sexta-feira, 17 de abril de 2015

OUTROS EDIFÍCIOS PÚBLICOS - VII

4 . 9 – Paço Episcopal - II



D. António Barroso nasceu a 5 de Novembro de 1854, em Remelhe, Barcelos, e faleceu a 31 de Agosto de 1918, no Porto. Em 23/5/1899, foi oficialmente nomeado bispo do Porto, como sucessor do cardeal D. Américo. Com a proclamação da República, em 1910, por efeito da Lei de separação do Estado e da Igreja de 1911, foi obrigado a abandonar o Paço, no Terreiro da Sé. Nesse ano, quando foi dada a conhecer a «Pastoral do Episcopado Português», em que se afirma desacordo com alguma Legislação do Governo, reaviva-se a luta anticlerical. Os governadores civis proíbem a leitura dessa pastoral, mas o Bispo do Porto ordena que seja lida nas missas. Por essa desobediência são presos dezenas de párocos, e ele próprio foi preso e levado, sob custódia, a Lisboa. Foi proibido de viver na Diocese do Porto pelo que foi forçado a residir no Colégio de Cernache do Bonjardim e depois em Remelhe, Barcelos, sua terra natal. Regressou ao Porto em 1914 por força da Lei nº. 114 que lhe concedeu a amnistia. Em 1917 voltou a ser exilado, por alguns meses. Regressado em 1918, faleceu em 31/8/1918 na Quinta de Sacais.

D. António Barroso - biografia por José Adílio Barbosa Macedo
http://www.remelhe.bcl.pt/docs/D%20Antonio%20Barroso_Biografia&Bibliografia.pdf


Nota de 10 Angolares com a efígie de D. António Barroso

“Por morte do Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva (21-1-1899), o Núncio Andrea Aiuti enviou ao Secretário de Estado do Vaticano informações sobre o que constava relativamente ao seu sucessor. A escolha de D. António Barroso ficou a dever-se muito à intervenção deste Núncio, que, por telegrama de 27 de Janeiro de 1899, comunicou ao referido Secretário de Estado que a nomeação: «[foi] acolhida com entusiástica satisfação pelo clero e pelo povo, bem como pela imprensa toda. Este Prelado terá uma entrada triunfal no Porto, quando para lá for. Tem justificada fama de ser homem apostólico, eclesiástico destemido e cheio de zelo e bispo que apoia e ajuda qualquer instituição. É inteligente, de boas maneiras e fala bem em público. 
O historiador Joaquim Veríssimo Serrão refere algumas situações de vexame por que passaram alguns bispos portugueses nos primeiros anos da República. Assim, D. Sebastião Leite de Vasconcelos, bispo de Beja, foi destituído das suas funções em 1911 e vítima de uma acusação infamante que o impediu de voltar à diocese. No ano seguinte, foi a vez de D. António Barbosa Leão  (futuro Bispo do Porto) ser expulso da sua diocese do Algarve, «vendo-se obrigado durante dois anos a viver de esmolas». 
Mais humilhante foi – no entender do ilustre professor – a situação de D. António Barroso, que foi alvo dos maiores vexames quando, em Abril de 1911, foi convocado por Afonso Costa. «Viu-se depois forçado a viver fora da sua diocese e sujeito a um processo por ter visitado, em 1913, a freguesia de Custóias, no concelho de Matosinhos». De facto, a “grave” acusação feita a D. António, em 12 de Junho de 1913, foi, a de se ter deslocado a Custóias, nos subúrbios de Matosinhos, diocese do Porto, infringindo o decreto de 7 de Março de 1911, para ser padrinho de baptismo, em representação do papa Pio X, de um filho do Dr. Sebastião dos Santos Pereira de Vasconcelos e Maria Joaquina Leão Pestana e Vasconcelos. D. António Barbosa Leão descreve assim a atitude do Bispo do Porto ao enfrentar a barra do tribunal: «chamado aos tribunais, não se perturbou: lançou sobre o peito o crucifixo, companheiro inseparável dos seus trabalhos apostólicos, e disse com toda a confiança: Vamos lá, Senhor. Convosco irei alegre para o cárcere ou para a morte». Em carta ao Encarregado de Negócios da Nunciatura, enviada na véspera do julgamento, escreve D. António Barroso: «absolvido ou condenado, ficará sempre o exemplo de que não deve haver medo dos tribunais quando se defende uma causa justa. Estou contente.» Informa ainda Veríssimo Serrão que «quando da sua morte, em 31 de Agosto de 1918, a imprensa cobriu de justos louvores a sua figura de homem e de missionário, a que muitos comentadores acrescentaram a virtude do martírio pelos agravos que recebera nos primeiros anos da República". In Boletim de D. António Barroso


Palacete da Quinta de Sacais

Em 24 de Março de 1914 uma comissão de senhoras gradas do Porto assinou um contracto de arrendamento do palacete e quinta de Sacais para a instalação do Paço Episcopal e residência de D. António Barroso, tomando o compromisso do pagamento da renda e outras despesas. Este palacete pertencia, ao tempo, aos irmãos António e Francisco Borges, fundadores do portuense Banco Borges & Irmão, nacionalizado em 1975 e comprado pelo BPI em 1989. D. António Barroso ocupou-o até à sua morte em 31 de Agosto de 1918.


“Como missionário e missiólogo, António Barroso situa-se entre os mais notáveis da história portuguesa, seja nas primeiras e determinantes aventuras do Congo (1880), seja como incansável Prelado de Moçambique, seja como resistente construtor da comunhão em Meliapor (Índia). Com toda esta experiência evangelizadora de autêntico herói da Pátria, que muito amava, é escolhido para Bispo do Porto (1899). A bondade fraternal e a firmeza militante da sua condução pastoral conquistaram os portuenses. Quando se vê na necessidade de enfrentar o prepotente Afonso Costa, como ditador e perseguidor da Igreja, mostra a nobreza de carácter e a dignidade ponderada. A corajosa frontalidade não se situa na recusa do novo regime republicano, aliás acolhido como legítima autoridade. A mover a reacção plena de dignidade do Bispo do Porto estão critérios de injustiça praticada para com a Igreja. Combate pela liberdade religiosa, com a grandeza de coração norteadora das suas atitudes solícitas pelo bem das comunidades...
Decorridos três anos de exílio, surgiu no Parlamento a proposta de levantar a proibição de D. António Barroso viver na sua diocese. Como deputado, o Dr. António Augusto Castro Meireles (futuro Bispo do Porto) recrimina a violência da condenação ao exílio de um herói da Pátria, apelando para o carácter ilimitado da pena, proibida pela Constituição em vigor. Seria outro padre parlamentar, Rodrigo Pontinha, a apresentar a proposta em 14 de Março de 1914. 


Assim, devido a diversas intervenções, pôde voltar ao Porto, ao cair da tarde do dia 3 de Abril de 1914. No dia seguinte realizou-se um Te Deum de acção de graças, na Catedral, engalanada pelo armador Alberto Pereira. Muitos choravam de alegria ao ouvir de novo a voz do Pastor a quem amavam. O bispo agradeceu a recepção tão afectuosa e defendeu a urgência de radicar em todos a harmonia e a paz. Manifestou reconhecimento pelas visitas a Remelhe, pela dedicação de todos no serviço obediente, durante a sua ausência.
Evitou, contudo, qualquer manifestação com esta entrada quase furtiva. Mas mal o povo conheceu este regresso ansiado fez romaria à volta do palacete de Sacais, preparado para residência episcopal. Os jornais do Porto, como A Ordem, que classificava a recepção como «espectáculo deslumbrante e verdadeiramente esmagador», e O Primeiro de Janeiro, noticiaram estes gestos festivos de todos os grupos sociais e organismos católicos, sublinhando o clima de festa e euforia. O Comércio do Porto, ao longo de vários dias, manteve a crónica das filas de gente que queria cumprimentar o seu bispo.
Perante tantas provas de dedicação e expressões extremamente afectuosas, D. António sentiu a necessidade de escrever ao Núncio, em 15 de Maio de 1914, para relatar a impressão que lhe causaram tantas provas de fidelidade dos diocesanos. Mas não interpreta a seu favor toda esta simpatia. E anota: «foi outro, porém, segundo penso, o calor que animou e deu vulto ao entusiasmo com que fui recebido [...] o calor da sua fé religiosa, que explode em assomos de vitalidade perante o despotismo que se pretende exercer na consciência católica».
Entre as muitas saudações pelo regresso pode assinalar-se a da revista Lusitânia, dirigida pelo Dr. Francisco de Sousa Gomes Vellozo, do Porto. A 1 de Junho de 1914 assim se expressava:
«Ei-lo que volta para alegria da caridade e bom ânimo dos soldados! Traz do exílio mais brancos os cabellos, e sente-se que não foi debalde que o látego violento da perseguição odiosíssima silvou no ar sobre a sua cabeça altiva de Bispo portuguez!
Há todavia na sua face o mesmo sorriso afável e bom que atrahe os corações e na luz dos seus olhos vibra ainda a scentelha fina do brilhantíssimo espírito que o tom firme da voz também revela...»
O venerando bispo, de 60 anos, estava muito envelhecido pela amargura do desterro. Mesmo assim não esmoreceu na sua actividade pastoral…
Em carta para Luís de Almeida Braga (13-4-1916) elogia a coragem da sua conferência pronunciada na Associação Católica do Porto, com alegria de ver um novo defender com assombro o que «muitos guardam recatadamente no seu foro íntimo, mas sem coragem de os exteriorizar». Por isso olha com esperança para o futuro apesar do quadro negro com que depara: «nem tudo são tristezas nesta babélica anarquia intelectual e moral que agita e desorienta os espíritos nas sociedades hodiernas e designadamente na portuguesa..
A 19 de Fevereiro de 1917, António Barroso redige o seu testamento. Aí testemunha com evidência a sua pobreza evangélica: «Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer, em obediência e acatamento às sábias leis da Santa Igreja católica. Por isso, e salva a liturgia, quero que o meu funeral seja o mais pobre possível.” In SNPCultura



Exéquias, na Sé, de D. António Barroso

Inventário do Paço Episcopal do Porto em 1911 - Manuel Joaquim Moreira da Rocha





O seu sucessor, D. António Barbosa Leão, apoiado por uma subscrição dos fieis da cidade, adquire, aos herdeiros dos Marqueses de Monfalim, a Casa da Torre da Marca para aí instalar a residência Episcopal. Assim, desde os finais de 1919 até 1964 esta foi ocupada por D. António Barbosa Leão, D. António Augusto de Castro Meireles, D. Agostinho de Jesus e Sousa e D. António Ferreira Gomes, e aqui funcionaram também os serviços da Cúria Episcopal.

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