segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

CONVENTOS DE RELIGIOSAS- VIII

3.12.14 – Convento da S. Bento de Avé Maria - IV



“Atributo da dignidade abacial, este báculo de prata dourada é um magnífico exemplar de ourivesaria portuguesa. Profusamente decorado, surge como símbolo da importância do seu possuidor e como testemunho da riqueza e poder do convento.
A profusa decoração que se expande por toda a peça inspira-se nos motivos maneiristas das ferroneries e enrolamentos de finais do século XVI. O fragmento que liga o nó à base é ornamentado com cariátides e cartelas enroladas nas quais se aplicaram quartzos e vidros coloridos engastados.
Na face exterior de uma pequena voluta que pende do enrolamento da croça foi aposto um brasão, cuja leitura heráldica tem levantado várias questões não só na identificação do encomendante e doador como também na atribuição correta da data da sua feitura, na ausência de qualquer registo documental. Se para alguns autores, será o brasão das famílias Ataídes e Aguiar, relacionando a peça à abadessa D. Guiomar de Ataíde (1578/1612), outra leitura toma estas como as armas das famílias Ferreira e Azevedo, associando assim esta alfaia à abadessa D. Maria Conceição de Azevedo (1694/97).
No sentido da missão pastoral da abadessa, o Báculo segue todos os requisitos da sua tipologia de bastão, com uma vara dividida em anéis sobrepujada por nó a terminar numa croça em voluta.
A complexa estrutura decorativa que apresenta sugere de base um programa iconográfico doutrinal sintetizado na Anunciação do nascimento de Cristo, na Sua morte redentora, na fundação da própria Igreja e na disseminação da Sua Palavra.
O tema da Anunciação surge no interior da voluta da croça com as figuras em vulto do Arcanjo São Gabriel e da Virgem Maria, encimados no exterior da mesma pela albarrada que conteria as flores simbólicas da virgindade coroada pela pomba do Espírito Santo, numa clara alusão à evocação do orago do Mosteiro de São Bento de Avé Maria.
O nó, de estrutura arquitetural organizada em dois registos, com entablamentos sobrepostos e duas ordens de edículas. No registo superior e em cada uma das edículas surgem figuras de anjos sustentando os emblemas da Paixão de Cristo: a cruz, os pregos, a lança, a escada e o martelo.
Nas edículas do registo inferior são representados São Pedro, São Paulo e os quatro Evangelistas.
A sua apresentação museográfica é complementada com parte de um núcleo de peças provenientes da demolição deste convento para a construção da atual Estação do Caminho de Ferro de São Bento, expostas na zona exterior do Museu, antiga cerca do Palácio dos Carrancas.
Retirado do texto de Maria de Fátima Pimenta, conservadora da coleção de Ourivesaria do Museu Nacional de Soares dos Reis”.


Santa Gertrudes, abadessa beneditina

De três em três anos, quando da eleição das novas abadessas, realizavam-se os chamados Outeiros ou Abadessados para os quais eram convidados familiares e amigos das freiras e internas, figuras da sociedade e poetas famosos desse tempo. Eram uma espécie de serões culturais, que duravam três noites e terminavam altas horas da madrugada. A eles assistiam muitas pessoas e sobressaíam poetas repentistas. Camilo, Guerra Junqueiro, Xavier de Novais, Alberto Pimentel, Guilherme Braga e tantos outros eram costumeiros destas diversões.
“As freiras velhas e as juvenis educandas davam os motes, os doces e os vinhos; os poetas bebiam o vinho, comiam os doces e glosavam os motes; e quanto mais depressa tudo isso faziam, tanto mais eram admirados”. Punham-se luminárias nas janelas e a festa durava três dias e três noites consecutivas. Fora de portas, no pátio, o público aplaudia os poetas e regalava-se com as muitas iguarias que as criadas do mosteiro serviam”. In livro Porto Desaparecido.


O Dr. Artur de Magalhães Basto refere um episódio entre uma freira e o poeta satírico Faustino Xavier de Novais. Aquela lançou o mote:

No açafate da costura
Se escondeu agora amor.

De imediato Faustino responde:

Se eu pudesse em noite escura
Ser por ti agasalhado,
Dormia mesmo enroscado
No açafate da costura;
E se lá dessa clausura
Fora me quisessem pôr, 
Tu dirias: não senhor
Não toquem nesse cestinho
Que lá dentro, encolhidinho,
Se escondeu agora amor.

Entre os vários poetas concorrentes fazia parte um mestre-escola menos feliz nas rimas. Foi-lhe dado o mote e ele retirou-se um pouco para pensar o seu madrigal. Porém, não lhe ocorrendo a versalhada pegou nuns rolos de cera e, acendendo-os, pretendeu escrever a sua resposta. Tanto demorou que começaram as risadinhas e zombarias. Perdendo a paciência o espontâneo Faustino atirou: 

Senhoras, peço e requeiro 
Que se apaguem já os rolos;
Não sejamos todos tolos,
Aliás d’aqui m’esgueiro…
Quem não pode um verso inteiro
Reter na sua memória,
Conte p’raí uma história,
Ou lenda de feiticeira,
Ou diga, então, quanta asneira
Reprimiu c’oa palmatória.


In Livro Porto Desaparecido 

Deste importante abadessado, dá-nos o escritor Firmino Pereira uma viva descrição:




Foi neste convento que se “inventou” o delicioso Toucinho do Céu, que, de tão apetitoso, passou a fazer parte das mesas mais requintadas e ricas da cidade. Também os doces com gemas de ovos eram a sua especialidade pois as freiras usavam as claras para engomarem os seus hábitos. Também ficaram famosos os rebuçados de limão e rosa, “quadradinhos no molde e apetitosos na transparência facetada de topázios orientais”



Construção do túnel D. Carlos I, terminado em 1893. O ramal ligava Campanhã ao local onde esteve o destruído Convento de S. Bento de Avé Maria. Foto Alvão.


Chegada do primeiro comboio à futura estação de S. Bento em Novembro de 1896


Início das obras da Estação de S. Bento – a primeira pedra foi lançada por D. Carlos em 22/10/1900 e as obras começaram em 9/11/1903 - foto Emílio Biel


Anos 20 do século XX


Estação de S. Bento – Foto Beleza - Sobre esta estação trataremos em pormenor num futuro capítulo.



“Relíquias do Convento de S. Bento de Ave-Maria 
No sábado anterior a este, num breve passeio pelo Porto aproveitei para atravessar a ponte D. Luis I e captar uma imagem mais de perto dos arcos que pertenceram ao demolido Convento de S. Bento das Freiras, no local onde está agora a estação de S. Bento.

Contudo ainda não me tinha disposto a coloca-la aqui pois que queria mostrar esta juntamente com uma fotografia antigas em que os arcos se vêm muito bem.

Visitando, como diariamente faço, o facebook do Porto Desaparecido, constato que a foto que queria aproveitar está ai inserta!
Ora bem, pensei eu... facilita-me o trabalho e dá-me o impulso que precisava para colocar então aqui a minha foto para que possam comparar com a do local original daquelas estruturas!

Que pena que tantas outras pedras não tenham tido este fim....” 
In Blogue A Porta Nobre - 2013

1 comentário:

  1. Olá

    Pena mesmo não se terem aproveitado outras materiais para que se pudesse perpetuar este convento entretanto desaparecido....

    Cumprs
    Augusto

    ResponderEliminar