3.12.6 - Convento de Santo António de Vale da Piedade
Era uma congregação mendicante e por via disso dedicavam algum do seu tempo a pedir esmolas. Tinham uma agenda dos locais e épocas do ano onde se dirigiam. Assim, por exemplo, Em Janeiro percorriam desde o mar e toda a zona de Gaia, a Maia, terras da Feira a pedir carne de porco, milho e feijão; na 1ª. semana da Quaresma pediam o azeite, embora no Porto e Amarante fosse pelos Reis. Todo o azeite recolhido em Trás-os-Montes e Alto Douro era recolhido na Foz do Tua e trazido em rabelos; os vinhos eram pedidos entre 20 e 30 de Setembro e reunidos em Baião e Aregos; logo após os vinhos faziam o peditório de castanha, etc.
Os peditórios eram feitos por frades e leigos acompanhados de uma carta do Superior dirigindo-se aos párocos a pedir asilo e alimentação, rogando que os tratassem “com entranhas de piedade, como a filho de Nosso Seráfico S. Francisco, o que saberei reconhecer, e toda a comunidade, com as nossas devotas orações”.
Os benfeitores dos arredores do convento costumavam oferecer orelheira de porco, pelo que esta era muito abundante nas refeições. “Os lavradores em outro tempo davam da melhor vontade dez alqueires de milho, que valem por exemplo 4$800 reis, do que pagam hoje 200 de côngrua, ou 1$200 de décima”.
Em certas épocas do ano faziam ofertas aos seus benfeitores de 1 cabeça de porco, orelheira, carneiro, velas de candeia, ovos, cebolas, leitão assado, arroz doce etc.
Eram-lhes pedidos sermões que rendiam 2$400 reis cada um mais 800 reis para o pregador. Eram muitas dezenas por ano.
Nos funerais recebiam 4$800 reis por cada velório e enterro, mas tendo música e laudes cantadas recebiam 6$400 reis.
Estes peditórios, costumes e valores foram recolhidos no livro “Peditórios, usos e costumes do Convento de Santo António do Vale da Piedade”, escrito em 1815. In O Tripeiro Série VI, Ano XII.
Localização do Convento de Santo António do vale da Piedade, na margem esquerda do Douro em frente a Miragaia.
“Desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova, de 1833, da fachada principal da igreja do extinto convento de Santo António de Vale de Piedade fundado no ano de 1569, pelos monges menores da regra de S. Francisco. Situava-se a poente de Gaia e a sua cerca marginava com o rio Douro. O convento era pequeno, mas a igreja e claustro eram de boa construção.
Até 1832 todos os barcos que, de Valbom, iam ao mar eram benzidos por um monge do mesmo convento pelo que, no seu regresso, todos os chefes das companhias ofertavam o melhor peixe a Santo António.
Na luta do cerco do Porto, foi este convento abandonado e, seguidamente, ocupado por tropas de D. Miguel; todavia, no dia 17 de Dezembro de 1832, atravessaram o rio Douro algumas tropas liberais com tenções de desalojar do edifício do convento as tropas ocupantes. Sucedeu, porém, acudirem numerosas tropas miguelistas, que obrigaram os liberais a retirar-se; mas, antes de o fazer, deitaram o fogo à igreja e convento, acto desvairado que foi muito censurado por D. Pedro. As ruínas e cerca do convento foram compradas por António José de Castro Silva, que, em 11 de Setembro de 1855, foi agraciado com o título de Visconde de Vale de Piedade”. Site do Arquivo Distrital do Porto.
Durante as Invasões francesas serviu e hospital de apoio ao de Santo António.
O Convento não era grande
Os frades construíram a igreja sem torre. A entrada fazia-se por um cais do Rio Douro, onde estavam colocados 2 sinos para avisar das cerimónias. Tinha um jardim muito bem tratado, tendo à entrada as figuras de Santo António e S. Francisco. A concorrência à missa dominical era muito numerosa e no final os crentes podiam deleitar-se passeando pelos belos jardins.
Almeida Garrett, no seu livro “Arco de Santana” escreve: “ Eu ainda me lembra, e era bem pequeno, das tardes da trezena do santo em que aquela linda cerca parecia o jardim Kensington ou o das Tolherias, de povoada que se fazia pelas mais belas e elegantes damas da cidade, por um concurso imenso de todas as classes e idades; naqueles 13 dias o Vale da Piedade tornava a ser o Vale de Amores.
Seria o melhor passeio público, que o Porto poderia ter, e a rivalizaria com os primeiros do mundo, se nisso o tivessem convertido: deixava de ser Vale da Piedade e tornava a ser o Vale de Amores”.
Em O Tripeiro Volume 1 de Julho de 1908 encontrámos o seguinte texto: “Demolição para saudades – Está sendo demolida a Igreja de Santo António de Vale da Piedade. Esta igreja achava-se com a abóbada abatida e sem os ornatos, desde que foi incendiada no tempo do cerco. Era uma edificação, se não de grande merecimento artístico, clássico, pelo seu local o segundo templo de Villa Nova e sem outros na visinhança. É mais uma providência que attesta tristemente da superintendência do Governo Civil no aproveitamento dos edifícios nacionais.- Periódico dos Pobres, 27/5/1845”.
Desenho de Joaquim Vilanova – 1833
“Os frades tinham na cidade o seu hospício na Cordoaria, hoje Campo dos Martyres da Pátria, aonde hoje é o hospício dos expostos ou abandonados, d'antes roda dos enjeitados, defronte da igreja de S. José das Taypas, ou Almas." Elucidário do Viajante no Porto por Francisco Ferreira Barbosa, Coimbra 1864.
Ao lugar onde se fundou este mosteiro (em frente de Miragaia, na margem esquerda do Douro) se chamava até então Vale de Amores. Deu-se-lhe este nome, porque sendo um matagal, com árvores silvestres, era o alcoice dos moradores do Porto e Gaia. Os frades mudaram o nome para o de Vale da Piedade.
Quinta de Vale de Amores – 2011 – fotos de Luis A. Sá
Nos anos 60 do século passado esta quinta pertencia à família do Dr. Leopoldo Mourão.
Em frente ao Largo António Calém encontra-se a Ilha do Frade.
Mas por que razão, desde o séc. XIX esta ilhota tem o estranho nome de “Frade”?
Comecemos por informar que em meados do referido século, e até bem mais tarde, a ilha estava muito mais distanciada da margem, pois o jardim António Calem e a marginal foram conquistados ao rio por grande aterro.
Em O Tripeiro, de 1/5/1919, José de S. João Novo, conta-nos a história dessa designação. Passou-se no seu tempo de jovem e conheceu pessoalmente o “frade” em questão.
O Mosteiro de Santo António do Vale da Piedade, em Gaia, mais ou menos em frente da Alfândega, dava emprego na portaria a um jovem leigo que, por força do seu mister, era obrigado a usar, durante as horas de trabalho, o hábito franciscano. Mas, talvez por preguiça ou habituação, não o costumava mudar nas horas livres.
Acontece que, frequentemente, uma bela moçoila de Lordelo ia ao convento fazer recados e o porteiro dela se embeiçou. Cheio de coragem, certo dia, depois de lhe explicar que era leigo e não frade, decidiu falar-lhe no seu sentimento e propor-lhe que preparassem os papéis para o casamento, mas que entretanto poderiam viver maritalmente, pois a sua paixão não permitia grandes demoras. Ela não recusou tal proposta, mas na verdade já tinha namorado certo.
Uma tarde, à saída do convento, alguém se aproximou do apaixonado dizendo vir de mando da pretendida e que na madrugada seguinte, bem cedo, ele estivesse perto do rio que um barco a viria buscar para um encontro romântico. Em grande ansiedade, divisou a aproximação de um barco, saído do espesso nevoeiro e, sem trocar palavra com o remador, embarcou e começaram a descer o rio. A certa altura o barco estacou em terra e, após o desembarque aquele afastou-se. Andando pouca distância é com espanto que encontra novamente água, sucedendo o mesmo por todos os lados. Só quando o Sol raiou e o nevoeiro se dissipou o infeliz descobriu que estava numa ilha, no meio do rio Douro. Compreendendo a armadilha que lhe tinham preparado, aos berros, pediu a um pescador que o levasse para terra. Obviamente o "mudo" tripulante era o namorado da “bela amada”.
Segundo o autor este porteiro passou para hortelão do convento onde trabalhou ainda muitos anos.
Esta história deu brado na zona do Ouro e o povo passou a chamar a “Ilha do Frade”.
Edifício da Fábrica de Santo António de Vale da Piedade – foto blogue Ruinarte
Fundada em 1784 pelo Genovês Jerónimo Rossi, vice-cônsul da Sardenha no Porto, na quinta de Vale Piedade em Vila Nova de Gaia teve um período inicial de grande desenvolvimento industrial ficando como baluarte no fabrico nacional de faiança relevada, em concorrência com a louça inglesa.
Competiu no fabrico de azulejos, com a fábrica do Cavaquinho e, na modelação de peças de faiança, com a de Miragaia.
O esmalte utilizado por esta fábrica é bem distinto do das fábricas congéneres e a ornamentação em relevo só foi ultrapassada, mais tarde, pela que realizou a fábrica A. A. Costa e C.a das Devesas.
Nesta fábrica realizou Soares dos Reis algumas das suas esculturas mais significativas.
Rossi exportava bastante para a América tendo, como os demais, sofrido um importante golpe com as perturbações causadas pelas invasões francesas e pela posterior abertura dos mercados nacional e ultramarino aos produtos ingleses.
Em 1814 encontra-se em meia decadência e acaba por falecer, e ser sepultado no Porto. Em 1821 as suas filhas continuam a explorar a fábrica e pedem renovação do alvará que obtém em 1825, estando a fábrica a ser explorada por Francisco da Rocha Soares, de Miragaia, até 1833.
Em 1852 encontra-se na posse de João de Araújo Lima, um dos industriais mais dinâmicos da sua época, fundador da Associação Industrial Portuense e acolhe muitos operários especializados que deixaram a unidade de Miragaia quando esta encerrou.
Posteriormente à morte de Araújo Lima (1861), já sob a direcção de João do Rio (seu cunhado) introduziram-se modificações que levaram à produção de peças de ornamentação em relevo para interiores e exteriores.
Factura de 19 de Março de 1881 para a Irmandade de Nossa Senhora da Lapa
Depois de vários arrendamentos, ardeu em 1886, indo alguns dos seus operários para as Caldas, por iniciativa de Feliciano Bordalo Pinheiro. Foi um ano depois adquirida e reconstruída por António José da Silva, entrando assim em nova fase de laboração.
Continuou a renovar-se e a laborar até cerca de 1930.
Peças atribuídas à Cerâmica de Santo António do vale da Piedade e que se encontram no Museu Soares dos Reis.
Vasos e jarra – blogue Velharias do Luis
Nesta fábrica trabalhou Soares dos Reis, onde realizou algumas das suas melhores obras.
Olá
ResponderEliminarMais um conjunto de excelentes histórias da Muy Nobre e Sempre Leal Cidade do Porto...
Creio que este edifício da Quinta do Vale de Amores, mbora degradado ainda existe, certo?
Obrigado por ter «localizado» este Convento. :-)
Cumprs
Augusto
Muito obrigado pelo seu comentário. Desconheço se ainda existe esta quinta.
ResponderEliminarNão sei mesmo se a Quinta do Campo Belo estará no mesmo local.
Cumprimentos
Rui Cunha
Olá
ResponderEliminarSó para corrigir ....Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto....
http://sigarra.up.pt/icbas/pt/web_gessi_docs.download_file?p_name=F-246397380/PORTO.pdf
Cumprs
Augusto
Cumprs
Augusto
Faltou "Antiga"! «Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto».
ResponderEliminarSe bem entendi, o artigo é sobre a cidade de Vila Nova de Gaia que é apenas vizinha da cidade do Porto.
Segundo creio, a Quinta dos Condes de Campo Belo fica sensivelmente entre Quebrantões e o Areínho de Gaia.
A Quinta dos Campo Belo fica entre a Ribeira e a Alfândega, mas do lado de Gaia.
ResponderEliminarPrezado
ResponderEliminarparabéns pelo belo trabalho de pesquisa. Em 2003 restaurei vasos e esculturas (Os cinco Continentes) da Fábrica de Santo Antonio Porto instalados no Solar dos Câmara , em Porto Alegre, RS/Brasil. Muito bom encontrar este seu material sobre a Fábrica, Obrigada
Boa tarde,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Na verdade as louças das várias fábricas do Porto e Gaia faziam grande sucesso no Brasil, pelo que aí deve encontrar muitas variedades.