segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - XXV

9.25 - Alberto Pimentel (1849/1925) - grande escritor do Porto - VI, Comida tradicional, Capela de N. S. das Verdades, "Andar às vozes", Andar no Porto à noite, A fome no Porto e o preço dos alimentos


Mercado do Anjo - venda de hortaliças


Rojões à nossa moda


Arroz doce tradicional





Capela de Nossa Senhora das Verdades - A Porta ou postigo das Verdades, antes das Mentiras, ficava ao fundo da Rua de D. Hugo, por trás da Sé. Era encimada por um nicho com a imagem de Nª. Senhora das Verdades ou do Postigo, muito venerada pelo povo da vizinhança. Quando, no século XIV, foi destruída, o cónego Nicolau Parada mandou fazer à sua custa uma pequena capela onde colocaram a imagem. Durante o cerco do Porto a capela foi destruída pela metralha miguelista de Gaia. Porém, D. Ângela Jácome do Lago e Moscoso mandou reconstruí-la em 1843.


As superstições sempre acompanharam o Homem. Também as havia no Porto. O genial Alberto Pimentel refere-se, em 1899, a uma ligada a esta capela: 
“A locução “Andar às vozes” exprime o facto de qualquer pessoa vaguear pela rua à escuta do que os outros dizem, para tirar agoiro do que eles disserem. E, segundo o que ouvir, esperará boa ou má fortuna no negócio que traz no pensamento. Castilho, no “Amor e Melancolia” aludiu a esta tradição relativizando-a apenas com a noite festiva do Santo Percursor;

“Qual com bochecho na boca
Aplicando atento ouvido
Espera que á meia noite
Seja um nome proferido”.

No Porto acresce á tradição o costume de, quando alguém “andar a vozes” se dirigir como em silenciosa romagem, à Capelinha da Senhora das Verdades. Tal é o pitoresco especial da versão portuense.
Crê que a Virgem daquela invocação fará com que as pessoas que encontramos pela rua nos revelem involuntariamente ou inconscientemente o porvir dizendo “verdades” que o tempo confirmará. 
Eu fui muitas vezes, quando era pequeno, à referida capelinha, para acompanhar uma pessoa da minha família, que acreditava na tradição de que pelas vozes se ficava sabendo a verdade futura.
Saíamos de casa depois das nove horas da noite e íamos atravessando a cidade, sem dizer palavra, em direção à Sé…Eu e a pessoa que eu acompanhava ali, ajoelhávamos no degrau da porta, quando chegávamos ao termo da nossa silenciosa romagem… Chegava a aborrecer-me aquela maçada de atravessar em silêncio a cidade, do Bairro Ocidental para o Bairro Oriental. Quando já, perto de mim, negrejavam as paredes da Sé, na solidão e no silêncio, a minha tristeza, misto de enfado e terror, aumentava a ponto de me fazer tremer às vezes. Não sei se rezava ou o que rezava, enquanto essa querida pessoa orava fervorosamente com os lábios colados a um dos ralos, como se estivesse falando a Nossa Senhora para dentro da ermida… A pessoa que eu acompanhava, ao voltarmos para casa, vinha quase sempre preocupada, a resolver na mente as “vozes”, agradáveis ou desagradáveis, que tinha ouvido. Pobre e crédula criatura, antegosava a felicidade que lhe tinha sido anunciada, ou vergada ao peso de alguma profecia de desgraça, de algum aviso aziago, acreditando, por igual, uma ou outra cousa. Aqui está, pois, como segundo a versão do Porto, a Capela de Nossa Senhora das Verdades é o termo tradicional de “andar às vozes”. Como é do estilo não falar quando se ”anda às vozes” algumas pessoas para evitar o descuido de não guardar silêncio (o que estragaria a romagem) sujeitam-se ao incómodo do bochecho. Mas por isso mesmo que é incomodo, a maior parte da gente dispensa-o, cerrando os dentes uns contra os outros e pondo toda a sua atenção em não dizer palavra”.


Rua do Porto - gravura do séc. XVIII ou XIX




Lanternas de metal – séc. XIX




Defesas da Serra do Pilar - desenho do Barão de Forrester


Preço dos alimentos antes e durante o cerco de 1832


Sem comentários:

Enviar um comentário