6.1.9 - Ponte Maria Pia e Rampa da Corticeira (Carqueijeiras)
Chegados ao Porto encontramos uma região muito rica que, este esplêndido mapa, nos mostra os seus limites:
Norte- Leça, Matosinhos, Custóias, Padrão da Légua, Águas Santas e Milheirós.
Centro – Forte do Queijo, Aldoar, Nevogilde, Ramalde, Lordelo, Requesende, Paranhos…
Sul – Pedra do Cão (Senhor da Pedra?), Areínhos (Cabedelo), Gaia, Vila Nova, Serra do Pilar, Quebrantães e Oliveira do Douro.
Nascente: Pedrosa, Valbom.
Poente: Rochedos de Felgueiras, S. João da Foz, Ermida de Matosinhos, Forte de Nossa Senhora das Neves (Leça), Leixões.
Dentro destes limites podem ver-se, destacados, as colinas, os ribeiros, os lugares e os caminhos. De realçar a indicação das estradas de Vila do Conde, Barcelos, Braga, Guimarães e Valongo/Penafiel.
Este mapa é riquíssimo em descrever os locais que inclui. Vale a pena, usar uma lupa para os encontrar.
Projectos para a Ponte Maria Pia
Início construção da ponte Maria Pia – 1876 – em cima vê-se o Seminário muito danificado, antes da reconstrução para acolher o Colégio dos Órfãos em 1903.
In Portugal Antigo e Moderno – 1877
Ponte Maria Pia – 1890 – aparece o antigo seminário e, à esquerda, o início da Rampa da Corticeira.
Seminário visto da Ponte Maria Pia – Fim do séc. XIX – o seminário foi destruído durante o cerco do Porto e só restaurado em 1903 para a entrega ao Colégio dos Órfãos.
Foto Beleza
Ponte Maria Pia e Valboeiros
Ponte Maria Pia e Seminário – vistas de Gaia – ao fundo vê-se o areínho de Gaia – selo de 1908
À esquerda vê-se a linha da Alfândega a Campanhã
Ponte Maria Pia e Seminário – interessantes e incompreensíveis frases escritas neste postal - era muito habitual verem-se postais escritos do lado da foto, sobretudo os cumprimentos finais.
1908
Fotos tiradas de Gaia
Seminário construído na Quinta do Prado e posteriormente Colégio dos Órfãos. Sobre esta extraordinária Obra, ver os nossos lançamentos de 18, 23 e 26/2/2015.
Raínha Maria Pia - vídeo
Rampa da Corticeira vista de Gaia – 1860
Descarregando carqueja no cais da Corticeira
Os barcos traziam, Douro abaixo, centenas de quilos de carqueja, planta que era usada como acendalha para os fornos das padarias da cidade e para as casas burguesas. A carga era despejada no cais da Corticeira e aí distribuída pelos carregadores, maioritariamente mulheres.
“No final de 1930, o lisboeta «O Século» enviou ao Porto o repórter Adelino Mendes para ver e contar a vida nas ilhas e bairros pobres da cidade. O jornalista ficou particularmente impressionado com as carqueijeiras:
Surgem diante de mim vultos indistintos, cujos contornos, a certa distância, mal se definem. Dir-se-ia que vem ao meu encontro uma fila de ouriços, arrastando-se lenta e dolorosamente pela rampa que conduz ao rio.
– São as mulheres da carqueja! Vão assim, sob estas cargas, até às Antas, até Paranhos, a quase duas léguas de distância, às vezes! (…)
Paramos. As desgraçadas passam, com os enormes feixes às costas, arfando e resfolegando, pela ladeira acima. Assisto à escalada torturante dum calvário que não tem fim. Sobre os muros da rampa, os ouriços humanos depõem, de vinte em vinte metros, os carretos.
A cada uma delas tocava carregar um fardo de não menos de 50 quilos de carqueja, subir a árdua Calçada da Corticeira – 210 metros de extensão, uma inclinação de 22% – e daí levar a carqueja aos bairros da cidade, Paranhos, Antas, Carvalhido, distâncias de três, quatro, cinco quilómetros. Os salários eram miseráveis e incertos, dependiam do número de viagens diárias e da carga que elas suportassem.
Pelo menos até ao final da década de 1960, era comum ver homens, mulheres e crianças (algumas com não mais de cinco ou seis anos) a atravessar a cidade carregados como bestas, com pesos muito superiores às suas forças, recurso exclusivamente economicista de quem os contratava (força de expressão, não havia vínculos laborais) e não estava disposto a reduzir os seus lucros recorrendo ao uso de animais de carga ou de veículos motorizados".
"A 22 de Janeiro de 1936, o «Jornal de Notícias» contava um terrível acidente com um homem que descia uma ladeira puxando um carro de carga e que acabou por ficar debaixo do carro, preso nas tiras como se de um animal de carga se tratasse. Quando alguém que assistia à cena perguntou a um polícia porque não autuava o proprietário da carga, a resposta foi:
Não existe nenhum código de posturas que autorize a autuar um homem por excesso de carga. Existe, sim, para os burros…
E quando existia legislação, ninguém velava pelo seu cumprimento. E assim, gerações de mulheres subiram a rampa da Corticeira com 50 quilos de carqueja à cabeça, vergadas quase até ao chão, algumas com um filho pequeno ao colo por não terem a quem o deixar, outras no final da gravidez (há registo de partos que aconteceram na rampa), outras tão doentes que morreram ali mesmo, em plena subida. Eram mulheres em situação desesperada, com filhos para alimentar e nenhuma alternativa, e foram escravizadas de forma vergonhosa e nem sequer às escondidas. A cidade inteira assistia ao seu martírio".
"Soube há pouco que Arminda Santos, do Clube Unesco do Porto, lançou a ideia de que o alto da Calçada da Corticeira receba um monumento às carqueijeiras, proposta que não me parece estar a receber grande apoio. E seria justo esse reconhecimento, a forma possível de reparar uma crueldade perpetuada por tão longos anos.
As cidades não se constroem só de granito, calcário ou tijolo, mas da memória de quem nelas viveu, da sua passagem pelo mesmo espaço que nos toca viver agora, mais ou menos transformado, mais ou menos reconhecível. A toponímia conta-nos isso e lê-se como um romance, basta querer lê-la assim.
Se durante décadas os fornos produziram o pão que a cidade comia foi graças a essas sacrificadas mulheres, a Elisa, a Ermelinda, ou a Palmira, a última das carqueijeiras, e é justo que quem se acerca ao muro da Corticeira, de costas para as Fontainhas que a cada ano recebem os festejos de S. João, possa deter-se um instante frente à imagem de uma carqueijeira, ainda que apenas para um exercício de imaginação: como seria subir aquela rampa todos os dias, várias vezes ao dia, com 50 quilos às costas?
Recordam sempre as cidades os seus estadistas, líderes, homens de poder, e raras vezes o seu povo anónimo, sem rosto, que ajudou a erguê-las, que lhe calcorreou as pedras e as afeiçoou aos pés, e que nelas soltou um último sopro de vida sem que a cidade estremecesse, nem repicassem os sinos, nem sequer uma lágrima aclarasse o escurecido granito.
Terminado que está o seu martírio, vivam pelo menos as carqueijeiras na memória da cidade”. In blogue Aventar.
Claro que nos recordamos destas mulheres que visitavam as nossas casas e eram ansiosamente esperadas, sobretudo no Inverno quando eram acesos os fogões de sala.
Ford a subir a Rampa da Corticeira em 32 segundos – foto de Aurélio Paz dos Reis - 1905
Início da Rampa da Corticeira, agora das Carqueijeiras.
Subindo e descendo a Rampa a Corticeira em BT – 8/8/2013
Ribeira e Ponte D. Maria II (pênsil) – desenho do Barão de Forrester
NONA CARTA
As minhas vindimas não permitem que eu trate somente do que está no fundo do rio; por isso eis-me nas vizinhanças da quinta do Enxodreiro e Régua, escolhendo alguns cachos de uvas sem defeito - obra bastante dificultosa em razão do oidium que nestes sítios tantos estragos tem feito.
Cheguei aqui justamente numa ocasião importante - que vem a ser uma festa musical sobre o rio. Todos os habitantes da Régua - em peso ou estavam no cais ou em barcos toldados e elegantemente armados. Os artistas eram de Jugueiros e da Régua, tocaram muito bem e todo o mundo parecia satisfeito - quando se ouviram gritos por todas as bandas, sensação geral pela aparição de um barco toldado, cortinado, emplumado de preto e cheio de homens vestidos de rigoroso luto!
Esta eça[?] flutuante tinha estado amarrada mais para cima do rio, de sorte que os da festividade não a tinham visto. O barco fúnebre veio vindo vagarosamente para baixo - a música parou, e por alguns minutos todos mostraram certos receios.
Ao pé de mim, um sujeito assegurou-me que havia de haver pancada, que as figuras sinistras eram membros do clube musical da Régua, que vinham desafiar os seus irmãos de Jugueiros!
Outro, com aparente seriedade, deu-me a entender que talvez fossem alguns conspiradores do reino visinho, que vinham raptar El-Rei D. Pedro V.
Um terceiro (e já se sabe o que diz o adágio acerca de negócio de três) logo que ouviu soar o verbo raptar lembrou-se do substantivo rapto, e possuido desta ideia e evocando os espíritos de seiscentos mil habitantes das regiões inferiores, exclamou com frenezim: "Será o Conde de Saldanha raptando a filha do Ferreirinha".
Nisto o barco chegou ao pé de nós - entrou pelo meio de toda a súcia e parando entre as duas bandas de música abriram-se as cortinas e os empregados da Câmara do Peso da Régua, vestidos não de grande gala, mas de luto pesado pela morte de S. Magestade a Rainha [provavelmente D. Maria II], mostraram-se e fizeram as suas cortesias aos amigos e conhecidos.
Ora, Srs. redactores, durante o cerco do Porto e mesmo depois o general Conde de Saldanha sempre me fez a honra de me tratar com amizade; e quando escrevi o meu Ensaio sobre Portugal, ainda estava persuadido que sua Exa., já marechal e duque, era meu amigo e desejava promover o bem da sua pátria - porém, em primeiro lugar, se sua Exa. me não enganou, deixou de cumprir a sua palavra, prometendo dar-me todos os orçamentos e estatísticas sobre o país, que havia na secretária, - e não mos deu - e segundo, tanto ele como os Srs. Rodrigo e Fontes de Melo, me asseguraram que estavam resolvidos a fazer o bem destas províncias do norte, ao mesmo tempo que me fizeram a honra de pedir a minha humilde cooperação. Ofereci-me para servir gratuitamente na direcção da empresa - não fui aceite; ofereci o meu dinheiro à perto de um ano - não tem sido preciso.
Fiz o que pude, ao menos mostrei a melhor vontade - mas o bem para estas províncias ainda não veio e ainda se não principiaram as estradas!
Por estes motivos digo que hei-de pôr de quarentena todos estes bons desejos e profissões, portarias e decretos e discussões de partidos promovidos pelo governo ou seus agentes; e hei-de guardar o meu dinheiro na algibeira até que possa ter alguma garantia não simplesmente de boas palavras mas de boas obras; preferindo, em lugar de dedicar a minha atenção aos projectos de estradas do Minho, ver se posso estabelecer uma academia para a instrução de jovens arrais, na navegação deste rio, cujos obstáculos parece que, por fatalidade, ainda tem de existir por muitos séculos.
Falo neste estilo de homens públicos, por serem eles como a caça do monte, que está exposta, com licença ou sem ela, ao tiro de qualquer caçador, porém ainda que não esteja satisfeito com o proceder do Exmo. presidente do governo e seus colegas, muito senti ouvir semelhantes reflexões sobre o carácter particular do nobre marechal e seu filho, muito especialmente tendo eu há tempos encontrado o próprio conde que vinha de Travassos de visitar a Exma. Srª Dª Margarida Rosa Ferreira, o qual me assegurou que logo que soubera dos acontecimentos que tanto têm dado que falar, se tinha apressado a ir oferecer todas as satisfações à Exma. Srª Dª Antónia Ferreira, e não achando sua Exa. fora muitíssimo bem acolhido por sua Exma. mãe e vinha-se embora muito penhorado da visita.
Deixarei tocar os musicos e grazinar os murmuradores, que nestas alturas são ainda mais numerosos do que uma grande parte dos frequentadores da praça do Porto - lastimando em que eles não tenham outra cousa em que se ocupem, e voltarei ao exame das pedras do rio - mas por hoje não serei mais extenso.
Sou de VV.
J.J. Forrester
Publicada por Porta Nobre”.