segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO XXVII

9.27 - Testemunho de Madame Rattazzi - Le Portugal à vol d'oiseau, "Charge" ao livro, Hotel Francfort, Diferenças entre Lisboa e Porto, "Cidade muito obstinada", A Caridade muito praticada no Porto, Baile do Conde de Samodães em honra da Rattazzi,  


Madame Rattazzi (1831/1902) - desenho de Bordalo Pinheiro em 1880 

Poucos personagens terão sido mais polémicos do que esta escritora, Madame Rattazzi (1831/1902). Nascida na Inglaterra, filha de Sir Thomas Wyse e da mãe francesa, Letícia Bonaparte, era de naturalidade francesa e sobrinha neta de Napoleão I.
Casou em 1849 com um alemão, Frederico de Solms que quem enviuvou em 1863. Nove dias depois casou com um italiano, Conde Urbano Rattazzi, que faleceu em 1873. Sete anos mais tarde casou com um espanhol, D. Luis de Rute de quem também enviuvou em 1889.
Por causa dos seus livros deu tantos problemas aos seus dois últimos maridos, que várias vezes se tiveram de bater em duelo, que não encontrou um quarto que a quisesse. Pode dizer-se que foi uma cidadã europeia.
Visitou Portugal em 1876 e 1879 e sobre essa viagem publicou o livro:




Este trabalho foi muito discutido e atacado pelos nossos escritores e provocou uma enorme polémica entre ela e Camilo Castelo Branco, a ponto de o terceiro marido se ter batido em duelo com o nosso romancista.
Nas suas visitas a Portugal conviveu com muitas figuras da política e da cultura. Da memória dessas estadias, acrescentadas de alguns factos pitorescos, pequenas fantasias e algumas inverdades, acabou por fazer um livro, em dois volumes sob forma epistolar, que foi publicado em França.


Legenda: O sábio doutor Costa mostra à Pássara – que viu Portugal d’um golpe – o lindo rio da Viella (nome que lhe dava), os penitentes vermelhos descendo a collina com velas acesas etc.


O Porto em 1878

Em O Tripeiro, série V, Ano IX encontramos a seguinte descrição, num artigo de Artur de Magalhães Basto:



Hotel Francfort – à esquerda a Capela dos 3 Reis Magos – ficava na rua do mesmo nome, atrás dos antigos Paços do Concelho. Pensa-se que foi construída em 1738/39 e foi desmontada em 1915 aquando da construção da Avenida dos Aliados.
Era uma capela particular de Inácio Leite Pereira de Almada, que a vendeu, juntamente com o palacete, à Câmara do Porto. Nos dias de vereação era lá celebrada missa.
Foi reconstruída pedra por pedra na freguesia da Pocariça (Cantanhede). Nesta capela estava a imagem de S. Sebastião, que tinha estado no nicho da porta com este nome, na cerca velha, bem como a de S. Jorge, que veio da Igreja da Graça (Colégio dos Órfãos) em 1903 e a de Nossa Senhora da Natividade, que estava na fonte da Natividade, na Praça de D. Pedro. Á direita a Rua D. Pedro.


Hotel Francfort antes de ser destruído para a abertura da Avenida dos Aliados
Quanto à proprietária do hotel a Rattazzi escreveu:



O primeiro Teatro S. João que ardeu em 1908 




Também em 1864, no ano anterior à sua inauguração.



2º. Conde de Samodães - 1828/1918


Artur de Magalhães Basto em O Tripeiro Série V, Ano IX

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO XXVI

9.26 - João Chagas - 1906, Solidariedade afinidade e coesão dos portuenses, União dos portuenses nas horas difíceis, Não existem diferenças entre classes e profissões, O PORTO É UMA NAÇÃO.


Irmãzinhas dos Pobres – casa original – fim séc. XIX


O antigo seminário, Colégio dos Órfãos desde 1903


Em 1906 escrevia João Chagas, no seu livro “Vida Literária”:

“ Se o Porto é uma cidade típica, o seu habitante também o é, como nenhum outro em Portugal. Lisboa tem uma população mista que facilmente se dispersa e se dissolve.


Sobre o Colégio dos Órfãos e o Padre Baltazar Guedes podem consultar os lançamentos Colégios e Recolhimentos I, II e III de 18/2, 23/2 e 26/2 de 2015


A população do Porto é homogenia e o seu traço caracteristico é – a solidariedade. O cidadão do Porto distingue-se de todos os outros pela afinidade e pela coesão. O Porto é para ele uma segunda pátria. Tem uma fisionomia comum, um pensar comum, um ideal comum.
O Porto não é, em rigor, uma cidade: é uma família.


Peste bubónica - 1899


Quando algum mal o acomete, todos o sentem com a mesma intensidade; quando desejam alguma coisa, todos a desejam ao mesmo tempo. Os portuenses ciosos da integridade da cidade, como os portugueses, em geral, da integridade da nação.
A cidade tem os seus foros. Quais são eles? Os seus foros são a sua tradição de independência, de liberdade, de franquia. Que essa tradição pareça perigar e toda a cidade se reunirá no mesmo fórum, para protestar, deliberar.


Festa de S. João 

Em toda a parte as condições sociais e as mesmas profissões separam os homens. Essa separação no Porto não existe senão em muito pequeno grau; mas basta que o princípio da cidade convoque os cidadãos e desaparecerão todas as diferenças de classe e de profissão. Os ricos juntar-se-ão aos pobres, os nobres aos plebeus, com bonomia, com franqueza, com sinceridade. Poucos agrupamentos humanos dão o espectáculo de tamanha solidariedade. O Porto, numa palavra, tão característico como é, pelo seu caracter e pelos seus costumes, resume Portugal na sua velha feição municipalista que foi a primeira que ele teve e pela qual se tornou o Reino e Estado independente.
O Porto é um caso de sobrevivência histórica e por isso é justo que lhe dêem, como lhe dão, o nome de baluarte, não talvez da liberdade apenas, pela qual afinal todo o país lutou, mas de tradição, de que ele é hoje o guarda mais intransigente e cioso”.
Hoje, resume-se na proclamação: “O PORTO É UMA NAÇÃO.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - XXV

9.25 - Alberto Pimentel (1849/1925) - grande escritor do Porto - VI, Comida tradicional, Capela de N. S. das Verdades, "Andar às vozes", Andar no Porto à noite, A fome no Porto e o preço dos alimentos


Mercado do Anjo - venda de hortaliças


Rojões à nossa moda


Arroz doce tradicional





Capela de Nossa Senhora das Verdades - A Porta ou postigo das Verdades, antes das Mentiras, ficava ao fundo da Rua de D. Hugo, por trás da Sé. Era encimada por um nicho com a imagem de Nª. Senhora das Verdades ou do Postigo, muito venerada pelo povo da vizinhança. Quando, no século XIV, foi destruída, o cónego Nicolau Parada mandou fazer à sua custa uma pequena capela onde colocaram a imagem. Durante o cerco do Porto a capela foi destruída pela metralha miguelista de Gaia. Porém, D. Ângela Jácome do Lago e Moscoso mandou reconstruí-la em 1843.


As superstições sempre acompanharam o Homem. Também as havia no Porto. O genial Alberto Pimentel refere-se, em 1899, a uma ligada a esta capela: 
“A locução “Andar às vozes” exprime o facto de qualquer pessoa vaguear pela rua à escuta do que os outros dizem, para tirar agoiro do que eles disserem. E, segundo o que ouvir, esperará boa ou má fortuna no negócio que traz no pensamento. Castilho, no “Amor e Melancolia” aludiu a esta tradição relativizando-a apenas com a noite festiva do Santo Percursor;

“Qual com bochecho na boca
Aplicando atento ouvido
Espera que á meia noite
Seja um nome proferido”.

No Porto acresce á tradição o costume de, quando alguém “andar a vozes” se dirigir como em silenciosa romagem, à Capelinha da Senhora das Verdades. Tal é o pitoresco especial da versão portuense.
Crê que a Virgem daquela invocação fará com que as pessoas que encontramos pela rua nos revelem involuntariamente ou inconscientemente o porvir dizendo “verdades” que o tempo confirmará. 
Eu fui muitas vezes, quando era pequeno, à referida capelinha, para acompanhar uma pessoa da minha família, que acreditava na tradição de que pelas vozes se ficava sabendo a verdade futura.
Saíamos de casa depois das nove horas da noite e íamos atravessando a cidade, sem dizer palavra, em direção à Sé…Eu e a pessoa que eu acompanhava ali, ajoelhávamos no degrau da porta, quando chegávamos ao termo da nossa silenciosa romagem… Chegava a aborrecer-me aquela maçada de atravessar em silêncio a cidade, do Bairro Ocidental para o Bairro Oriental. Quando já, perto de mim, negrejavam as paredes da Sé, na solidão e no silêncio, a minha tristeza, misto de enfado e terror, aumentava a ponto de me fazer tremer às vezes. Não sei se rezava ou o que rezava, enquanto essa querida pessoa orava fervorosamente com os lábios colados a um dos ralos, como se estivesse falando a Nossa Senhora para dentro da ermida… A pessoa que eu acompanhava, ao voltarmos para casa, vinha quase sempre preocupada, a resolver na mente as “vozes”, agradáveis ou desagradáveis, que tinha ouvido. Pobre e crédula criatura, antegosava a felicidade que lhe tinha sido anunciada, ou vergada ao peso de alguma profecia de desgraça, de algum aviso aziago, acreditando, por igual, uma ou outra cousa. Aqui está, pois, como segundo a versão do Porto, a Capela de Nossa Senhora das Verdades é o termo tradicional de “andar às vozes”. Como é do estilo não falar quando se ”anda às vozes” algumas pessoas para evitar o descuido de não guardar silêncio (o que estragaria a romagem) sujeitam-se ao incómodo do bochecho. Mas por isso mesmo que é incomodo, a maior parte da gente dispensa-o, cerrando os dentes uns contra os outros e pondo toda a sua atenção em não dizer palavra”.


Rua do Porto - gravura do séc. XVIII ou XIX




Lanternas de metal – séc. XIX




Defesas da Serra do Pilar - desenho do Barão de Forrester


Preço dos alimentos antes e durante o cerco de 1832


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - XXIV

9.24 - Alberto Pimentel (1849/1925) - grande escritor do Porto - V, S. João no Porto, Cascatas de S. João, Fogueiras e cantares de S. João, O S. João da Lapa - de Cedofeita e do Bonfim, Germano Silva e o S. João de 1834



O S. João em 1878


O S. João era a oportunidade dos poetas fazerem quadras, ligadas, em grande parte, ao amor e ao casamento. São conhecidas as quadras, cantadas, que referem as festas nos locais acima, tais como:

- Donde vindes S. João
Com a capa de estrelinhas?
- Venho de ver as fogueiras
Do largo das Fontaínhas

Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas…
E viva o rancho das mulheres casadas.

Na noite de S. João
É bem tolo quem se deita
Todos vão às orvalhadas
Aos campos de Cedofeita.

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras…
E viva o rancho das mulheres solteiras.

Fui ao S. João à Lapa
Da Lapa fui ao Bonfim;
Estava tudo embandeirado
Com bandeiras de cetim.

Orvalhudas, orvalhudas, orvalhudas…
E viva o rancho das mulheres viúvas.


Ilustração publicada no semanário humorístico O Sorvete, do Porto, em 1879 (Desenho de Sebastião Sanhudo)
Observando este desenho de há 137 anos, verificamos que, em vários aspetos, a tradição ainda é o que era. Em cima, veem-se muitos balões, muitos foguetes (atualmente usa-se mais fogo de artifício) e a chegada de uma família burguesa ao que parece ser um arraial. A meia altura, deve estar uma cascata (vê-se mal, mas é o que parece, à esquerda do centro), uma fogueira saltada por um folião e um bailarico. Em baixo, à esquerda, salta a rolha de uma garrafa de vinho do Porto (agora bebe-se sobretudo cerveja), garrafa esta que está cruzada com uma sombrinha (guarda-chuva não é, certamente, mas sim uma sombrinha, pois no São João não costuma chover) e com um objeto que não sei identificar. Vê-se ainda uma caleche, cuja representação não sei o que pretende significar, e um bêbado cambaleando.
O que não se vê, neste São João do séc. XIX, são alhos porros, que os martelinhos de plástico vieram substituir nos nossos tempos. Para mim, é uma grande surpresa não ver um só alho porro nesta ilustração. Será que a tradição do uso do alho porro no São João do Porto afinal não é assim tão antiga? -
Do blogue A Matéria do Tempo


Arco de triunfo na Rua de Santo António – 1908


1960




Rusgas do S. João – foto Francisco Viana – 1957 – reparem na publicidade antiga da Praça da Liberdade.





1948


Palácio de Cristal em 1940



Nesta alameda festejava-se o S. João antes da construção do hospital.