pela fábrica da Sé", isto é administrar o edifício da Catedral, sua conservação, pagamento de ordenados a funcionários, etc. Dali em diante os cónegos deixariam de viver em comum, como até ali, segundo as regras de Santo Agostinho e passariam a viver "secularmente" ou seja onde quisessem e como entendessem. Com a subida de D. Martinho Rodrigues à cadeira episcopal do Porto os cónegos tentaram revogar a medida imposta pelo prelado anterior mas o novo bispo do Porto não aceitou e manteve a determinação de só pagar aos cónegos o vestuário e o sustento”.
Bairro da Sé. Eis aí um dos livros abertos da história do burgo portucalense. Entra-se nele a partir do Terreiro da Sé e fica-se, desde logo, a fazer parte da família de fantasmas que o povoa. Lá vai a sombra do último questor ou demandador - oficial da Mitra encarregado de arrecadar as rendas que os fiéis eram obrigados a pagar ao bispo. E lá vai, esgueirando-se rente ao muro, embrulhado no seu albarnoz alvadio, o mercador judeu a caminho da sinagoga, ali para as bandas das Aldas. Lá vai, agora, a sombra de D. Martinho Rodrigues, o arrogante prelado que o povo, cansado de tantas extorsões, meteu a ferros na torre do seu próprio paço donde ele logrou fugir para se dirigir a Roma e alcançar do Papa um anátema sobre a sua própria cidade .Vale a pena recordar esta contenda que a cidade travou com o seu bispo. Foi há quase 800 anos. Completam-se em 2009. E o palco dessa luta foi o bairro da Sé. Onde, como escreveu Firmino Pereira, " em cada uma das suas pedras se inscreve uma façanha heróica, porque foi precisamente nessa parte do burgo que mais energicamente se afirmaram as energias da raça na defesa dos seus direitos e dos seus foros tantas vezes afrontados pela cobiça dos bispos.
Um desses bispos foi D. Martinho Rodrigues que governou a diocese do Porto de 1191 a 1235. Por esse tempo o burgo portucalense não ia além do morro da Pena Ventosa em cujo cume se situava a Catedral e a residência do prelado. O senhorio da cidade, como tantas vezes aqui se tem dito, pertencia ao bispo da diocese desde os remotos tempos de D. Hugo. Os cidadãos do Porto, em especial, mas os moradores da cidade, em geral, eram considerados vassalos do bispo. E D. Martinho Rodrigues, especialmente este, era um prelado ambicioso. Como senhor da cidade, arrecadava os impostos sobre todos os géneros e mercadorias que entravam ou saíam no burgo. E lançava cada vez mais impostos sobre o povo que, naturalmente descontente, protestava. Pinho Leal escreveu no seu "Portugal Antigo e Moderno" que a certa altura, o povo, cansado de protestar baldadamente contra as prepotências do bispo, "… amotinou-se e, furioso, acometeu contra o paço episcopal arrombando as suas portas e invadindo-o; e chegados aos aposentos do bispo lançaram-lhe em rosto os vexames de que eram vitimas após o que o prenderam no próprio paço onde ficou pelo espaço de cinco meses..." Passou-se isto em 1209. Há quase 800 anos. É da história que D. Martinho Rodrigues conseguiu, ao fim de cinco meses de encarceramento, fugir da prisão, de noite, e dirigir-se a Roma onde "chegou em miserável estado". Na cadeira de S. Pedro sentava-se por essa altura Inocêncio III a quem o bispo pediu que fulminasse com a pena de excomunhão os chefes do levantamento popular indicando especialmente dois cidadãos João Alvo e Pedro Feudo Tirou (tirou o feudo ou vassalagem). Mas foram apenas dois os burgueses do Porto que participaram no levantamento? Claro que não.
Os cabeças do motim, se assim se pode dizer, eram ao todo vinte. E estão devidamente identificados João Alvo e seu irmão, Mendo Guilherme; Vicente Mendes, genro de João Alvo; Afonso Gondom das Eiras; Tirou Martins Pires e Vicente, ambos genros de Pedro Feio (Petri Fedi) ; Pedro Soares, filho de Soeiro Monis; João Vai-Vai; Fernando Monis; Gonçalo Godinho; Pedro Mouro; Pirro das Eiras; Pedro Feio (Petrum Fedum); Paio Martins; Mendo Bicas; Soeiro Gulherme; João Ferreira do Monte; João Surdo; Reinaldo Agulheiro; e Miguel Meigenga. Todos estes "cidadãos portucalenses" ficaram sujeitos à sentença canónica que os considerou "infames" e por isso foram excomungados. Só que, quando a sentença chegou ao Porto os cidadãos do burgo, incluindo os directamente atingidos, encolheram os ombros e "altivamente afrontaram a censura eclesiástica" com um simples desabafo: "excomunhão não brita osso" que é como quem diz, "não interessa…" ou seja não é para levar a sério. Sabe-se que os "condenados" se alhearam por completo da sentença e da causa que lhe deu origem. Foram, por isso, julgados à revelia pelos juízes apostólicos e a pena que lhes foi aplicada só podia ser levantada se eles dessem "uma satisfação conveniente" ao bispo e implorassem a Roma a absolvição. Nada disso aconteceu e foi o próprio D. Martinho Rodrigues, anos mais tarde, quando regressou ao Porto, que solicitou de Inocêncio III a absolvição dos excomungados. Consta do "Censual do Cabido da Sé do Porto" que o bispo D. Pedro Salvadores, que sucedeu a Martinho Rodrigues, quando morreu, em 24 de Junho de 1247, contemplou, no seu testamento, Pedro Feio com quatro morabitinos e João Alvo com dois. O que pode significar que havia então bom entendimento entre a Mitra e os homens da cidade.
Não foi só com a sociedade civil que o bispo D. Martinho Rodrigues teve problemas. Houve também uma séria questão entre ele e os cónegos da Sé. Por causa da divisão das rendas da diocese entre o bispo e os cónegos. Tudo começou na administração de D. Martinho Pires que antecedeu D. Martinho Rodrigues na Mitra portucalense. Quando chegou ao Porto, Martinho Pires, tratou imediatamente de reorganizar o Cabido e incluiu nessa reorganização a divisão das rendas do bispado em três partes sendo que duas reverteriam a favor do bispo e uma era atribuída ao Cabido. O bispo recolhia duas partes porque, alegou, "lhe competia zelar pela fábrica da Sé", isto é administrar o edifício da Catedral, sua conservação, pagamento de ordenados a funcionários, etc. Dali em diante os cónegos deixariam de viver em comum, como até ali, segundo as regras de Santo Agostinho e passariam a viver "secularmente" ou seja onde quisessem e como entendessem. Com a subida de D. Martinho Rodrigues à cadeira episcopal do Porto os cónegos tentaram revogar a medida imposta pelo prelado anterior mas o novo bispo do Porto não aceitou e manteve a determinação de só pagar aos cónegos o vestuário e o sustento”.
Entrada da Viela da Neta na Rua de Sá da Bandeira, hoje inexistente- Portojofotos
Rua das Aldas – foto José Paulo Andrade
Cordoaria na zona da antiga Praça do Olival – Foto Alvão -1930
Areinho de Miragaia – antigo estaleiro
…velas que haviam de fazer a conquista de Ceuta.
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