segunda-feira, 30 de março de 2015

OUTROS EDIFÍCIOS PÚBLICOS - III

4.7 - Relação Secular - III



Desenho de Joaquim Vilanova - 1833

“O Tribunal da Relação foi fundado por Filipe I (II de Espanha), nas cortes de Tomar de 1583, correspondendo a uma velha aspiração dos portuenses e das gentes do Norte. D. João I havia criado a Casa da Suplicação que funcionou como o mais alto Tribunal até que, em 1834, foi substituído pelo Supremo Tribunal de Justiça. O mais alto magistrado deste pretório era designado por Regedor das Justiças e devia ter qualidades que, ainda hoje, «mutatis mutandis», podem servir de padrão aos juízes. Estipulavam as Ordenações que, relativamente ao Regedor, «deve procurar-se que seja um homem fidalgo, de limpo sangue, de sã consciência, prudente e de muita autoridade, e letrado se for possível; e sobretudo tão inteiro que sem respeito de amor, ódio ou perturbação outra do ânimo possa a todos guardar justiça igualmente. E assim deve ser abastado de bens temporais, que sua particular necessidade não seja causa de em alguma cousa perverter a inteireza e constância com que deve servir». «E assim deve temperar a severidade que seu cargo pede, com paciência e brandura no ouvir as partes, que os homens de baixo estado e pessoas miseráveis achem nele fácil e gracioso acolhimento, com que sem pejo o vejam e lhe requeiram sua justiça, para que suas causas se não percam ao desamparo, mas hajam bom e breve despacho». 
Desde o século XV os reis eram pressionados no sentido de aumentarem o número de tribunais de recurso. O problema foi discutido nas cortes de 1472-73 (D. João II). As razões postas baseavam-se na insuficiência das duas casas de justiça que havia, especialmente insuficiência territorial, pois as duas que existem «ficam tão remotas dos extremos do reino que se um homem cai em cadeia ou lhe vem demanda, logo se julga perdido, porque hão-se passar dois, três, quatro anos, e mais, antes que os feitos tenham fim; e, se é preso por delito grave, e tem a justiça por parte, jaz na prisão até fugir dela ou morrer aí» (Gama Barros). O Rei não acedeu, preferindo determinar que a Casa da Suplicação se tornasse itinerante. Em vez disso, concedia «alçada» a quem entendia para julgar «in loco», sem apelo nem agravo, facto que, manifestamente, desagradava. Filipe I, cônscio de que tornava uma medida de agrado geral para a população nortenha, acedeu às justas solicitações dos portuenses”. Texto do Conselheiro José Pereira Graça

CADEIA DA RELAÇÃO - TABELA PARA REGULAR A DISTRIBUIÇÃO DOS PRESOS, SEGUNDO SEUS CRIMES, CONDIÇÃO, SEXO E IDADE - 1843




Camilo Castelo Branco

No site do Tribunal da Relação do Porto pode ler-se: “Os presos eram distribuídos pelos diversos pisos, conforme a sua posição social, um pouco à guisa do inferno de Dante. Nos andares de cima, os mais categorizados, ali se situando os catorze "quartos de malta" (celas individuais). Nos "quintos dos infernos", no rés-do-chão, os mais pobres, a ralé, onde os detidos se amontoavam em amplos salões com piso de pedra, as enxovias, com catres imundos em redor, os quais, durante o dia, eram levantados por meio de dobradiças, ficando empinados junto às paredes. Essas celas comuns eram conhecidas pelos nomes de Santo António e de Santa Ana, as destinadas a homens, de Santa Teresa para mulheres, de Santa Rita para menores, de S. Victor e o Segredo para castigos. Havia uma oficina denominada Senhor de Matosinhos. A imundice das enxovias tinha o cimento dos anos e das sucessivas gerações de presos. O cheiro das latrinas era nauseabundo. O ambiente soturno e triste, o que levou D. Pedro V a exclamar, após uma visita, em 1861: "É preciso arrasar tudo isto!". 
Nos seus soturnos ergástulos albergou muitos presos, alguns célebres: José do Telhado (José Teixeira da Silva), Camilo Castelo Branco (cela n.º 12). Nesta mesma cela esteve preso o desembargador Gravito, antes de ser enforcado, juntamente com mais nove liberais, em forca instalada na actual Praça da Liberdade, por decisão dos miguelistas. Mais tarde, esteve ali também detido o banqueiro Roriz. Obras recentes preservaram-na. Ana Plácido, então amante de Camilo, esteve instalada num corredor porque não havia celas para senhoras de sociedade. O Duque de Terceira permaneceu, durante algum tempo, na cela n.º 8 (foi preso durante a Patuleia por Passos José). O médico que envenenou familiares, Urbino de Freitas, ocupou a n.º 13. João Chagas, por via do seu republicanismo, estava detido nesta cadeia quando eclodiu a abortada revolta de 31 de Janeiro. Os processos relativos a Camilo, Urbino de Feitas e Zé do Telhado, encontram-se no pequeno museu judiciário instalado no Palácio da Justiça do Porto, onde também funciona, actualmente, o Tribunal da Relação, que já tinha saído da Cadeia para se albergar na Rua Formosa, onde, depois, funcionou o Arquivo de Identificação e, agora, está a sede da Liga os Combatentes.
É interessante supor Camilo Castelo Branco, de imaginação flamejante, a resmungar na sua cela n.º 12, como leão enjaulado, por ter cometido crime que, agora, já nem o é: relações sexuais com mulher casada. Só o adultério da mulher era punido. O homem casado podia impunemente relacionar-se com mulher que não fosse casada. Sendo-o, como era Ana Plácido, então poderia ser punido, com pena grave, extensível a ambos. Aguardaram, durante mais de um ano, presos o julgamento em que o júri não considerou provados os factos e, por isso, foi proferida sentença absolutória. No cárcere, Camilo continuou a escrever e, no silêncio do último piso, onde se situava a cela com janela para nascente - é a que se situa mesmo por baixo do ângulo esquerdo, de quem está virado para ele, do frontão -, o que mais o irritava era o barulhar ritmado e invariável dos passos do carcereiro sobre as tábuas rangentes do sobrado. 
De noite, nas longas lucubrações, convenceu-se de que o marido enganado, Pinheiro Alves, teria subornado um outro preso para o matar. Confidenciou esse temor a outro preso que também ali se mantinha, José do Telhado. Este sossegou-o, dizendo-lhe: "- Esteja descansado. Se aqui alguém tentasse contra a sua vida, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos". Talvez a aura romântica que se havia de formar à volta do célebre salteador, emergisse também do reconhecimento do escritor pela protecção dispensada. 
Camilo encerrou o seu livro "Memórias do Cárcere", desabafando: "Fecham-se as memórias. Eu devia ter dito porque estive preso um ano e dezasseis dias. Não disse, nem digo, porque verdadeiramente ainda não sei porque foi." Claro que sabia. O que poderia não entender era o rigor dos preconceitos vitorianos da época, aos quais, afinal, surpreendentemente, o Tribunal se não vergou…
Camilo esteve preso duas vezes no Cadeia da Relação. A primeira em 1846, também por razões amorosas com Patrícia Emília, uma vila-realense que consigo seguiu para Coimbra e Porto. Esteve preso apenas 11 dias porque seu tio desistiu da acusação e pediu a sua liberdade. 



Cela onde esteve Camilo Castelo Branco – foto do blog A Vida em Fotos


Durante a sua segunda estadia na Relação, um ano, Camilo esteve no quarto S. João que tinha uma janela virada a Nascente, com vista para o Douro. Aí escreveu o romance “Amor de Perdição”, em que descreve a partida de Simão Botelho para o desterro à vista da sua amada que se encontrava no Convento de Monchique.


Casa onde existiu o tribunal em que Camilo foi julgado pela sua ligação com Ana Plácido”. Fica na Praça Filipa de Lencastre, esquina com a Rua da Picaria. Teve no seu advogado Dr. Marcelino de Matos uma defesa notabilíssima. Por coincidência, durante o seu depoimento rebentou uma terrível trovoada e este afirmou: É Deus falando contra a iniquidade deste processo e não levando a bem a monstruosidade desta prisão… 
Com todo este ambiente os jurados, por maioria, consideraram-nos inocentes. Assim, o juiz decretou a absolvição dos amantes.


…José Teixeira da Silva (Zé do Telhado) nasceu em 1816 (foi em 1818), provavelmente no lugar do Telhado, do concelho de Penafiel. Alistou-se nos Lanceiros da Rainha D. Maria II, tomando parte em vários combates, ascendendo distintamente ao posto de sargento. Obedeceu às ordens de Saldanha na Revolta dos Marechais, em 12 de Julho de 1837, que colocou no poder o marquês Sá da Bandeira. Na Revolução de 1846, acompanhou o então Visconde Sá da Bandeira a Valpaços, e em boa hora para aquele, pois lhe salvou a vida. Recebeu a Torre-e-Espada, ordem honorífica criada por D. Afonso V destinada a distinguir elementos das forças armadas, tendo os seus possuidores honras militares e precedência a todas as outras ordens daquelas forças, em igualdade de grau. Terminada a guerra após a Convenção de Gramido, tentou obter um modesto emprego no Depósito do Tabaco, instituição economicamente importante para o norte, nomeadamente para o Porto e que o grande jurista e liberal, membro do Sinédrio, Ferreira Borges salvara da gula dos franceses comandados por Junot. Não lhe deram o emprego…


...Desiludido, voltou para casa onde o esperavam a mulher e cinco filhos à beira da miséria. Acabou numa falperra à semelhança de um irmão, do pai e do avô Sodiano, distribuindo generosamente o produto dos roubos. Foi julgado por isso e por assassínio de três pessoas, cometidos pelos seus capangas: um padre, um criado da Casa do Carrapatelo e um correlegionário que, num assalto fora ferido, ficando incapaz de fugir. Foi deportado para Angola onde morreu cheio de prestígio entre os indígenas, no Malongo ou em Xissa, em 1875...

História do Zé do Telhado – blog Calçada da Miquinhas http://calcadadamiquinhas.blogspot.pt/2012/07/o-robin-dos-bosques-portugues.html

Documentários sobre o José do Telhado



…Nas tranquibérnias políticas do tempo de D. Maria II, após a sangrenta guerra civil que opôs liberais e miguelistas, as várias tendências políticas hostilizavam-se permanentemente e os governos caíam como fruta madura. Bastava o Marechal Saldanha tomar a iniciativa de um golpe militar, e logo mais um governo devia constituir-se em substituição de outro que tombara. Foi a época da Setembrada, da Belènzada, da Revolta dos Marechais, da Maria da Fonte, da Patuleia. Foi na sequência do este movimento, a influenciar o Porto, que o prestigiado duque de Terceira, de seu nome completo, António José de Sousa e Meneses Severim de Noronha, foi enviado para esta cidade, na esperança de que a força do seu enorme prestígio acalmasse os ânimos. Em vez disso, foi preso, por pouco tempo, embora, quando exercia as funções de lugar-tenente da Rainha. A prisão foi ordenada e efectuada pelo patuleico José da Silva Passos que, com todo o respeito, teve a coragem de pedir que se considerasse preso, ao que ele obedeceu prontamente e deu entrada tranquilamente na Cadeia. Porto, Novembro de 1998
(O texto de síntese histórica do Tribunal da Relação do Porto é da autoria do Sr. Conselheiro José Pereira da Graça)

Apesar da Cadeia da Relação não estar sob a administração da Misericórdia do Porto, esta Instituição manteve ininterruptamente o serviço assistencial aos presos. De facto, apenas colaborava de forma complementar relativamente à resolução de algumas questões e somente a enfermaria estava sob a sua directa responsabilidade. 
A administração dos serviços prisionais na parte atribuída a esta Instituição estava a cargo de dois Irmãos designados por Mordomos dos Presos, um de condição nobre e o outro oficial. 
Ao nível do apoio material, a Misericórdia garantia a distribuição de alimentos, ou seja, o almoço às quartas-feiras e domingos aos presos mais carenciados de acordo com critérios previamente definidos num assento. 
Exclusivamente a cargo da Santa Casa da Misericórdia estavam os que se encontravam nas enfermarias da Cadeia a quem  era fornecida uma dieta diária semelhante à dos doentes do Hospital de Santo António. 
Nos edifícios prisionais do Porto, as precárias condições de habitabilidade, fruto da falta de ar e luz associada à extrema humidade e frialdade, em muito contribuíram para a formação de um ambiente propício ao aparecimento de graves doenças, principalmente em presos de longa data e saúde mais frágil. Contudo, não se ficou apenas a dever a este factor o precipitar da doença e da morte mas, acresceu ainda, a falta de higiene, a alimentação deficiente e os maus tratos. O elevado número de enfermos e de mortos levou a Santa Casa a nomear uma “Comissão dos Socorros dos Presos da Cadeia da Relação”. Esta comissão, após ter avaliado a situação dos reclusos, promoveu uma subscrição pública para angariar fundos que permitissem implementar uma série de reformas e consequentemente melhorar de forma significativa as condições de vida nas enxovias. 
A contrastar com a falta de condições das enxovias e demais instalações, é de salientar a ordem e asseio que imperavam nas enfermarias que estavam totalmente entregues aos cuidados da Misericórdia do Porto. 
A Misericórdia, no que se refere à defesa dos seus “embandeirados”, frequentemente designada por Livramento, tinha ao seu serviço advogados e solicitadores em número variável de época para época, para dar cumprimento aos processos judiciais dos presos inscritos no Rol e outros admitidos por piedade. 
A Misericórdia tinha um capelão para acompanhar os presos religiosa e moralmente. Mas, para além destas obrigações, a Mesa impunha-lhe tarefas específicas, nomeadamente, celebrar missa na capela da Cadeia aos domingos e dias de preceito, indicar aos presos e carcereiros os dias a jejuar e a guardar abstinência, advertir os presos para a confissão e salpicá-los todos os domingos com água benta. Também competia ao capelão dos presos realizar os funerais dos que morriam nas cadeias tal como dar consolo e presidir à procissão dos condenados à morte.


“A partir de 1987, o edifício, cedido pela Direcção Geral do Património do Estado ao IPPC sofreu um conjunto de intervenções para suster o seu estado de degradação, que foi acompanhado por sondagens arqueológicas, datação de materiais, investigação histórica, etc. Em 1989 foi adjudicado o seu projecto de recuperação e remodelação ao Arq. Humberto Vieira e ao Gabinete de Organização e Projectos, Ldª. Em 2000 foi iniciada uma última intervenção de adequação às suas novas funcionalidades – o Centro Português de Fotografia.
O Centro Português de Fotografia foi criado pelo Decreto-Lei n.º 160/97, publicado no Diário da República de 25 de Junho de 1997, com sede no edifício da Ex-Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, desafetado em 29 de Abril de 1975.
As salas de exposição do rés do chão foram utilizadas nesse mesmo ano, a partir de Dezembro, mas o edifício só seria ocupado na sua totalidade pelo CPF em 2001, depois de restaurado a adaptado à sua nova função, pela equipa dos Arquitetos Eduardo Souto Moura e Humberto Vieira.
Em 2007, e no quadro das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), o Centro Português de Fotografia foi extinto por fusão com o Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Desta decisão resultou a criação da então Direção-Geral de Arquivos, com sede em Lisboa, que passou a tutelar o CPF (Decreto-Lei 93/2007 de 29 de Março e Portaria 372/2007 de 30 de Março).
Mais recentemente, e no âmbito do PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da Administração Central), foi estabelecida a orgânica da nova Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (Decreto-Lei nº 103/2012), que resultou da fusão da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas com a Direção-Geral de Arquivos. Neste contexto, o CPF passou a fazer parte desta nova estrutura nuclear (Portaria nº 192/2012)”. Site do CPF.

Centro Português de Fotografia

quinta-feira, 26 de março de 2015

OUTROS EDIFÍCIOS PÚBLICOS - II

4.7 – A Relação Secular - II


Entrada – foto Portojo


Nesta varanda do pátio interior era rezada missa para quem, nas suas celas, quisesse assistir – Foto António Mendes.


Foto LGB



Foto de Daniel Monteiro



“O edifício onde se encontra instalado o Centro Português de Fotografia, também conhecido como “Cadeia da Relação” começou a ser construído em 1767, sob risco do arquitecto da Lisboa pombalina Eugénio dos Santos e Carvalho, sensivelmente no mesmo lugar onde, no início do séc. XVII, se haviam erguido as primeiras instalações para a Relação e Casa do Porto. O grandioso imóvel, cuja construção durou quase trinta anos, erguido entre o casario, paredes meias com o convento de S. Bento da Vitória e fronteiro à Porta do Olival, veio a alojar o Tribunal e a Cadeia da Relação. A área disponível da edificação, detentora de uma curiosa planta trapezoidal, foi repartida de forma quase equitativa entre Tribunal e Cadeia, sendo que as instalações do Tribunal foram alvo de cuidados acabamentos, ainda hoje visíveis em diversos pormenores construtivos.
No espaço destinado à Cadeia os planos obedeceram às concepções punitivas que vigoravam ao tempo, sendo evidentes as preocupações com a segurança nas grossas paredes de granito, nas grades duplas do piso térreo, nas portas chapeadas a ferro, etc. As áreas de detenção distribuíam-se da seguinte forma:
- No primeiro piso, ao nível do rés-do-chão, situavam-se as enxovias - de Stª Teresa, de S. António, de S. Victor, de Stª Rita, do Sr. de Matosinhos e de Stª Ana - lajeadas originalmente de granito, escuras, húmidas e frigidíssimas, com acesso apenas por alçapões situados no andar superior;
- No segundo piso, situavam-se os salões de Nª. Srª do Carmo e de S. José e a saleta das mulheres, também espaços colectivos mas mais salubres;
- No último piso ficavam os quartos de Malta, - concebidos como prisões individuais para “pessoas de condição” e que se encerravam apenas durante a noite, - bem como as enfermarias.
A distribuição dos presos por estes espaços obedecia a critérios que deviam ter em conta o tipo de crime cometido, o estatuto social do detido e a capacidade para pagar a carceragem. Se bem que a ocupação devesse reger-se pelos Regulamentos existentes, eles foram sistematicamente ignorados e a sobrelotação foi uma das características sempre presente. 
Para além destas áreas, a cadeia dispunha ainda de uma Casa da Guarda e dos alojamentos do carcereiro, que se localizavam na ala noroeste; da sala do chaveiro, junto à porta da entrada; de um oratório dos réus condenados à morte, no 1º piso; de diversos “quartos para presos incomunicáveis”, e de uma “capela dos presos” de estrutura em madeira, adossada à parede do saguão principal, onde era celebrada a missa. Já no séc. XX, foram disponibilizados novos espaços com outras valências, como o estabelecimento, em 1902, do Posto Antropométrico e a respectiva secção fotográfica, bem como duas pequenas oficinas de alfaiataria e sapataria. Posteriormente foram estabelecidas duas outras oficinas para o trabalho das mulheres, um Parlatório para os presos e suas famílias, etc.
O saguão principal, concebido com funções de iluminação e arejamento da área prisional, viria a tornar-se, em 1862, com a criação do “pátio dos presos”, numa zona vital para o quotidiano do estabelecimento. Com esse objectivo foi inutilizado um enorme tanque ali existente e foram transformadas as janelas das enxovias em portas de acesso. Também na mesma época foi possível destinar uma das dependências da cadeia exclusivamente para “prisão de menores”, sendo que até aí eles permaneciam, indiscriminadamente, entre detidos adultos. As mulheres, pelo contrário, haviam ocupado, desde o início, duas zonas de alojamento, isto é, a enxovia de Stª Teresa e a saleta no segundo piso. Contudo, foi também nos anos sessenta do séc. XIX, na sequência da prisão de duas “senhoras de distinção”, uma das quais Ana Plácido, que foi criado, num pequeno corredor, escuro e gélido, do último piso, um espaço de detenção.
O conceito de prisão penitenciária que se divulgou no séc. XIX entrou, desde logo, em conflito com esta velha prisão setecentista. Por soluções construtivas e infra-estruturas deficientes, aliadas à incapacidade financeira do Estado para fazer obras importantes de recuperação, o edifício foi-se arruinando progressivamente ao longo dos anos. Paralelamente, por impossibilidade arquitectónica, não veio a sofrer intervenções de fundo como aconteceu noutras cadeias europeias. Assim, não houve hipótese de criar celas, nem, tão pouco, alojamentos totalmente isolados para mulheres e menores, refeitórios, balneários, etc. Todas as adaptações realizadas, nomeadamente as que ocorreram já no séc. XX, sobretudo depois da saída do Tribunal para outro edifício em 1937, foram feitas em condições precaríssimas, com orçamentos mínimos, tendo sempre em mente a futura transferência para um novo estabelecimento prisional há muito projectado para o Porto.
Em Abril de 1974, alguns dias depois da Revolução, o edifício foi desactivado por razões de segurança, sendo os presos transferidos para o Estabelecimento Prisional em Custóias, ainda em construção. 
A velha cadeia, que acolheu os mais reputados malfeitores (como o Zé do Telhado), moedeiros falsos, larápios de ocasião, vadios, políticos em desgraça, revolucionários, mas também Camilo Castelo Branco que, no quarto de S. João, lhes iria escrever as estórias, subsistiria, assim, cerca de duzentos anos em plena actividade, mantendo-se como exemplar único, no país, da arquitectura judicial/prisional dos finais do Antigo Regime.


A partir de 1987, o edifício, cedido pela Direcção Geral do Património do Estado ao IPPC sofreu um conjunto de intervenções para suster o seu estado de degradação, que foi acompanhado por sondagens arqueológicas, datação de materiais, investigação histórica, etc. Em 1989 foi adjudicado o seu projecto de recuperação e remodelação ao Arq. Humberto Vieira e ao Gabinete de Organização e Projectos, Ld.ª. Em 2000 foi iniciada uma última intervenção de adequação às suas novas funcionalidades – o Centro Português de Fotografia -, cujo projecto se deveu aos Arqs. Eduardo Souto Moura e Humberto Vieira. In cpf.pt.


terça-feira, 24 de março de 2015

OUTROS EDIFÍCIOS PÚBLICOS - I

4.7 – A Relação Secular - I



Aljube no bairro da Sé

Muito antes da criação do tribunal de Apelação ser instalado, os portuenses apelavam ao Rei que lhes concedesse este benefício, pois todos os julgamentos de segunda instância seguiam para Lisboa, com grande incómodo e despesa dos habitantes.
A Relação do Porto foi criada em 1583 por Filipe I, tendo estado instalada por cima do açougue, perto da Sé, à entrada da Rua das Aldas. 

A CRIAÇÃO DA RELAÇÃO E A CASA DO PORTO - FRANCISCO RIBEIRO DA SILVA
http://www.trp.pt/historia/82-casaporto.html


Rua das Aldas - foto José Paulo Andrade


Sobre esta rua encontrámos um artigo não assinado, mas que supomos ser de Germano Silva: 
“Uma pergunta que me é feita vezes sem conta, é esta qual é a mais antiga rua do Porto? Parece-me uma questão curiosa e interessante para tratar nesta tribuna. Mas devo informar, desde já, que a resposta exacta não é fácil de encontrar. 
Durante muitos anos, li e ouvi dizer dos mais consagrados investigadores da história portuense, que a rua mais antiga do burgo portucalense era a Rua de Cimo de Vila. 
Mas o monge cisterciense Frei Bernardo de Brito, que foi cronista mor do reino, no tempo de Filipe II, e escreveu a célebre "Monarquia Lusitana", defende a teoria de que a mais velha artéria da cidade é a Rua das Aldas. 
Sabe-se do pouco crédito que têm algumas das obras do autor do "Monarquia Lusitana". Mas há muitos outros investigadores que estão com ele nesta questão da antiguidade da Rua das Aldas. 
Vamos por partes a mais antiga referência que se conhece à Rua de Cimo de Vila é do ano de 1247 e consta do testamento do bispo do Porto, D. Pedro Salvadores. Anterior, portanto, à construção da muralha fernandina, o que significa que a rua já existia quando na cerca se abriu a porta que tomou depois a designação da artéria. 
É de 1421 a mais remota referência à Rua das Aldas "…casas que confrontam com a rua que vai do Redemoinho para as Aldas…" 
Acerca da Rua das Aldas, porém, há que ter em conta o seguinte esta artéria, primitivamente, foi a que hoje tem o nome de Rua de Sant'Ana. A que, nos nossos dias, ostenta a designação de Rua das Aldas, foi, em remotos tempos, a Rua da Penaventosa. E a que tem esta designação era a Viela dos Palhais. Estas incompreensíveis alterações ocorreram em meados do século XVIII e por motivos que nunca foram devidamente esclarecidos. 
A atribuição da categoria, digamos assim, de rua mais antiga do Porto à antiga Rua das Aldas, actual Rua de Sant'Ana, provém do facto de se considerar que Alda é uma abreviatura de Aldara ou Ilduara e não de Aldonça, como muitos pretendem. Santa Aldara foi mulher do conde D. Gutierres Árias Mendes, pais de S. Rosendo, bispo de Dume, no tempo em que governaram o burgo portucalense como condes proprietários dele. Viveram, esses fidalgos, no ano de 920. 
Será pois a Rua das Aldas a mais antiga do Porto? Há indícios que apontam nesse sentido. Firmino Pereira, um jornalista dos finais do século XIX, começos do seguinte, que escreveu muitas e iluminadas páginas sobre a História do Porto, admite essa possibilidade, com base na situação topográfica da artéria e na circunstância de aparecer referenciada em muitos documentos antigos. O mesmo historiador é da opinião que as moradias dos condes do Porto, donos e senhores do burgo, ficavam ao começo da Rua das Aldas, "…pelo Açougue Velho até à Calçada de Sant'Ana". 
Um documento do século XVI ajuda-nos a entender melhor a localização da Rua das Aldas, a antiga, claro. "…começa ao pé da escada de Sant'Ana (onde actualmente está o oratório) para cima até ao pé do Colégio dos Padres da Companhia…"(de Jesus). Para baixo do Arco de Sant'Ana "…até à Rua da Bainharia chamava-se Pé das Aldas" que se deve entender com ao pé ou perto das Aldas. 
Uma referência ainda à actual Rua de Cimo de Vila para dizer que estou plenamente de acordo com Eugénio Andrêa da Cunha e Freitas. "Cima (e não Cimo) de Vila era a designação que se dava ao ponto mais alto, no extremo de uma povoação - o que perfeitamente corresponde à toponímia do local no Porto. Cimo de Vila é coisa nenhuma, é disparate…"

Filipe I mandou construir o primeiro edifício próprio em 1606 no sítio do Olival, mas só ocupado em 1609. Porém, este edifício, ruiu em 1/4/1752, obrigando a que a Relação passasse para o palácio do Conde de Miranda, no Largo do Corpo da Guarda, para o Hospício de Santo António do Vale da Piedade, na Cordoaria, e para o Campo das Hortas, actual Praça da Liberdade.


Mapa da zona da Cadeia da Relação feita por Teodoro de Sousa Maldonado, arquitecto (1759/1799) – A: Rua da Ferraria de Cima, hoje Rua dos Caldeireiros; B: Rua de Trás; C: Rua de S. Bento (da Victória); D: Recolhimento do Anjo; E: Relação; F: Campo da Lameda; G: Quartéis; H: Hospício dos Antoninhos (Colégio dos Órfãos).



1863


Funcionou no Campo das Hortas (Praça da Liberdade) até que João de Almada mandou construir o edifício actual, no mesmo local onde tinha estado o anterior de 1609 a 1752. Em 1765, foi lançada a primeira pedra, cuja obra só terminou em 1796. Foi um edifício tão caro que durante a sua construção as outras obras do Porto pararam. O arquitecto que o projectou foi Eugénio dos Santos, um dos reconstrutores de Lisboa após o terramoto de 1755


O edifício só foi terminado muito mais tarde, como se pode ver pela falta de remate superior.


Photo Guedes – 1900


“Muitas das janelas gradeadas da fachada que dá para o Jardim (ao todo são 103) , correspondiam a instalações de presos. A entrada destes era por este lado. Os detidos, dali, observavam a frescura do lago e o deslizar suave e manso dos aristocráticos cisnes envolvidos na plebeidade despreocupada dos patos. Esta observação quotidiana e permanente, por parte de quem não tinha mesmo mais que fazer, mereceu à ex-cadeia o significativo epíteto de «Hotel Mira-Patos… 


Janela do “Hotel Mira Patos” - Foto Portojo


Fonte Neptuno junto à Cadeia da Relação

…A pequena fachada voltada para a antiga Porta do Olival mostra, na parte inferior, um chafariz (a Fonte de Neptuno) com dois golfinhos no seu espaldar vertendo água pela boca. Num medalhão está esculpida a figura de Neptuno… 



Foto Portojo

…Para a varanda dá a porta da capela onde os presos condenados à morte passavam a sua última noite. Ali sentiam a angústia da decorrência imparável do relógio da vizinha Torre dos Clérigos…


…A cima-fronte desta fachadinha, já que por ela acima trepa maior número de pilastras, também é dotada, no friso, de mais espessos triglifos. E, a sobrepujar a cornija, vêem-se, ao centro as Armas Reais, acaireladas de farfalhudo paquife, e aos lados duas panóplias túrgidas de objectos mavórcios» (In "O Tripeiro" VI Série, Ano X, 1, 1970). Esta fachada não tem mais de oito ou nove metros, pelo que mais parecia uma esquina. Por isso o edifício era também conhecido como a "casa de três bicos" ou "casa de três esquinas». Texto do Conselheiro José Pereira da Graça.


Fachada Nascente que dá para a Rua de S. Bento da Victória – à esquerda a Igreja de S. Bento da Victória.


Sobre o frontão encontram-se as estátuas da Justiça, do Direito e da Razão.


No largo fronteiro à Relação esteve durante alguns anos a feira de Vandoma, que regressou às Fontaínhas.

quinta-feira, 19 de março de 2015

COLÉGIOS E RECOLHIMENTOS - IX

4.6 – Seminário dos Meninos Desamparados



“Em 6 de Janeiro de 1814 o padre Oratoriano José de Oliveira funda numa casa da então rua das Hortas (hoje do Almada) o Seminário dos Meninos Desamparados cujo objectivo inicial era acolher as crianças do sexo masculino filhas das vítimas do desastre da «Ponte das Barcas», ocorrido com a entrada do exército francês sob o comando de Soult, aquando da 2.ª invasão (1809).
Depois de ter conhecido várias instalações na cidade, a instituição transfere-se em 30 de Abril de 1863 para a Quinta do Pinheiro em Campanhã, doada juntamente com outros bens, pelo ilustre proprietário e benfeitor Luís António Gonçalves Lima com a condição determinante de que, em caso de apropriação governamental ou extinção por qualquer outro motivo, passariam a propriedade e o edifício para a posse da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
A partir desta data, a instituição não cessou de crescer, quer procedendo às necessárias e dispendiosas obras de adaptação do edifício (nas quais colaborou largamente a generosidade tripeira), quer prosseguindo a sua meritória missão de assistência.
Eis alguns números que comprovam de algum modo o que acabamos de referir:
1814 (Ano da fundação)....................................5 Crianças
1819....................................................................30 Crianças
1899................................................................. 103 Crianças
1912..................................................................180 Crianças
1946................................................................ 300 Crianças
A designação desta instituição foi, naturalmente, evoluindo ao longo dos tempos...



...De Seminário dos Meninos Desamparados, inscrição em ferro forjado, ostentada no bonito portão principal, passou a Internato Juvenil Padre José de Oliveira (homenageado sob a forma de um busto existente no jardim), designando-se actualmente por Centro Juvenil de Campanhã. 
No actual edifício funcionam uma Creche e Jardim de Infância com 150 crianças, um Internato com 80 crianças e (ocupando parte das instalações) a Universidade Lusíada com mais de um milhar e meio de alunos.
Estão também aqui instalados algumas dezenas de alunos oriundos dos países Africanos de expressão oficial portuguesa, sob a égide da Fundação Afro-Lusitana...


"Através de uma visita detalhada, tivemos oportunidade de constatar as várias infra-estruturas e serviços existentes distribuídos pelos 3 pisos do edifício desde o bar (adaptado de um antigo lagar),cozinha, refeitório (250 refeições), salas de aula até aos dormitórios, lavandaria, lavabos, etc.
O Centro Juvenil de Campanhã desenvolve ainda actividades no âmbito da formação técnica e profissional em áreas como a serralharia e olaria (0.T.L.).
Uma palavra para os vários «Clubes» existentes e para a biblioteca, centro polivalente de dinamização cultural onde, entre outros materiais, se encontra um precioso núcleo de actas e outra documentação referentes à própria história da instituição e que através de uma exploração mais sistemática (e necessariamente árdua e morosa), permitiria um estudo mais desenvolvido.


Deixamos para o fim, uma breve mas importante referência à bonita e ampla capela dedicada a S. José, que ocupa o corpo central do edifício.
Construída em 6/1/1899 para comemorar o 85.° aniversário da fundação ao longo da sua existência, apresenta-se actualmente em bom estado de conservação.
Sendo de natureza semi-pública ainda serve de local de culto, podendo-se admirar alguma talha dourada, um formoso altar, azulejaria e brocados originais, um lustre e um interessante conjunto de pequenos painéis em azulejo, representando cenas da via-sacra”. Site da Junta de Freguesia de Campanhã


VÍDEO

segunda-feira, 16 de março de 2015

COLÉGIOS E RECOLHIMENTOS - VIII

4.5 – Recolhimento do Patrocínio da Mãe de Deus ( do Ferro)


Foi fundado em 16/3/1681 na rua Escura. Funcionava como um albergue de prostitutas e mulheres abandonadas. A capela chamava-se Capela de Nossa Senhora do Ferro porque tinha um ferro atravessado de lado a lado da porta: o condenado que saísse da Cadeia do Aljube e por ali passasse para ser enforcado e conseguisse chegar a tocar no ferro já não seria executado (ver texto abaixo). Posteriormente, após a demolição da Porta de S. Sebastião, uma das quatro portas da Muralha Primitiva do Porto, foi também conhecida por Capela de São Sebastião, pois a imagem do santo protector contra a peste foi aí guardada pela Diocese no fim do século XVIII.
A antiga capela, depois de muitos anos de abandono e ruína, foi destruída em 1928. A grande festa realizava-se no dia 8 de Setembro. A imagem de Nª. Sª. do Ferro era em pedra e de estatura quase normal.
No século XIX o edifício foi abandonado devido às Invasões Francesas e das Lutas Liberais.


In O Tripeiro – Volume 6



Recolhimento e Igreja nas escadas do Codeçal.

O novo recolhimento seria construído nas Escadas do Codeçal em terrenos que uma senhora D. Josefa Maria doara por escritura de 17 de Março de 1729. A doadora impôs por condição que o recolhimento tomasse por padroeira Santa Maria Madalena, por recolher prostitutas que desejassem abandonar a "velha profissão", bem como mulheres casadas e de família com o aval dos maridos. Foi inaugurado em 1757.



Construção do túnel da Ribeira – obras de abertura em 1947 – foi o primeiro túnel rodoviário de Portugal.


Em 7 de Agosto de 1947 os rebentamentos de explosivos para a abertura do Túnel da Ribeira abalaram-no, tendo sido restaurado após 1950. 


Porta da capela em 1950


Portaria e Roda


A Roda - foto de Jorge Portojo


O antigo Recolhimento do Ferro pertence actualmente à Junta de Freguesia da Sé, que lá instalou o seu centro social e cultural.