4.1 – Colégio dos Meninos Órfãos - II
Catarina de Bragança – 1638/1705
“Todos os domingos e dias santificados fazia práticas públicas, para instrução e moralidade do povo.
Saía co os meninos pelas ruas da cidade, já a pedir esmolas para eles, já a buscar água que trazia às costas. Com os órfãos ia aos hospitais varrer as enfermaria e cuidar dos pobres repartindo com eles as esmolas que se davam aos seus pupilos.
Criou no seu aposento dois enjeitados – um de dois anos de idade, outro de 9 meses (este com leite de cabra). Com as mãos trabalhava em franjas, e com o pé embalava a criança, cuidando de ambos, como poderia fazer uma extremosa mãe. À sua caridade e diligência deve a idade do Porto a Casa dos Expostos". In O Tripeiro Volume 2.
O Tripeiro - Volume 3
Aos Padres Baltazar Guedes e Manuel Rodrigo Leitão se deve a criação da Roda dos Expostos em 1685. Já nos referimos a esta instituição na nossa publicação de 15/6/2014.
A.R.C. escreveu:
Sobre a Roda dos Expostos ver a nossa publicação de 15/6/2014
Tudo que de importante se criava no Porto, a nível social, parece ter passado por este colégio e seu fundador.
No texto inicial de ARC este diz que durante a reitoria deste extraordinário homem colocou 212 órfãos que ingressaram em conventos, 39 sacerdotes, 6 doutorados em leis e cânones, 8 mestres de Teologia, 2 qualificadores da inquisição e um bispo.
Em 1913, data do Volume 3 de O Tripeiro, que temos vindo a consultar, informa que até essa data já 8 bispos, diplomatas, músicos, pintores, escultores, advogados, lentes do Porto e Coimbra, deputados etc. teriam frequentado o Colégio dos Órfãos.
…Além de muito piedoso, Baltazar Guedes era um homem com vários talentos. Tinha fama de ser um bom orador e de ser dotado para os trabalhos manuais, sendo capaz de compor vestimentas, paramentos e ornamentos. Traduziu obras ascéticas e foi autor dos opúsculos a “"Memória das Águas que vêm para as fontes da cidade"” e "”Breve relação da fundação do Colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora da Graça, sito fora da Porta do Olival desta Cidade do Porto, em a qual se contém tudo o que na fundação dele sucedeu"”. Colaborou em obras públicas da cidade, como a reparação e regularização de percurso “"do cano da água de Paranhos"” (ainda hoje existente) e, possivelmente, terá sido o autor do projecto da Fonte da Arca, na antiga Praça Nova…
A 17 de Outubro de 1669, o padre Baltasar Guedes, encarregado pelo Senado de dirigir as obras do arranjo dos encanamentos, escreveu uma Memória das fontes do Porto que nos diz o seguinte quanto ao Manancial de Paranhos:
“Nasce esta fonte distante desta Cidade, para o Norte, mais de hum quarto de legoa: está em arca fechada com uma porta e chave: é quadrada, terá em vaõ vinte palmos, a agoa belissima, bastantemente peitoral: nasce em bolhoenzinhos que brotaõ arca, signal de sua permanencia: he mais de manilha e meia, na Mais: á perto de setenta annos que veio para esta Cidade: houve ao vir grandes controvérsias, assim com aquelle povo, como com o Reverendo Cabido, que ali tem os seus dízimos. Contou esta agoa, the chegar á Rua Nova, cincoenta e sete mil cruzados, e vem tomando muitas voltas […]
Segundo este, o percurso de abastecimento do manancial de Paranhos, no ano de 1669, iniciava-se na Arca e seguia até à estrada de Viana, alcantilada em arcos, onde havia uma bica de pedra. Dali seguia por campos até à Rua de Cedofeita, onde passava acorrer no subsolo, mas logo subia à superfície em passadiços de pedra, voltando para o subsolo na Quinta que pertencia a António Rodrigues Marques. Seguia até uma pia de pedra, que recebia água da arca dos Padres Bentos, e continuava até à Igreja do Carmo para dirigir-se para o Chafariz da Vila Parda. Depois, descia até uma arca, mandada construir pela Câmara e servia o Colégio dos Meninos Órfãos e o povo. Seguidamente, percorria uma légua e meia sob arcos e no fim continha uma fonte que dividia a água em duas partes: a da direita seguia para o Chafariz da Porta do Olival, e para o repuxo da Ermida do Anjo; a da esquerda passava por baixo da Porta do Olival e chegava até uma travessa que dava para a do Ferraz, onde fornecia três penas de água ao Hospital de Roque Amador, daqui seguia pelo Beco do Ferraz e entrava na Rua das Flores, onde voltava a dividir-se, indo uma das ramificações abastecer o Chafariz abaixo da Misericórdia, e a outra seguia rua abaixo, em dois canos, que fornecia água a uma pia, e seguindo por São Domingos, pela Rua das Congostas até ao Chafariz da Rua Nova” In Tese de mestrado de Diogo Emanuel Pacheco Teixeira
Reedificou a igreja dos Hospital de S. Lázaro. Escreveu, traduziu e fez imprimir alguns livrinhos úteis e devotos, e deixou outros manuscritos. Por ordem de D. Maria II os recolhidos do colégio estavam isentos de propinas na Academia Politécnica.
… O padre Baltazar Guedes faleceu no Porto a 6 de Outubro de 1693, em circunstâncias tão misteriosas que deram origem a uma lenda veiculada por Frei Fernandes da Soledade. Segundo esta história, foi sepultado dois dias após o óbito, pelo facto de, estranhamente, o seu corpo permanecer quente e flexível e as faces coradas. Esta situação só se terá alterado depois de os físicos que dele tratavam terem ordenado aos meninos órfãos que rezassem a S. João de Deus. Por esta altura, um deles terá reparado que uma das fitas empunhadas por Baltazar Guedes se movimentava. Colocou-se um peso na extremidade da fita que, no entanto, não se imobilizou. Puseram-na, então, na cabeça do defunto, que só nesta altura terá deixado escapar os dois derradeiros suspiros.
Ao terceiro dia, o corpo foi colocado no esquife e sepultado na igreja do Colégio dos Meninos Órfãos. O Senado da Câmara providenciou exéquias grandiosas, as quais foram acompanhadas por portuenses de todos os estratos sociais. Baltazar Guedes foi enterrado junto à porta que ligava o Colégio ao claustro, numa campa rasa sem qualquer inscrição. Na parede mais próxima colocou-se uma lápide de mármore com o seguinte epitáfio:
"AQUI JAZ O PRIMEIRO REITOR E
FUNDADOR DESTE COLLEGIO DOS OR-
PHÃOS BALTAZAR GUEDES A SEIS
DE OUTUBRO DE MIL SEISCENTOS
NOUENTA E TRES"
Por testamento datado de 1693 (o terceiro e último dos que redigiu), Baltazar Guedes considerou como seus herdeiros os meninos órfãos. O mesmo documento nomeou o Padre Manoel de S. Bento para sucessor de Baltazar Guedes e o Padre João de S. Pedro para vice-reitor do Colégio…
Antigo seminário ainda destruído pelas baterias miguelistas durante o cerco do Porto
…O dia 4 de Novembro de 1803, data em que foram solenemente inauguradas as aulas da Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto nas casas do Colégio dos Meninos Órfãos, marcou o fim de uma era nesta instituição. A instituição foi temporariamente transferida para a rua dos Mártires da Liberdade, n.º 237 e, em 1899, durante as sessões da Câmara do Porto, foi sugerida a deslocação do Colégio para o edifício arruinado do antigo Seminário do Porto, fundado em 1803 e abandonado dois anos depois (está errado, pois o seminário só foi abandonado em 1832 aquando das guerras liberais e destruído e incendiado pela artilharia miguelista). A planta da nova obra foi apresentada a 30 de Novembro de 1899 e o projecto aprovado a 13 de Setembro de 1900. Apesar de algumas vozes discordantes, as obras tomaram o seu curso normal e no dia 17 de Setembro de 1903 os órfãos já estavam instalados na nova casa, no Monte do Prado. A igreja foi benzida a 31 de Agosto de 1906 e inaugurada a 28 de Outubro do mesmo ano com uma festa dedicada a Nossa Senhora da Graça.” Este texto é um resumo de um site da Universidade do Porto.
Quando, em 1803, é criada a Real Academia de Marinha e Comércio da Cidade do Porto – que incorporava as Aulas de Náutica (1762) e de Desenho (1779) – é encomendado, a José da Costa e Silva, projecto de "...huma Casa no Terreno do Collegio dos Meninos Orfâos, própria para as referidas Aulas, que se vão erigir, e para as duas já creadas...". Carlos Amarante, engenheiro militar e arquitecto, elabora pouco depois, em 1807, dois projectos alternativos em que, contra a sua vontade, o edifício não aparece "a formar hum quadrilátero".
Lado Poente
Colégio dos Órfãos e Igreja de Nossa Senhora da Graça aquando da construção da Academia Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto. As obras no edifício avançariam muito lentamente: era o período das invasões francesas e, posteriormente, das lutas liberais. As instalações então existentes chegaram a servir como hospital militar, durante o prolongado “Cerco do Porto” (1832-33).
Tendo sido criada a Academia do Comércio e Marinha em 1803, pretendeu a Câmara e o reitor reedificar um novo edifício nos terrenos do colégio convictos que seria muito positivo para os órfãos. Porém, verificou-se exactamente o contrário dado que se mantiveram colocados dentro do colégio, em instalações muito reduzidas, com pouca luz e arejamento o que levou a que houvesse muitas queixas.
O engº. Carlos Amarante pretendeu fazer uma construção grandiosa em que os órfãos vivessem no andar superior com comodidade e a construção de uma nova igreja, já que a da Graça estava em adiantado estado de degradação. O terreno do colégio ia sendo invadido pelas obras o que tornou quase impossível a continuação dos órfãos naquele local.
No relatório da Câmara de 1873 lia-se que “os órphãos vivem em casa sem ar e sem luz, parecendo que estão num cárcere ou numa penitenciária!”.
Em 1881 o mesmo vereador da Câmara afirmava “este estabelecimento, edificado em terreno pertencente aos órphãos, e que, segundo o decreto de 9/2/1803, devia ser construído com o fim principal de os beneficiar, tornou-se, no tempo actual, o seu maior inimigo”. Isto 80 anos depois do início das obras!
Tendo sido, o colégio, indemnizado pelo estado, num valor de 58.755$200 reis, mudou para a Rua dos Mártires da Liberdade,137 até que fossem para casa própria.
J. V. Vitória Vilanova, lente substituto de desenho, fixou em 1833 vários aspectos do edifício em construção.
Ainda em obras - antes de 1890
Academia Politécnica ainda sem a arcaria térrea – 1890 - existiam casas de comércio, entre elas, o conhecido Café Chaves, que esteve na Rua D. Pedro e no chalé da Cordoaria.
Dez anos depois já com a arcaria - foto Alvão – 1900
Mesmo depois da criação da Academia Politécnica (1837) as obras ora se arrastavam ora eram mesmo interrompidas; seriam ainda elaborados dois novos projectos (Gustavo Gonçalves e Sousa, 1862, e António Araújo e Silva, 1898), em que a forma rectangular desejada por Carlos Amarante, já é contemplada. As vicissitudes do edifício foram incontáveis, nele coexistindo, numa ou noutra época, o Colégio dos Órfãos, a Academia Politécnica, a Academia Portuense de Belas Artes, o Liceu Nacional, o Instituto Industrial (antecessor do ISEP; até 1933), a Faculdade Técnica (antecessora da FEUP; até 1937), a Faculdade de Ciências desde 1911, a Faculdade de Economia (até 1974).
O edifício construído acabaria por não ter o contorno pentagonal do primeiro projecto e por corresponder a um programa profundamente alterado. Manteve, no entanto, traços essenciais do neoclassicismo dos projectos de Costa e Silva e Carlos Amarante, elaborados mais de cem anos antes.
Recentemente, o edifício passou a ser ocupado pela Reitoria e Serviços Centrais da Universidade; mas nele permanecem, também, o Museu de História Natural, o Museu de Ciência e o Fundo Antigo, que a Faculdade de Ciências não levou consigo para as novas instalações no Campo Alegre (Pólo 3), e que se constituem como elementos nucleares do património da Universidade.
Museu de zoologia da Universidade do Porto – 1900 – Photo Guedes