terça-feira, 23 de julho de 2013

CASAMENTOS E DOTES

3.4 - Casamentos e dotes




 "É costume em volta do Porto, nesta freguesia de Aldoar e em toda a província do Minho, entreterem-se os filhos e filhas do campo (maneis e lavradeiras) com requebros e amabilidades, conversando ou namorando francamente, desde a infância, em toda a parte, de noite e de dia – nas ruas, na lavoura, nos arraiais e nas feiras. Estão por vezes horas e horas conversando em prosa e em verso delambido, coisa muito interessante para os estranhos à classe. Conversam por entretenimento e simples distracção  muitas vezes sem intenção de casarem, - outras vezes por afeição e paixão. 
Conversam ordinariamente, eles e elas, com quem lhes apraz – e é luxo e capricho terem muitos conversados, enquanto solteiros. Nem os pais delas se ofendem e magoam com isso, uma vez que o conversado seja forma do seu pé, ou da sua igualha – isto é, moço com quem possa vir a casar. Ai delas se as virem a conversar com os casaquinhas ou janotas da cidade – e ai deles, se os apanham a geito! – Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno.



Grupo Folclórico de S. Cosme de Gondomar 


Noivos do  Minho

A grande característica do traje de noiva era sem dúvida a cor preta do vestido. Como o preto era a cor do luto, o fato de noiva tinha uma função especial: com ele a mulher minhota se casava e com ele era sepultada.
Outra particularidade do traje de noiva era a sua riqueza: avental em veludo com vidrilhos de luar e a coroa real. Também a barra da saia e os punhos da casaca eram enfeitados com vidrilhos. A cabeça era coberta com um véu branco.
É um dos trajes mais ricos, por isso usado só em grandes cerimónias como o casamento. É também usado nas festas e romarias, onde as noivas são as rainhas, aparecendo com o peito recamado de ouro.


Casamento burguês 

Nas famílias de média e alta burguesia do séc. XIX, e mesmo já do séc. XX, era o poder parental que tudo decidia. Desde a vida da casa, pela mãe, até à administração dos bens familiares, tarefa do pai. Mesmo os bens recebidos da família da esposa estavam à responsabilidade deste. Eram raras as mulheres que se dedicavam a actividades intelectuais e tinham, como regra, obedecer aos maridos e acompanhá-los quando fossem para tal solicitadas. Os filhos obedeciam a regras muito restritas impostas pelos pais. De uma forma muito mais rígida quando se tratava da preparação do casamento, especialmente das filhas. Era comum este ser combinado entre duas famílias com interesses económicos compatíveis e desejáveis e as “pobres coitadas” tinham de seguir a vontade que lhes era imposta. Não raro, só depois dos acertos familiares, elas tomavam conhecimento do noivo que lhes era imposto.
Mas também poderia suceder que dois jovens, estando interessados em casar, pedissem a pessoa amiga comum que, de forma muito discreta e confidencial, fosse dar a conhecer à mãe da pretendente essa sua vontade.
Esta, com muito cuidado e em momento próprio, dava-o a conhecer ao marido. No caso de não ser repudiado o pedido, começaria então a pesquisa sobre a educação do rapaz, os meios de fortuna da sua família, a sua profissão e só depois era considerada a aceitabilidade de tal união.
Caso fosse aceite, era então combinado um encontro em casa da futura noiva, normalmente ao jantar, em que o pai do futuro noivo propunha o casamento e pedia a mão da menina, que aceite, receberia do noivo o anel de noivado.
A preparação do casamento, já começado anos antes com a compra pelos pais da noiva de parte do enxoval, será, em função da data marcada, mais ou menos agitada.
O noivo encarregava-se de arranjar e a mobilar a casa e os pais da noiva de fazer os convites e oferecer o banquete. A noiva deveria levar o enxoval e os utensílios de cozinha.


D. João I entrando no Porto para o casamento


Casamento de D. João I e D. Filipa de Lencastre na Sé do Porto em 2 de Fevereiro de 1387.

sábado, 20 de julho de 2013

RELIGIÃO QUE PROFESSAM - III

3.3 - Religião que professam - III


“A Sinagoga Kadoorie, também chamada Sinagoga Kadoorie - Mekor Haim ("Fonte de Vida") é a actual sinagoga e sede da comunidade Judaica do Porto, cujo o nome oficial é Comunidade Israelita do Porto. A sua construção foi iniciada em 1929 tendo sido inaugurada em 1938. É a maior sinagoga da Peninsula Ibérica. A sinagoga "Kadoorie – Mekor Haim", situa-se na Rua de Guerra Junqueiro.
A história da sinagoga Kadoorie está intrinsecamente ligada à história do seu fundador, capitão Artur Barros Basto, um oficial do exército português convertido ao Judaísmo. 
No início dos anos vinte do século passado existiam na cidade menos de vinte judeus asquenazim que, como não possuíam uma sinagoga não estavam organizados e tinham de se deslocar aLisboa sempre que, por motivos religiosos, era necessário. 
Quando Barros Basto tomou conhecimento dessa realidade começou a pensar que a construção de uma sinagoga era necessária e, tomou iniciativa de, em 1923, registar oficialmente no G. C. do Porto a Comunidade Israelita do Porto. Em 1929, Barros Basto reuniu fundos que lhe permitiram comprar o local onde viria a nova sinagoga viria a ser construída, adquirindo assim um terreno na rua de Guerra Junqueiro. 
A obra decorreu lentamente até 1933, devido aos elevados custos e aos fundos limitados do seu fundador e da comunidade. 
Nesse ano, Laura Kadoorie, a esposa do filantropo judeu de origem iraquiana, Sir Elly Kadoorie faleceu, e os filhos viram nessa infeliz situação a necessidade de homenagearem a sua mãe, descendente de judeus portugueses que abandonaram o país devido à inquisição. Essa homenagem foi materializada no apoio monetário da família Kadoorie à construção de grande parte da Sinagoga do Porto, que passou assim a chamar-se “Sinagoga Kadoorie – Mekor Haim". Wikipédia


Video sobre a Sinagoga

Os judeus tiveram grande importância na história da cidade. Já desde antes do início da nacionalidade há memória da existência de judeus no Porto. Viviam na cerca velha juntamente com os cristãos e tinham uma sinagoga perto da Porta de Santana. Também habitavam na Ribeira, Miragaia e Monchique.


Gravura de H. Duncalf – 1736 - á esquerda, fora das muralhas, o Monte de Judeus 

Foi neste local que formaram uma comunidade com Sinagoga e cemitério próprio, pois não era permitido sepulta-los junto dos cristãos. Daí o nome, ainda hoje conhecido, por Monte de Judeus, na zona onde mais tarde se construiu o Convento de Monchique, fundado em 1533 por Pero da Cunha Coutinho.


Convento de Monchique e Palácio de Cristal vistos de Gaia – Foto de Laurent - 1869


Zona da Judiaria do Olival – reprodução de carta de 1523

Porta do Olival (52), Muralha Fernandina (37), Largo do Olival (53), R. de Trás (51), R. da Ferraria de Cima (Caldeireiros – 48) 

D. João I, em 1386, determinou a sua concentração num local dentro das muralhas e restrito, que passou a ser perto da Porta do Olival, hoje R. de S. Bento da Victória, Escadas da Esnoga, a Rua da Victória, a Rua de S. Miguel, até à Viela do Ferraz. Este local era fechado por dois portões, um na entrada da Rua de S. Bento da Victória e outro no final das escadas da Esnoga. Os judeus não podiam circular na cidade após o “toque de correr”. Este sino esteve perto da Sé e nos fins do séc. XIV foi transferido para a Porta do Olival. Tocava de forma rápida, por 3 vezes, à hora de recolher. Construíram uma sinagoga onde hoje se encontra a Igreja da Victória. Em Dezembro de 1486 D. Manuel I decide a expulsão dos judeus, pelo que muitos saíram e outros se converteram ao cristianismo. Estes foram chamados de Cristãos Novos. 
Na História do Porto coordenada por Oliveira Ramos lê-se a seguinte passagem: “ os judeus do Porto foram uma comunidade bem organizada social, religiosa e politicamente, rica em cultura, sociabilidade e dinheiro, sem dúvida importante na história da cidade… relativamente a ela a sociedade cristã tripeira parece ter-se comportado de modo aceitante e compreensivo. Pelo mesmo, tolerante.” 



R. S. Miguel,4 – os azulejos foram retirados do antigo Convento de S. Bento da Victória

De um artigo de Pedro Olavo Simões, no JN, retivemos o seguinte resumo: “A historiadora Elvira Mea, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) , anda há dois anos a lançar alertas para a existência, no nº 9 da Rua de S. Miguel, de um “Ehal” (nicho onde são guardados os rolos da Torah, a Lei atribuída a Moisés), que tem o especial valor de ter sido feito depois da expulsão/conversão forçada dos judeus em 1496/97, por D. Manuel. Trata-se de uma sinagoga clandestina, que constituía “uma afronta total à situação de Contra-Reforma”. Para mais, além da tipologia da casa (uma entrada por trás, discreta, na Rua da Vitória), característica do culto clandestino, a documentação, designadamente da Inquisição, dá conta da existência, nas imediações, de casas de jogo, que os cristãos-novos usavam como elementos distractivos.
Elvira Mea, que diz ter contactado o IPPAR, o Governo, a Câmara do Porto e o Governo Civil (a única entidade que mostrou interesse), nota, ainda, que o achado faz luz sobre a obra “Nomologia…” (Amsterdão, 1629), de Imanuel Aboab, em que o autor diz ter visto a sinagoga, na sua meninice, algo que a ausência de vestígios materiais tornava duvidoso. A importância do “Ehal” é ainda maior, atendendo à falta de vestígios materiais da presença judaica no Porto, designadamente na zona do Olival, hoje Vitória, onde esteve a última judiaria da cidade. A localização da sinagoga na rua que agora é da Vitória, e não na de S. Miguel, é corroborada por escritos de historiadores como Geraldo Coelho Dias.”. 

Germano Silva fala sobre a Judiaria 


Escadas da Esnoga ou da Victória



Tabernáculo Baptista – Praça Mouzinho de Albuquerque 

Devido à presença de famílias inglesas e outras nacionalidades, as Igrejas Protestantes pretenderam erigir os seus templos no Porto. Até ao liberalismo não foi possível fazê-lo. No séc. XIX e XX foram construídas várias igrejas, sobretudo depois de 1851. 




Na gravura de Teodoro de Sousa Maldonado (1789) vê-se, ao lado da Porta dos Banhos, o primeiro hospital inglês no Porto – do blog Do Porto e Não Só. 

Também chamado de Hospital dos Marinheiros Ingleses, já que como indica Júlio Couto no "Guia de Miragaia”, foi “…fundado em casas e terrenos de José Maria Rebelo Valente, tinha farmácia privativa, claro que dirigida por um farmacêutico inglês, e era dedicado exclusivamente aos súbditos de Sua Majestade Britânica. Só que a colónia inglesa aqui residente tinha sólidos meios de fortuna. Dai que o Hospital só servia ocasionalmente algum marinheiro inglês que viesse doente em barco por cá arribado ou que por cá adoecesse. Um remansoso local, com óptimas vistas sobre o Douro e Gaia, não dava para manter muito tempo os doentes.” - comentário inserido no blog Do Porto e Não Só .


Capela do cemitério dos ingleses 

Até ao século XVIII, a colónia britânica do Porto procedia aos enterramentos na margem do rio Douro, com a maré baixa. Depois de muitas negociações, em 1788, o cônsul John Whitehead conseguiu adquirir um terreno para a construção de um cemitério digno, com a condição de possuir uma cerca com altos muros. No entanto, só a partir dos anos 20 do século XIX recebeu os seus primeiros monumentos. Cemitério de cariz romântico, tem entre os seus ocupantes muitas das conhecidas famílias estrangeiras ligadas ao comércio do Vinho do Porto. Destacam-se os mausoléus de Eduardo Moser, do cônsul John Whitehead, de Feuherheard, Kebe, Jebb e Brindle e as pequenas estelas do barão de Forrester e da família Katzenstein.  



“A planta redonda de Balck (1813) mostra-nos o local do cemitério inglês, junto da rua da Boa Nova. Por isso se chamava então, ao largo fronteiro, o Largo dos Ingleses, também denominado de Campo Pequeno, nome que se encontra na planta de Costa Lima, de 1839. Todos estes terrenos - incluindo a Rua do Campo Pequeno, eram do senhorio directo da Colegiada de S. Martinho de Cedofeita, que em 1839 litigava sobre foros o negociante Inglês João Wije. A nação britânica tinha pois, aí a sua capela e o seu cemitério. Aí possuía também, à roda de 1835, uma belíssima propriedade, outro negociante Inglês o bibliófilo Gubian. Um século depois, 1936, edificou-se nela, por notável acção perseverante do Dr. Alfredo de Magalhães, e sob o risco do arquitecto francês George Épitaux, a Maternidade de Júlio Dinis, o que levou a Câmara a eliminar o topónimo Campo Pequeno, substituindo-o por Largo da Maternidade Júlio Dinis e Rua da Maternidade.” In Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas.



A Igreja do Mirante é o templo protestante mais antigo da cidade. Pertence à Igreja metodista e abriu as portas em 1877.


A igreja do Torne (Vila Nova de Gaia), foi a sede da congregação metodista de Diogo Cassels desde 1866 e, mais tarde, da escola da mesma congregação (que, em 1880, se juntou à episcopal Igreja Lusitana, na qual se mantém até hoje).

terça-feira, 16 de julho de 2013

RELIGIÃO QUE PROFESSAM - II

3.3 - Religião que professam - II

Natal no Porto


De várias leituras referentes às tradições do Natal de fins do séc. XIX resumimos o seguinte:
Pela época de Natal chegavam ao Porto grupos de gaiteiros que animavam as ruas com as suas gaitas de foles engalanadas com franjas vermelhas. Eram seguidas da rapaziada aos saltos e brincadeiras e o povo parava a apreciar. Um facto que caracterizava este tempo eram as Boas-Festas, dadas por diversos rapazes, que em grupo visitavam os cafés e os estabelecimentos pedindo a consoada, e cantando versos muito engraçadas que faziam rir as pessoas.


Os mercados eram muito movimentados e regurgitavam de flores, aves e verdadeiras montanhas de couves.



As mercearias e doçarias têm enormes quantidades de bolos e pasteis sobressaindo os enormes pães-de-ló de Margaride, feitos no Porto. Estes estabelecimentos presenteavam os seus fregueses de todo o ano com a consoada que consistia num queijo de dois quilos e uma garrafa de vinho fino.


As padarias fabricavam para este dia uns pães compridos, de cerca de um metro, a que vulgarmente se chamam cacetes. Estes pães destinavam-se ao fabrico das rabanadas, que se adoçavam com mel que as mulheres apregoavam pelas ruas.
Às 6 da tarde começavam a fechar as portas dos estabelecimentos de modo que às 8 horas o Porto tinha o aspecto mais triste que é possível imaginar-se, com as ruas completamente desertas e com as portas e janelas hermeticamente fechadas. Só os desprotegidos da sorte, os que viviam isolados ou os estranhos à terra é que se atreviam a sair.


As famílias, nesse dia, normalmente não almoçavam, apenas lanchavam e às oito começavam a ceia da consoada. Esta era só composta por pessoas de família.


e exclusivamente obrigada a peixe, não faltando nunca o tradicional prato de bacalhau cozido com as couves. “Manda-se de presente um costal de bacalhau com quem manda um casal de perús” escreve Sousa Viterbo em 1895. E diz ainda que “hoje o bacalhau vale uma fortuna. A culinária transforma-o nos mais variados acepipes. Os mais pobres contentam-se com bacalhau cozido, ladeado de belos olhos de couve galega e cebolas. Dias antes da festa todas as famílias se preocupavam em lançar de molho o saboroso peixe da Terra Nova”



Os tradicionais doces eram as rabanadas, mexidos, o bolo-rei, bolos de abóbora bolina, pão de ló em forma de coração e orelhas-de-abade. Após 1910 houve quem passasse a chamar ao bolo-rei, bolo de Ano Novo, bolo do Presidente ou bolo do Arriaga. A ceia era abundantíssima bem regada com os preciosos vinhos do Alto Douro.


Após a ceia a família divertia-se com jogos em que predominavam o quino e o rapa, jogado a pinhões ou feijões.


Convento dos Congregados – Joaquim Vilanova – 1833

Neste dia, 24 de Dezembro, os padres Congregados davam um abundante jantar a todos os pobres de cidade. Aos mendigos junto da Porta de Carros, aos envergonhados na sala das aulas e no claustro.


Natal na Igreja de Santa Clara – foto de TAF

À meia-noite seguiam para a missa do galo, vestidos sobriamente e bem agasalhados. No fim era dado o Menino Jesus a beijar. O órgão imitava a gaita-de-foles.


No fim da missa era colocado no presépio a imagem do Menino Jesus. 
Nas igrejas da cidade, no dia de Natal o Menino era deitado numas palhas, no de Ano Novo numa caminha e no dia de Reis já estava a pé.

Páscoa no Porto



Retirámos alguns períodos de um artigos de Artur de Magalhães Basto: “Noutros tempos, percorria de noite as ruas do Porto a procissão de quinta-feira Santa ou das Endoenças ou dos Fogaréus. (A Misericórdia já a realizava segundo um certo rito em 1646. Endoenças significa indulgências, dias de perdão). Os fogaréus eram grandes tigelas feitas de arcos de pipas girando sobre dois eixos afim de poderem suster-se equilibradas sobre a haste. Dentro delas ardiam pinhas para darem bom lume.



Na Igreja e na Casa da Misericórdia, é grande a azáfama. Não tarda e sair a procissão. Lá dentro a escuridão é quase completa..A Igreja, cheia de vultos negros de luto e impregnada de aroma de cera, das flores e dos verdes, tem o aspecto fúnebre, sombrio e trágico de uma câmara mortuária. Morreu Jesus! Numa sala – iluminada por candeias de azeite – distribuem-se lanternas de papel e os altíssimos fogaréus. Noutra fornecem-se aos penitentes as disciplinas – espécie de chicotes de múltiplos rabos, feitos de fio de linho ou de cordel de espinhel, com seus nós, e muitas vezes guarnecidos na ponta com fio de arame ou ferro, tiras de couro com pontas de ferro, outros de pita… Está tudo a postos?



Vai sair a procissão dos fogaréus. Á frente o servente do azul; a seguir a Bandeira da Confraria e logo depois dois capelães, cantando a ladainha. Seguem-se 12 insígnias da paixão conduzidas por 12 Irmãos. Da primeira insígnia até à duodécima vão os “disciplinares”. De um e outro lado seguem centenas e centenas de pessoas que acompanham em massa compacta a procissão. (Após os restantes Irmãos com círios nas mãos) vai o andor com a imagem do “Ecce Homo” – Cristo Nosso Senhor coroado de espinhos, que ainda hoje se pode ver na Igreja da Misericórdia. Atrás segue o andor da imagem de Cristo Crucificado diante da qual marcham o Provedor com a sua vara e os 12 Irmãos da mesa, cada um com a sua tocha. O préstito fecha com a insígnia de Cristo Morto.


A noite negra e triste mistura-se com os clarões rubros dos fogaréus. A procissão dirigiu-se ao Convento de da Avé Maria, em cuja igreja entrou. Vai agora pela Rua do Loureiro acima, atravessa a Rua Chã e de Santo António do Penedo, e entra na Igreja de Santa Clara. Sobe a Calçada de Vandoma e, depois de passar sob o Arco, entra na Sé Catedral. Desce até à Rua Nova onde entre na Igreja de S. Francisco. Trepa pela íngreme Ferraria de Baixo vem dar a S. Domingos. Daí recolhe à Misericórdia já perto da meia noite. Era impressionante! As orações eram entrecortadas de gemidos. Havia prantos e soluços… Realizou a Misericórdia do Porto esta procissão até 1835.




“Referindo-me à Semana Santa lembrarei que (em 1900) é já tradicional o brilho da Festa das Dores, dos Congregados, em que se ouvem os melhores artistas musicais e sobem ao púlpito os mais célebres oradores sagrados. As damas apresentavam-se de mantilha de renda preta na cabeça e que o “Stabat Mater” costumava ser cantado pelos melhores artistas líricos do Teatro de S. João”.




Em fins do séc. XIX, nos dias de quinta e sexta feira Santas o povo vestia-se de luto e apresentava um rosto triste. As senhoras vestiam lindos vestidos de seda pretos e punham ricas mantilhas e vidrilhos pretos no peito. Os homens vestiam fraque e côco e manejavam as suas bengalinhas. Eram os dias de visita às Igrejas com o maior respeito e silêncio. A procissão do Encontro saía da capelinha perto do Aljube e seguia, muito bem iluminada, até à Misericórdia, onde o andor de Nossa Senhora se encontrava com a Imagem do Crucificado.
Na sexta feira Santa saía a majestosa procissão da Paixão com os andores aos ombros dos homens. Debaixo deles seguiam senhoras descalças em cumprimento das suas promessas. Quando, para descansar, os homens pousavam os andores nos descansos, elas tinham de se curvar aguardando o retomar da procissão. Atrás a cavalaria da guarda e a banda. Na semana da Páscoa era costume o Abade da Victória, acompanhado de uma comitiva e sineta, visitar os doentes e entrevados. Seguia depois à Cadeia a confortar os presos e a resgatar uma criança até aos 15 anos, tomando a responsabilidade de o educar e internar num colégio para sua instrução.


No sábado de manhã, sábado de Aleluia, bem cedo, queimava-se o Judas ao som de música e foguetes. Era a alegria do povo pela Ressurreição de Cristo. 
No Domingo de Páscoa, já todos vestidos de cores garridas e cheios de alegria, caminhavam pelas ruas e assistiam à procissão da Ressurreição que saía da Igreja do Carmo.


Ainda somos do tempo em que o compasso saía à rua e visitava todas as casas da paróquia que tinham a porta aberta. Entrava a Cruz transportada por um homem com uma opa vermelha que a dava a beijar. O Pároco aspergia-nos com água benta e desejava Boa Páscoa e muita saúde e paz. 
Hoje, na nossa paróquia o compasso ainda continua a sair, mas devido aos grandes prédios, as pessoas que desejam beijar a cruz descem à rua.





“Mas a Páscoa no Porto não se ficava exclusivamente pela parte religiosa. Passava também pelas ruas mas, sobretudo, pelos mercados da cidade e pelos teatros onde se representavam autos ou dramas sacros, apropriados para a quadra, alusivos a Santo António, ao S. Gonçalo, a S. Sebastião ou Santa Cecília com coros e banda marcial a acompanhar.



Um dos mais animados e concorridos mercados era o que se fazia em frente ao extinto mosteiro de S. Bento da Ave Maria, no espaço da actual Praça de Almeida Garrett, onde afluíam as vendedeiras arrabaldinas do pão-de-ló, das regueifas e do pão doce.


Durante a Semana Santa, por causa do antigo costume de se não consumir carne durante esses dias, o Mercado do Peixe, localizado no sítio onde agora está o Palácio da Justiça, na Cordoaria, registava uma afluência de público verdadeiramente extraordinária.


Muito concorrida também era a antiga Feira do Pão que funcionava na Praça de Santa Teresa, a actual Praça de Guilherme Gomes Fernandes. Ali acorria a cidade inteira nas vésperas do Domingo de Páscoa para se abastecer de pão-de-ló e das regueifas de Valongo, produtos que os consumidores sabiam que haviam sido confeccionados com o trigo cultivado nos campos daquela terra, moído nos velhos moinhos da mesma localidade e com a água também de Valongo, o que dava aos produtos um sabor muito especial. In JN