segunda-feira, 30 de outubro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - V

9.5 - Como José Gerani viu o Porto em 1766 - Gravuras do Porto antigo, Calçada das Carqueijeiras, Caderinhas e liteiras, Barcos Rabelos, Oratório da Rua do Barredo


Gravura de John Clark, dedicada ao cônsul de Inglaterra John Whithead – 1778 – à esquerda em cima o Convento de S. Bento da Victória e a Igreja da Victória; em baixo Miragaia. Á direita Vila Nova de Gaia.


Gravura de Vivian – 1839 - Vê-se o Paço Episcopal parcialmente destruído pela artilharia miguelista durante o cerco de 1832 e o Convento de Santa Clara com o Muralha ao lado. Ao longe o antigo Seminário.


Pavimento da calçada das Carqueijeiras





Cadeirinhas e liteiras


Foto de Emílio Biel - 1903


Barcos Rabelos subindo o Douro


Oratória de Nossa Senhora da Boa Fortuna – Rua do Barredo

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - IV

9.4 - Visita de D. Cósimo III de Medici em 1669 - III, Texto de António Coutinho Coelho, Audiência régia no tribunal, Casas de estrangeiros no Porto, Importação e exportação para o Brasil, Sumagre, Transporte de vinho do Douro para o Porto que é exportado por Lisboa.


Tribunal e cadeia da Relação – gravura de Joaquim Vilanova - 1833

Na cidade do Porto há uma audiência régia composta por doze letrados, dos quais o chefe é o supramencionado Conde de Miranda. Há aí certos juízes chamados expedidores de penas e agravos, que tratam de causas criminais, das quais se faz apelação para o tribunal de Lisboa, chamado de Suplicação, sendo este muito semelhante àquele, e enquanto as causas cíveis não passarem de quinhentos cruzados. Há aí, além disso, um juiz da coroa real, dois pretores e outros ministros: este tribunal estende a jurisdição à comarca subordinada além da cidade e do seu distrito.


Feitoria Inglesa


Há no Porto nove casas de mercadores Ingleses, uma de Franceses e três de Holandeses e Hamburgueses misturados. De Italianos não há nenhuma. Os Portugueses são simples mestres dos do Brasil, que de seu aí não têm nada ou muito pouco. 


Engenho de açúcar no Brasil

O tráfico do Brasil é grande e faz-se de dois modos: com licença ou sem ela. Esta paga-se ao rei e aos favoritos. Quem a tem vai e volta direito àquele porto; os outros são obrigados pelo governador do Brasil a voltar com o grosso da frota e a desembarcar na Aduana de Lisboa. O fruto da permissão é poder carregar e partir antes da frota, pelo que ao chegar, mesmo que não seja muito antes dela, se põe o açúcar a preço mais alto.



Chita antiga


Levam do Porto para o Brasil infinitos panos ordinários que se fazem nas redondezas, azeites, vinhos, farinha, peixe, cordames e aguardente, e de lá trazem o que traz a frota, isto é, açúcares, etc.
Em Angola têm pouquíssimos navios e trazem pretos. Para a Índia não há qualquer comércio. Para a Espanha se manda muitíssimo açúcar, o qual vão comprar mercadores Castelhanos em dinheiro sonante. 
De Inglaterra vêm panos ordinários, baetas negras e de cor, chumbo, droguinhas e perpetuam (tecido de lã muito resistente) e outras espécies de peças de pano. As baetas vêm de Colchester, os panos de Plymouth. Destas bastam para abastecer a praça quatrocentas peças por ano, daquelas oitocentas. O lucro que se faz costuma ser de 40 por cento. 



Arbusto de sumagre sobre o Rio Douro


Sumagre em grão

Vão para Inglaterra azeite, vinho, açúcar, sumagre, que é uma erva para tratar os couros.


Mandam também com todos os riscos ouro e prata cunhada, que vendem aos aurífices de Londres.


1900

Vêm do interior pelo rio abaixo para o Porto 30 mil pipas de vinho que se distribuem por todo o Portugal, que têm de ser enviadas através de Lisboa. Porque para fora do Reino não mandam tanto como mercadoria mas simplesmente como presente. Havia nos três últimos anos de guerra um imposto de 2 cruzados por pipa, o qual foi todo para as mãos do conde do Prado como governador, com a obrigação de manter 200 cavalos divididos em duas companhias. Ele fez arrolar todos os seus servidores e os de parentes e amigos seus, nunca tendo chegado a ocasião de os fazer montar a cavalo. A permanência no Porto é mais vantajosa aos mercadores pelas menores despesas em manter as casas, pelos menores encargos no vender e no comprar, dos quais o dos rebates (deve rebater-se 8 por cento de todos os contratos feitos a favor do comprador) não existe.
A vida da pouca Nobreza que aí permanece é completamente ociosa, sem outro emprego que o de mulheres e jogo. Haverá no Porto três coches e oito ou dez cadeirinhas, mas bastantes cavalos de sela”.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - III

9.3 - Visita de D. Cósimo III de Medici em 1669 - II, Texto de António Coutinho Coelho, Gravuras do Porto - Muralha da Ribeira - S. Pantaleão - Serra do Pilar - Rio Douro, Descrição do Porto e do Rio Douro do séc. XVII.



Gravura do séc. XVIII 

O Porto, cidade antiquíssima, é famosa pelo celebrado desembarque dos franceses na foz daquele rio, onde dizem ter tomado o nome de Portugal, está situada sobre o rio Douro, onde começa a província de Entre Douro e Minho, sobre um lugar irregularíssimo formado pelas encostas de diversos montes, que ressaltando variadamente para fora ajudam a tornar mais desiguais os planos das ruas da cidade, exposta só pela parte que olha o rio, onde os muros que a cercam na totalidade se descobrem completamente de sobre a água, vendo-se debaixo, dos lados e por sobre o cume mais alto dos montes, à semelhança de uma coroa.


São estes muros à antiga, isto é, todos seguidos e ameados, mas a estrutura é belíssima, sendo todos de pedra viva talhada em quadrados e de notável grossura. A cidade, depois de Lisboa, tem fama, e com a maior justiça, de ser a mais bela e galante do reino. Não é muito grande, mas os edifícios são bons, as ruas limpas, alegres e lajeadas à maneira de Florença, com lajes todavia de menor tamanho, mas todas muito bem unidas e enquadradas. 


1960


A Catedral é uma igreja grande e magnífica com três naves; está aí o Santíssimo Sacramento todo de prata e de grandeza notável.



Ao lado do altar-mor, num cofre de prata dourada, que é muito estimado pelo trabalho, está o corpo de S. Pantaleão-mártir.


(Na Sé, a arca com as relíquias de S. Pan­taleão foi metida num artístico e valioso relicário de prata, mandado fazer por D. João II mas que só foi entregue à cidade, em 1502, pelo rei D. Manuel I, numa sua deslocação ao Porto. Foi a prata desse relicário que roubaram. 
O furto aconteceu em 1834, já depois do fim do Cerco do Porto. E ao que consta, o autor do roubo nunca foi descoberto. Melhor dizendo: parece que se soube quem foi. Mas o autor da façanha nunca foi denunciado 
Muitos anos mais tarde, em 1875, Pinho Leal, no seu muito apreciado e célebre dicionário "Portugal antigo e moderno", no volume sétimo e na parte respeitante ao Porto, ao tratar do assunto S. Pantaleão, alude também ao roubo da arca e escreve isto: "tinha muito que dizer sobre o roubo deste cofre, o que não faço por certas considerações, sendo a principal envolver neste abominável crime pessoas de alta categoria que se não podem defender por estarem já cobertas com a lousa da sepultura". 
Tudo muito estranho, não é ?" – Germano Silva)



…Da parte de lá do rio, sobre o cume dos Montes, está uma nova, grande e bela construção dos Cónegos regulares, a Igreja dos quais, ainda não acabada, é de arquitectura redonda, toda de pedra viva, e quase isolada.


Gravura de Manuel Marques de Aguilar, desde a Torre da Marca às Fontaínhas - 1791

Calculam na cidade 4 000 casas e pouco mais de 10 000 habitantes. Há aí pouquíssima nobreza, abundância de padres e frades e a gente, como em toda a província, paupérrima e súbdita dos Eclesiásticos, aos quais pertencem quase todas as rendas, que dizem ascender a dois milhões.


Gravura de Batty – 1829


Gravura de J. G. Martini - 1835

A subsistência da cidade é o porto, e, por consequência, o tráfego e o comércio, o qual porém está na mão de estrangeiros e, especialmente, dos ingleses.


Entrada do Douro – Teodoro de Sousa Maldonado – 1790


A barra está distante menos de meia légua, péssima e dificílima de atingir pela estreiteza e obliquidade do canal. 



Torre da Marca – Gravura de Manuel Marques de Aguilar - 1793 - In Portugal Antigo e Moderno

Para este fim, fora da cidade, sobre uma eminência donde se descobre o mar, está construída uma porta redonda num quadrado de muro isolado, que serve aos pilotos para atingir o rio com segurança, metendo a proa como se devessem entrar pelo meio da abertura daquela porta. 


Gravura de J. Holland – 1838 – vista para montante do rio, que nos parece tirada da zona da Arrábida

O rio está protegidíssimo do vento correndo inteiramente entre vertentes altíssimas de montes que, em parte pedregosos, e em parte frutíferos, cultivados e semeados de quintas e de fontes, dão um belíssimo aspecto à cidade. As águas, porém, tornam-no perigoso, pois que, quando acontece entrarem as marés com o vento, e saírem as cheias ruinosas, assim como no porto de Lisboa, as duas águas formam uma linha perigosa, onde nenhum navio, ainda que ancorado, poderia aguentar-se. Por isso retiram-se então para as margens, lançam as amarras à terra, não porque a âncora não seja bastante, mas porque desce dos montes vizinhos uma grande quantidade de areia, e a âncora ficaria aí enterrada, sendo impossível retirá-la. 


Entrada do Rio Douro - Teodoro de Sousa Maldonado - 1789 - Cabedelo tem o nº. 10

Dão porém estas cheias algum benefício à embocadura do porto, removendo sempre a areia, que torna apertada a barra.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

TESTEMUNHOS E MEMÓRIAS SOBRE O PORTO - II

9.2 - Visita de D. Cósimo III de Medici em 1669 - I. Texto de António Coutinho Coelho, Gravura do Porto de Pier Maria Baldi, Gaia, Leça do Balio. Igreja S. Lourenço, Sé, Conventos de S. Bento de Avé Maria e Santa Clara, Vista sobre o Douro.




Texto de Xavier Coutinho

Relato da estadia no Porto
Desta visita ao Porto, retemos uma bela crónica, do Conde Lorenzo Magalotti, seu cronista e acompanhante, retirada da sua “Relazione del Viazzio del Portogallo e Galizia”, ilustrada por magníficas aguarelas de Pier Maria Baldi e de que reproduzimos um excerto, retirado do Boletim dos Amigos do Porto:
No dito dia 26 de Fevereiro de 1669, ouvida a missa numa pequena igreja paroquial dependente dos padres Jesuítas de Coimbra, que disfrutam aqui de propriedade de muitos bens, e prosseguindo o caminho após três léguas feitas através duma campina semelhante à do dia precedente, 


chegou a Vila Nova d’Além, que é uma extensa povoação que, descendo pela estreita garganta de dois montes com um só burgo, se espraia com algumas casas sobre a margem do rio Douro. Desta povoação passou a Alteza Sereníssima ao Porto, na vizinhança do qual era esperada por alguns padres Jesuítas com o séquito de diversas barcas, em parte cheias de gente e em parte vazias para levar a família de sua Alteza. A destinada à Alteza Sereníssima estava coberta nobremente com um toldo e cortinas e a popa toda enfeitada com tapetes e almofadas de veludo em volta da cadeira, que igualmente devia servir para a Alteza Sereníssima. Logo que chegou, começaram a soar todos os sinos da cidade, e continuaram quando a barca se afastou da margem, até que passando na vizinhança dos navios mercantes que estavam ancorados no porto, foi saudada por todos os canhões e com embandeiramento da cidade disposto sobre a outra margem do rio.


Ao desembarcar encontrou, com o seu coche de seis, o Senhor Lobo Pereira de Castro, Balio de Leça, da Ordem de S. João (que usufrui o rendimento de cerca de 18 000 cruzados) e com ele D. Sebastião César de Meneses. S. A. entrou na câmara com um e outro dos supramencionados cavaleiros que estavam do lado do cocheiro, e o senhor Cav. Castaglioni junto da porta.


Entrou Sua Alteza na cidade por volta das 11 horas da manhã, no meio de numerosíssimo povo, aglomerado nas ruas e nas janelas, das quais as mais próximas do Colégio dos Jesuítas, onde S.A. tinha destinado o quarto, estavam todas decoradas com tapetes e panos de seda.
Enquanto Sua Alteza esteve à mesa foi obsequiada com vinhos, aves, doces e frutas, pelo Reitor do Colégio.


Sé no séc. XVIII



Sé - lado Norte e galilé à noite - In Portolovers

Depois do jantar, servido pelos mesmos cavaleiros da manhã, foi ver a Sé e as relíquias que aí se conservam.


De lá passou às monjas de S. Bento onde teve uma diversão musical. Deu depois uma volta pela cidade 


Foto de Iva Vieira

e saiu fora de portas, donde se goza uma vista sobre o campo e o mar,


foi às monjas de Santa Clara e voltou aos Jesuítas. Ao desembarcar foi cumprimentada ainda pelo Chanceler da Câmara, que é a primeira pessoa da cidade, por ele governada na ausência do Conde de Miranda, Embaixador na Corte Católica, que com o título hereditário obtido do rei D. João IV por mercê das suas embaixadas feitas na Holanda, é por sucessão perpétuo governador dela. O mesmo Chanceler manifestou a ordem terminante recebida do Príncipe de Portugal para servir a A.S. que depois de jantar veio a S. Bento para retribuir os obséquios. S.A. sentou-se junto da grade, em cadeira de espaldar, ao lado sentaram-se sobre escabelos os dois Cavaleiros e sobre escabelo semelhante sentou-se em frente o Chanceler.


Dança do séc. XVII

Teve à noite a A.S. diversão de baile por um bailarino e alguns alunos do Colégio, que fizeram um baile figurado ao uso do país, estando todos vestidos de gala. Entretanto voltou o Chanceler, mas não sei como, não tendo sido feita logo a embaixada, ao sair já ele tinha partido. Estava aí também o Juiz de Fora, o qual em nome do Senado apresentou a S.A. um nobilíssimo e abundante presente de frutas cristalizadas e de doces. Despediu-se depois S.A. daqueles senhores, foi cumprimentada por Tomás Hill, comerciante inglês, que esteve durante muito tempo em Livorno, e retirou-se para repousar.