sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS DO PORTO - XXII

9.22 - Testemunho de Lady Jackson traduzido por Camilo, A mulher do Porto e arredores, O namoro em fins do séc. XIX, Funerais noturnos do Porto.


Tomada do Porto pelos anglo-lusos em 1809 – Gravura de J. C. Stradler


De: Catarina Carlota Lady Jackson. “A formosa Lusitânia”, tr. de C. C. Branco. Porto, 1877


“Orgulha-se o portuense de que tudo quanto resta presentemente daquela energia, ousadia, espírito empreendedor, actividade e outras qualidades do bom ouro de lei, atribuídas aos portugueses da “velha cunha”, e que antigamente tornaram tão grande esta pequena nação, deve ser procurado aqui somente entre os naturais do Porto e terras vizinhas. É aqui, dizem eles, que se encontram os portugueses de puro sangue, a formosa raça cuja beleza não foi ainda deteriorada pelo cruzamento com as raças pretas e bronzeadas, que nossos antepassados conquistaram. Isto pareceria apenas mera vaidade: é certo contudo que um tipo de feições decididamente negro e uma tendência em encarapinhar o cabelo se podem observar frequentemente em alguns portuenses mais do Sul…
O portuense tem mais vitalidade que os seus irmãos do Sul, e o Porto é uma cidade muito mais animada, mais activa e mais comercial que Lisboa. O “velho cunho” que dizem distinguir a população está da mesma maneira impresso no sítio mesmo, nas casas, ruas e lojas – originais, irregulares, pitorescas e encantadores. Lisboa é mais majestosa e elegante. A gente tem mais vagar de falar e fazer os seus negócios; num só dia gasta em meros cumprimentos mais palavras que a daqui num ano. Lisboa á graciosa, cortez e com ares senhoris de uma raínha: o Porto, alegre e agradável – uma “piquente dame de province”




“È costume em volta do Porto, nesta freguesia de Aldoar e em toda a província do Minho, entreterem-se os filhos e filhas do campo (manéis e lavradeiras) com requebros e amabilidades, conversando ou namorando francamente, desde a infância, em toda a parte, de noite e de dia – nas ruas, na lavoura, nos arraiais e nas feiras. Estão por vezes horas e horas conversando em prosa e em verso delambido, coisa muito interessante para os estranhos à classe. Conversam por entretenimento e simples distração, muitas vezes sem intensão de casarem, - outras vezes por afeição e paixão.
Conversam ordináriamente, eles e elas, com quem lhes apraz – e é luxo e capricho terem muitos conversados, enquanto solteiros. Nem os pais delas se ofendem e magoam com isso, uma vez que o conversado seja forma do seu pé, ou da sua igualha – isto é, moço com quem possa vir a casar. Ai delas se as virem a conversar com os casaquinhas ou janotas da cidade – e ai deles, se os apanham a geito! –
Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno.


Um forasteiro do Sul escreveu em 1908: 
“Uma das coisas que contribui para a melancolia do Porto é o antigo costume dos enterros à noite; este uso, especialmente de Inverno, dá uma impressão tristíssima a quem não estiver habituado a ele. Ao anoitecer, disfruta-se muitas vezes na Praça D. Pedro um espectáculo deveras lúgubre: os sinos dos Congregados dobram, atroando os ares; dentro da Igreja, grande quantidade de pessoas até à porta, com tochas acesas, assiste aos responsos; rapazinhos do Colégio dos Órfãos com seus trajes eclesiásticos, entoam cânticos fúnebres; e eça elevada deixa distinguir, mesmo da rua, o cadáver deitado no caixão, que tem as paredes desengonçadas para os lados; na rua a berlinda espera o corpo para o conduzir ao cemitério; na praça, olhando para o lado de Santo António ou para o dos Clérigos, vemos enterros subindo pelas acidentadas ruas e, à distância, o aspecto das duas longas fileiras de tochas, mexendo e tremeluzindo, dão-nos a impressão de que aqueles tristes cortejos têm pressa de desaparecer para sempre na eternidade. Os caixões das crianças, quer sejam conduzidos em berlinda, quer sejam levados à mão, têm sempre a tampa aberta, vendo-se o “anjinho” enfeitado de flores e muitas vezes deitado sobre grande quantidade de amêndoas e confeitos! Numa ocasião acompanhamos um enterro a pé, como são quase todos, ao Cemitério do Repouso; a noite estava chuvosa, relampejava, quando atravessamos a rua principal, por entre as duas filas de túmulos, a assistimos ao acto profundamente tétrico de meter o caixão na cova à luz de tochas, julgámo-nos transportados ao Hamlet de Shakespeare, lembrando-nos com saudade do nosso grande actor António Pedro, que tão magistralmente desempenhava o papel de coveiro.


Os enterros de dia são raros. Os cemitérios do Porto são verdadeiros jardins com grande abundância de mimosas flores, muito bem cuidados, numa ordem e asseio irrepreensíveis e possuindo artísticos e grandiosos mausoléus. As coisas fúnebres, parece não incomodarem muito os portuenses; pois se até há bilhetes postais ilustrados com vistas de ruas de cemitérios! Francamente achamos a ideia extravagante. Quem escreverá nestes postais? Talvez algum genro a saber notícias da saúde da sogra"

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