segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

CONVENTOS DE RELIGIOSAS - IV

3.12.13 – Convento de Santa Clara - II



Doces de Santa Clara


Toucinho do céu


Barrigas de freira

“A notoriedade que os doces têm na mesa dos portugueses é antiga: vem do século XV, quando Portugal iniciou uma produção de açúcar em larga escala em suas colónias atlânticas. O cardápio de guloseimas ficou ainda maior com o cultivo da cana-de-açúcar no Brasil. Mas tanto aqui quanto na Europa, o começo dessa tradição está profundamente ligado à Igreja.
A princípio, a tarefa era uma responsabilidade das irmãs monjas. No início da Época Moderna, a população feminina dos conventos era, em sua maioria, composta de mulheres que não tinham escolhido o hábito por fé, e sim por imposição social – normalmente, familiar. A feitura de quitutes ajudava a suportar a rigidez do claustro.
Essa produção ganhou grande impulso nos séculos XVIII e XIX, quando Portugal passou a ser o principal produtor de ovos da Europa, e possivelmente do mundo. A maior parte dela tinha destino certo: a clara era um elemento purificador na fabricação do vinho branco – o termo “clarificação” indica este processo, que tem como efeito a decantação e a aglutinação – e servia para engomar as roupas da aristocracia e os hábitos de freiras e padres. Nos conventos portugueses, o rigor e a tradição exigiam roupas fartas, pesadas, com palas, golas e punhos perfeitamente engomados. Além disso, para cumprir o cerimonial cristão, fabricavam-se hóstias em grandes quantidades para a comunhão – capaz de alimentar a alma e manter o corpo casto – usando o singelo ingrediente.
Mas com tanta clara sendo exportada para países europeus produtores de vinho, como França, Espanha e Itália, qual seria o destino das gemas? As freiras, em seu ritual de separá-las, perceberam que o desperdício poderia-se transformar num “pecado lucrativo”: a produção de iguarias finas que se tornaram a marca registada da culinária lusitana. Nas quintas mantidas pela Igreja, nos mosteiros e, principalmente, nas centenas de conventos que se espalhavam pelo interior do país, a gema servia de alimentação para as criações de porcos e outros animais, que, por sua vez, alimentavam monges, freiras e aldeões das redondezas. Mas a gema disponível era tanta que ainda assim sobrava.
A quantidade de matéria-prima, aliada à fartura do açúcar que vinha das colónias, se transformou em inspiração para o surgimento de experimentados doceiros à base de gema de ovos realizados pelas cozinheiras dos conventos. Não por acaso, muitos nomes de doces portugueses são inspirados na fé católica: argolas da abadessa, barrigas de freira, beijo de frade, fatias celestes, farrapos do céu, manjar celeste, orelhas de abade, palmas de abade, papos de anjo, queijos do paraíso, toucinho do céu e o pão de ló – uma homenagem a Ló, sobrinho de Abraão, salvo por anjos de Gomorra às vésperas da destruição da cidade pela ira de Deus. Em 1752, durante o reinado de D. José I (1714-1777), o Regimento dos Confeiteiros – regulamento que determinava princípios e orientações para confeiteiros e doceiros de Portugal – já citava algumas desses pitéus.
O destino das iguarias, mais do que a alimentação dos religiosos, era a venda nos vilarejos das redondezas. Rapidamente, os doces de ovos se transformaram em uma importante fonte de renda para muitas cidades de Portugal, migrando para os restaurantes de Lisboa, Porto, Setúbal e Guimarães. Sua comercialização servia para reforçar o orçamento dos conventos, que eram mais de trinta só em Lisboa. No Mosteiro de Santa Clara de Guimarães, cada religiosa recebia 6$400 réis por ano como pensão. Pouco dadas aos rigores monásticos, as freiras achavam insuficiente a soma a que tinham direito, e encontraram na confecção de doces um meio de aumentar essa renda. Mas não sem enfrentar dificuldades”. In Revista História
Assim também nos conventos portuenses nasceram famosos doces e lambarices, tais como os de Santa Clara feitos de massa folhada, ovo e amêndoa. Era tal o sucesso que em certas ocasiões, sobretudo pelo Natal a encomenda tinha de ser feita com meses de antecedência. Também estas freiras faziam manjares de farinha de arroz em forma cónica e com a ponta crestada no forno. 
Certo dia, Augusto Gama, filho do escritor Arnaldo Gama, tendo ouvido elogiar tais guloseimas, enviou à Madre Abadessa um soneto que muito lhe agradou:

“Senhora, nós estamos duvidosos 
Do que nos afirmaram com certeza,
Que há cá neste convento uns saborosos
Pastéis, o puro encanto de uma mesa.

Dizem que são tão belos, tão gostosos,
Que são feitos com tal arte e leveza,
Que nós estamos mais que desejosos
De acreditar que são essa beleza.

Quiséramos saber então, senhora,
Nesta questão tão grata e sedutora,
A vossa opinião, o que dizeis.

Provai-nos, vós que sois a superiora,
Aquela afirmação consoladora,
Dando-nos como prova…os tais pastéis.

Valeu a pena! Recebeu pouco depois um tabuleiro deles. 

Augusto Gama, que era chefe do convento, encarregado do respectivo inventário, conta uma divertida história passada consigo: 


In O Tripeiro, Série VI, Ano V


Cubelo da porta do Sol – situado junto do Convento de Santa Clara, as freiras construíram, em dois cubelos, mirantes cobertos e fechados por janelas envidraçadas, para as defenderem das intempéries. Desta forma podiam gozar de umas deslumbrantes paisagens de 360º para o rio e a terra. Viam a faina dos barcos até ao mar, a entrada da Porta do Sol, a cidade e muito para lá dela. Infelizmente mais tarde, supomos que já no séc. XX, retiraram-nos com a finalidade de “repor” a antiga traça. Um outro mirante ficava no último cubelo virado ao rio Douro.
Em primeiro plano vê-se o dispensário D. Amélia e a respectiva capela, aqui alojados em 31/1/1901.


Último cubelo da muralha ainda com restos do mirante virado ao rio


Troço da muralha por trás do antigo Convento de Santa Clara, perto da antiga Porta do Sol, já sem o mirante. O prédio branco foi mais tarde o Instituto Ricardo Jorge. No meio do jardim ainda se vê a estátua a Arnaldo Gama, de Rogério dos Santos Azevedo (1971).


Romancista da segunda geração romântica, nascido a 1 de Agosto de 1828, no Porto, e falecido a 29 de Agosto de 1869, no Porto, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, mas dedicou-se quase inteiramente à literatura e ao jornalismo, tendo sido também membro da Academia Real das Ciências. 
Distinguiu-se como autor de romances históricos, tendo sempre como cenário a história do Porto, nos quais o rigor posto na reconstituição epocal se harmoniza com o talento empregue na efabulação romanesca e na composição dos caracteres.
Os seus romances são: O Sargento-mor de Vilar, O Segredo do Abade, O Balio de Leça, A Última Dona de S. Nicolau, Um Motim de Cem Anos, O Filho do Baldaia, A Caldeira de Pêro Botelho, El-Rei Dinheiro, O Génio do Mal. Também escreveu alguns contos muito belos. 
Foi um dos escritores que mais nos agradou ler. 


Reconstrução da Muralha Fernandina junto ao antigo Convento de Santa Clara.


Neste mesmo prédio esteve instalado desde fim do século XIX o Dispensário D. Amélia, construído a expensas dos portuenses, e que teve uma grande ajuda do Real Velo Club do Porto, como se pode ver no lançamento de 16/1/2014. Mais tarde foi o Instituto Ricardo Jorge.

Porto visto em 20 fotos de 360º 

Subsídio para o estudo artístico do Convento de Santa Clara 

4 comentários:

  1. Olá
    Ora cá está um post, no mínimo...docinho.
    Excelnte o link do Porto a 360 graus.

    Cumprs
    Augusto

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  2. Muito obrigado. Verá outras doçuras brevemente.
    Cumprimentos,
    Maria José e Rui

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  3. Bom dia, possui mais alguma informação sobre o Dispensário D. Amélia / Hospital de Santa Clara?
    Cumprimentos,
    Jennifer

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  4. No momento só sabemos o que publicámos
    Cumprimentos

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