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segunda-feira, 12 de maio de 2014

IGREJA E TORRE DOS CLÉRIGOS - IV

3.11.3 - Torre dos Clérigos - II



Escadas da Torre dos Clérigos – antigamente, no dia 15 de Agosto, festa de Nossa Senhora da Assunção, o acesso à Torre era livre e gratuito. Nos restantes dias custava 10 reis por pessoa.

Pinheiro Chagas, no seu Portugal Pittoresco, em 1883 escreveu:
“Lisboa e Porto teem ambos a sua maravilha legendária. Lisboa é a estátua equestre de D. José I, o Porto a Torre dos Clérigos. Nas províncias do Norte fallava-se antigamente na Torre dos Clérigos como se podia fallar nas Pyramides. Era a oitava maravilha do mundo. Nas aldeias escondidas dos recessos das serras de Traz-Os-Montes, tinha-se fama adquirida quando se podia dizer: 
- “Eu que lhes estou fallando, já vi a Torre dos Clérigos”. 
E em torno d’elle murmurava-se: “Vê aquele bello rapaz, que parece tão pouco cheio de si? Pois já viu a Torre dos Clérigos”. – 
- “Que está você a dizer?” 
- “Estou-lhe a dizer isto mesmo, viu, o que se chama ver, a Torre dos Clérigos do Porto”. E quando elle falava todos lhe davam atenção, e algum rapazote mais atrevido ousava perguntar-lhe: 
- “Diga-me o senhor uma cousa, e desculpe o meu atrevimento, é verdade que são necessários sete dias e sete noites para se subir lá ao cimo da Torre dos Clérigos?”
- “Tudo isso é uma corja de asneiras. Eu, que lhe estou fallando, subi a Torre depos de almoçar, e o que lhe juro é que não jantei lá mas, quando voltei à noite, vinha esfomeado, isso é verdade, e jantei por quatro na Hospedaria da Águia d’Ouro.
– “Mas então também não é verdade que do alto da Torre se veem os navios que veem de lá desses Brasis?” 
– “Isso é verdade que os vi eu que até conheci um dos meus primos que andava a passeiar na tolda de um lugre, porque olhe lá, isso de ter bons ollhos gabo-me eu”. In Helder Pacheco, PORTO A TORRE DA CIDADE.


Rua dos Clérigos no dia 23/11/1908, aquando da visita de D. Manuel II ao Porto – nota-se grande movimento e os portuenses todos enfarpelados. Meu avô Francisco veio, em 1893, com 12 anos, trabalhar para a casa Á Noiva onde esteve até 1903, de onde saiu para inaugurar o Espelho da Moda, um pouco mais acima.


“A. M. Leorne (1860) diz-nos que no cimo da Torre, do lado do mar, havia a seguinte inscrição:

“AD PRIMUSQUE AD ULTIMUM
LIPIDEM TEMPLI TAN AEQUE
TURRIS NICOLAO NASONI CONTRUXIT 
AB. AN. 1732 COMPLEVITAN 1763

o que, traduzido, significa: Nicolau Nasoni foi o constructor da primeira à última pedra do templo e também da Torre. Do ano de 1732 completada em 1763”. 

O mesmo autor informava: “ Na última varanda da Torre do lado Sul, estava uma imagem de Santa Bárbara, advogada contra os raios, feita de pedra toscamente trabalhada… vendo-se esculpida em latim, na frente que ficava virada ao mar, a oração de Nossa Senhora ou Magnificat, que ainda se lê perfeita e distintamente” (antes da invenção do para-raios procurava-se que a imagem servisse de protecção ao edifício… Em 31/7/1863 a Irmandade dos Clérigos tomou a muito louvavel resolução de… obra de colocação de um para-raios naquela torre.” In Helder Pacheco - PORTO A TORRE DA CIDADE.



Fotos da Torre dos clérigos


Torre dos Clérigos vista da nova Praça de Lisboa – foto Rui Levi

Torre dos Clérigos - documentário

Torre dos Clérigos – vídeo de Manuel de Sousa

Vistas do Porto
http://vimeo.com/moogaloop.swf?clip_id=83946072


Torre dos Clérigos vista do telhado da Sé


O Porto depois da construção da Torre dos Clérigos – Teodoro de Sousa Maldonado - 1789 - esta gravura foi apresentada na primeira edição do livro de Agostinho Rebelo da Costa que estamos a tratar.


Foto da revista A Ilustração Portuguesa de 26/11/1917

Um chá nas nuvens – Raúl Caldevila

“...Houve ainda a escalada da Torre, desde a base até ao vértice, pelos Puertollanos ocorrida, se a memória nos é fiel, em 1917. Também assistimos de ânimo inquieto, ao escalamento feito pelos dois sujeitinhos, de moldura em moldura, sem nenhuma batota, sem nenhuma ajuda, atidos apenas às suas boas unhas, que dir-se-iam garras aduncas e firmes. 
Quando chegaram à bola cimeira (que Camilo diz “ser menos dura e menos tapada que a cabeça de Basílio Fernandes Enxertado”), já tinham sido providos através da última “ventana”, das vitualhas que iriam saborear nos braços das cruz de ferro, que é remate da Torre. E, atónitos, todos assistimos àquele chazinho das 5, gostosamente beberricado a setenta e tantos metros de altura, isto, muitos anos antes do chá que é servido agora pelas hospedeiras aeronautas. Depois da chazada, vagarosamente libada nos braços da cruz, os acrobatas despediram, para os espectadores, miríades de papelinhos onde se enalteciam as excelência das bolachas, com que os ginastas estavam a acompanhar o seu chá nas nuvens. Os papelinhos diziam o nome das bolachas do seu fabricante, mas nós não o repetiremos agora, para não fazermos graciosa, uma vez que o Puertollanos também a não fizeram…” In O Tripeiro Série VI, Ano IX. 

Meu pai contava-me que assistiu à escalada, em 15/7/1917, muito ansioso com o receio de ver a queda do trepador. E digo-o no singular, pois o atleta foi só o Pertollano (pai), tendo o seu filho subido pelo interior e só ter escalado a bola e a cruz. O autor deste texto deveria ser muito jovem dado não ter sequer a certeza da data. Como se pode ver no documentário acima a assistência foi de milhares de pessoas do Porto e terras vizinhas. 
Também, segundo meu pai, e já li algures, a escalada a que ele assistiu foi patrocinada por um comerciante do Porto. 


No Livro PORTO A TORRE DA CIDADE, Helder Pacheco conta uma notícia do Comércio do Porto de 11/7/1917 que refere “desde a manhã de hontem que as pessoas que circulavam perto dos Clérigos ficaram sobremaneira surpreendidas vendo capear no ponto mais alto da Torre, três bandeiras alliadas – a portugueza, a ingleza e a franceza. O curioso appareceimento intrigou, com justíssima razão, toda a gente que teve conhecimento, tanto mais… que a Torre de noite se não abrira a ninguém… Segundo elle (o correspondente do CP em Tuy) quem efectuou essa sensacional ascensão foi o famosíssimo escalador José Puertollano… que se propõe verificar nova ascensão à Torre dos Clérigos, mas às escancaras, de dia, à vista de todos, afim de ir buscar as bandeiras que ali deixou na noite de hontem…”


Foto do livro acima

Segundo este mesmo livro realizou-se nova escalada, pelos mesmos acrobatas em 28/10/1914, este, sim, patrocinado pelas bolachas Invicta.


Subida de Perez de Tudela em  2/6/1979 – note-se a sujidade do granito antes da limpeza feita há poucos anos.
Além destas célebres subidas exteriores, outras houve através dos anos, mas com a ajuda de cordas para defender os atletas em caso de acidente. Também houve espectaculares descidas por corda inclinada presos pelos cabelos ou pelos dentes.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

BAIRROS DA CIDADE - VIII

  
2.3.2 Bairro da Victória - II


Alçado existente em O Porto no Época dos Almadas de Joaquim Jaime B. Ferreira Alves.

O Arquitecto Teodoro de Sousa Maldonado trabalhou para a Junta das Obras Públicas entre 1789 e 1792. Dada a sua competência foi nomeado o primeiro arquitecto da cidade em 1792. Desenhou e executou várias importantes obras, dentre as quais destacamos: a Rua de Santo António, a Calçada dos Clérigos e a Rua da Boavista. Além de arquitecto, era um excelente desenhador a quem se deve a magnífica vista do Porto inserida na primeira edição do livro de A.R.C. Faleceu em 1799.


Porto, da Torre da Marca ao Recolhimento dos Órfãos
Gravura de Teodoro de Sousa Maldonado, 1789 -
Esta é a primeira gravura do Porto em que se vê a Torre dos Clérigos.


Armas da Cidade inseridas na gravura acima. Nossa Senhora de Vandoma rodeada por duas torres e a legenda “Civitas Virginis”

A Rua dos Clérigos começou por chamar-se Calçada do Correio-mor, depois Calçada da Fonte da Arca, Calçada da Natividade e por fim Calçada e Rua dos Clérigos. O Correio-Mor encontrava-se, no séc. XVII, na actual Rua do Conde de Vizela, antes Rua do Correio. A Fonte da Arca, na parte Sul/Poente da Praça da Liberdade, mais tarde Fonte da Natividade após as obras em que nela foi colocado um nicho com a imagem de Nossa Senhora da Natividade (ver Fonte da Arca e da Natividade quando tratarmos das fontes do Porto).

“A calçada dos Clérigos desce com bastante declive desde a frontaria do templo até á praça de D Pedro. Prestando-se, pela sua muita largura a ser guarnecida de arvoredo, mandou a câmara municipal modernamente plantar dois renques de arvores um de cada lado junto aos passeios. Quando o sr. Seabra tirou a photographia de que é cópia a nossa gravura, ainda não existiam alli as arvores, e era macadamisada. Actualmente está calçada com pedras cúbicas, todas de eguaes dimensões. É a calçada dos Clérigos um dos sítios mais concorridos do Porto. Deve esta vantagem a diversas circunstâncias taes como: a sua visinhança de parte do principal mercado público, e da outra, da praça de D. Pedro, e de outras ruas onde o movimento commercial é mais activo; as lojas de variados objectos que a guarnecem; e a ser a mais bela communicação da cidade baixa para a alta. O mercado do Anjo, assim chamado por ter sido edificado no logar dantes ocupado pelo recolhimento d'aquella denominação, fica ao norte da egreja dos Clérigos, apenas separado d'ella por uma rua. As lojas referidas encerram, no maior número, fazendas de seda, lã, linho e algodão, e muita diversidade de objectos de moda, porcelanas, cristaes, bronzes etc. Nenhuma se faz notar pela elegancia da armação, nem pela bonita disposição dos productos, mas algumas são notaveis pela muita cópia, e mesmo pela riqueza d'estes últimos.” I de Vilhena Barbosa in Archivo Pittoresco, Ano de 1864 -  Do Blog Porto Antigo
Em 1766 foi feito o rebaixamento e calceteamento da Calçada da Natividade, hoje Rua dos Clérigos.


Rua Arquitecto Nicolau Nazoni, antiga Travessa dos Clérigos – foto de Francisco Oliveira

A muralha Fernandina passava pelo local onde estão construídas as casas do lado Sul da Rua dos Clérigos. “As demolições (desta parte da muralha) começariam a partir de 1787. Nesse ano, o Presidente da Junta pediria para Lisboa a autorização necessária para ser apeada a muralha do “lado meridional” da Rua dos Clérigos, não só porque ameaçava ruína, mas também porque permitiria o seu alinhamento… O derrube da muralha do lado Sul da Rua dos Clérigos, permitiria, para além do alinhamento referido, abrir uma rua que faria a comunicação entre aquela rua a a chamada Rua de Trás (actual Rua do Arquitecto Nicolau Nazoni). A raínha autorizou os proprietários possuidores de casas encostadas à muralha, ou a ela contíguas que pudessem “adianta-las e crescer com ellas até o alinhamento regular da referida rua; sujeitamdo-se eles a fazer as frentes que para ela ficarem segundo o prospecto, e plano aprovado e posto em execução nas outras propriedades situadas na mesma rua”. A área demolida não se confinaria só ao lado sul da Rua dos Clérigos. Foi autorizado o apeamento da muralha desde a Porta dos Carros (em frente à Igreja dos Congregados) até à Igreja dos Clérigos." In O Porto na Época dos Almadas de Joaquim Jaime B. Ferreira Alves



Fotografia que, pessoalmente, muito me diz. Vê-se a Rua dos Clérigos, em 1908, engalanada esperando a passagem do Rei D. Manuel II que acabava de chegar ao Porto em visita oficial. À direita vemos a casa Á Noiva onde em 1893, com 12 anos, o meu avô paterno, Francisco da Silva Cunha, entrou como moço de recados, ao tempo chamado marçano, e onde foi desempenhando de forma brilhante a sua profissão. Ascendeu a empregado de balcão, pondo gravata como era de tradição, e mais tarde a gerente da loja. Nesse tempo os empregados viviam na própria casa dos patrões, habitualmente no último andar onde se encontrava a cozinha e os quartos das criadas e dos empregados. Tendo-se apaixonado pela Menina Luisa, filha do Sr. Alves, o patrão, decidiu sair e lançar a sua própria casa de retalho em 1903. Deu conhecimento disso ao Sr. Alves, que aceitou e apoiou, pois via no seu gerente um homem sério e trabalhador. Foi assim que, em 1903, fundou no nº. 54 o ESPELHO DA MODA. Prometeu ao Sr. Alves que, assim que lhe apresentasse dois balanços com lucros suficientes para manter a sua casa, lhe iria pedir a mão da menina Luisa. Em 1905 casou com a minha avó, vindo a ter 3 filhos. Por alturas desta fotografia o ESPELHO DA MODA tinha 5 anos e não é visível por se encontrar tapado pelo eléctrico.
Uma curiosidade é verificar-se que nesse tempo, à inglesa, ainda se circulava pela esquerda, e só em 1928 o novo código mudou para o sistema continental de circulação pela direita.


Espelho da Moda - fachada inicial de 1903


Fachada de 1928 a 1945
Publicidade dos anos 30 e 40 do séc. XX

Espelho da Moda e Rua dos Clérigos engalanada no Natal - a nova fachada foi inaugurada em 8/12/1945 - projecto e decoração do Arquitecto Amoroso Lopes. 


Montra de 1945

Comemoração dos 75  anos - 1978

Nos anos 60 foi inaugurada um boutique no primeiro andar

Muitas e interessantes histórias teria para contar sobre o que foi a actividade do meu avô Francisco desde 1903 a 1954, quando se retirou do Espelho da Moda, passando os seus últimos anos entretido a comprar, vender e trocar selos. Filatelista desde rapaz, ganhou várias medalhas de ouro em exposições nacionais e internacionais. Por esta casa passaram três gerações dedicadas ao desenvolvimento da firma F. da Silva Cunha & Filhos. Chegou a ser a casa mais antiga do Porto do ramo de malhas e meias, tendo em 1918 introduzido na cidade as meias de seda natural, produto importado e muito caro.
Pelo menos desde o princípio do séc. XX e até aos anos 50 as casas comerciais do lado esquerdo, quem sobe, da Rua dos Clérigos eram os chamados fanqueiros ou carapuceiros. Vendiam fazendas, xailes, lenços de cabeça, carapuços e outros artigos usados para o público dos arredores do Porto e criados ou criadas e empregados de comércio. Do lado direito perdominávam as lojas de moda, camisarias, miudezas, que vendiam artigos mais caros. Recordamo-nos muito bem desta diferença de expor e de técnica de venda.
O comerciante do Porto era muito cioso da sua reputação na “praça” e na continuidade do seu negócio. Havia pais não autorizavam os filhos a ir estudar para Coimbra com receio que seguissem outra profissão e a sua casa não tivesse continuidade. E, muitas vezes, aqueles que tiravam uma formatura, regressavam ao estabelecimento do pai. Pelo menos um dos filhos deveria manter a tradição da família.