terça-feira, 16 de julho de 2013

RELIGIÃO QUE PROFESSAM - II

3.3 - Religião que professam - II

Natal no Porto


De várias leituras referentes às tradições do Natal de fins do séc. XIX resumimos o seguinte:
Pela época de Natal chegavam ao Porto grupos de gaiteiros que animavam as ruas com as suas gaitas de foles engalanadas com franjas vermelhas. Eram seguidas da rapaziada aos saltos e brincadeiras e o povo parava a apreciar. Um facto que caracterizava este tempo eram as Boas-Festas, dadas por diversos rapazes, que em grupo visitavam os cafés e os estabelecimentos pedindo a consoada, e cantando versos muito engraçadas que faziam rir as pessoas.


Os mercados eram muito movimentados e regurgitavam de flores, aves e verdadeiras montanhas de couves.



As mercearias e doçarias têm enormes quantidades de bolos e pasteis sobressaindo os enormes pães-de-ló de Margaride, feitos no Porto. Estes estabelecimentos presenteavam os seus fregueses de todo o ano com a consoada que consistia num queijo de dois quilos e uma garrafa de vinho fino.


As padarias fabricavam para este dia uns pães compridos, de cerca de um metro, a que vulgarmente se chamam cacetes. Estes pães destinavam-se ao fabrico das rabanadas, que se adoçavam com mel que as mulheres apregoavam pelas ruas.
Às 6 da tarde começavam a fechar as portas dos estabelecimentos de modo que às 8 horas o Porto tinha o aspecto mais triste que é possível imaginar-se, com as ruas completamente desertas e com as portas e janelas hermeticamente fechadas. Só os desprotegidos da sorte, os que viviam isolados ou os estranhos à terra é que se atreviam a sair.


As famílias, nesse dia, normalmente não almoçavam, apenas lanchavam e às oito começavam a ceia da consoada. Esta era só composta por pessoas de família.


e exclusivamente obrigada a peixe, não faltando nunca o tradicional prato de bacalhau cozido com as couves. “Manda-se de presente um costal de bacalhau com quem manda um casal de perús” escreve Sousa Viterbo em 1895. E diz ainda que “hoje o bacalhau vale uma fortuna. A culinária transforma-o nos mais variados acepipes. Os mais pobres contentam-se com bacalhau cozido, ladeado de belos olhos de couve galega e cebolas. Dias antes da festa todas as famílias se preocupavam em lançar de molho o saboroso peixe da Terra Nova”



Os tradicionais doces eram as rabanadas, mexidos, o bolo-rei, bolos de abóbora bolina, pão de ló em forma de coração e orelhas-de-abade. Após 1910 houve quem passasse a chamar ao bolo-rei, bolo de Ano Novo, bolo do Presidente ou bolo do Arriaga. A ceia era abundantíssima bem regada com os preciosos vinhos do Alto Douro.


Após a ceia a família divertia-se com jogos em que predominavam o quino e o rapa, jogado a pinhões ou feijões.


Convento dos Congregados – Joaquim Vilanova – 1833

Neste dia, 24 de Dezembro, os padres Congregados davam um abundante jantar a todos os pobres de cidade. Aos mendigos junto da Porta de Carros, aos envergonhados na sala das aulas e no claustro.


Natal na Igreja de Santa Clara – foto de TAF

À meia-noite seguiam para a missa do galo, vestidos sobriamente e bem agasalhados. No fim era dado o Menino Jesus a beijar. O órgão imitava a gaita-de-foles.


No fim da missa era colocado no presépio a imagem do Menino Jesus. 
Nas igrejas da cidade, no dia de Natal o Menino era deitado numas palhas, no de Ano Novo numa caminha e no dia de Reis já estava a pé.

Páscoa no Porto



Retirámos alguns períodos de um artigos de Artur de Magalhães Basto: “Noutros tempos, percorria de noite as ruas do Porto a procissão de quinta-feira Santa ou das Endoenças ou dos Fogaréus. (A Misericórdia já a realizava segundo um certo rito em 1646. Endoenças significa indulgências, dias de perdão). Os fogaréus eram grandes tigelas feitas de arcos de pipas girando sobre dois eixos afim de poderem suster-se equilibradas sobre a haste. Dentro delas ardiam pinhas para darem bom lume.



Na Igreja e na Casa da Misericórdia, é grande a azáfama. Não tarda e sair a procissão. Lá dentro a escuridão é quase completa..A Igreja, cheia de vultos negros de luto e impregnada de aroma de cera, das flores e dos verdes, tem o aspecto fúnebre, sombrio e trágico de uma câmara mortuária. Morreu Jesus! Numa sala – iluminada por candeias de azeite – distribuem-se lanternas de papel e os altíssimos fogaréus. Noutra fornecem-se aos penitentes as disciplinas – espécie de chicotes de múltiplos rabos, feitos de fio de linho ou de cordel de espinhel, com seus nós, e muitas vezes guarnecidos na ponta com fio de arame ou ferro, tiras de couro com pontas de ferro, outros de pita… Está tudo a postos?



Vai sair a procissão dos fogaréus. Á frente o servente do azul; a seguir a Bandeira da Confraria e logo depois dois capelães, cantando a ladainha. Seguem-se 12 insígnias da paixão conduzidas por 12 Irmãos. Da primeira insígnia até à duodécima vão os “disciplinares”. De um e outro lado seguem centenas e centenas de pessoas que acompanham em massa compacta a procissão. (Após os restantes Irmãos com círios nas mãos) vai o andor com a imagem do “Ecce Homo” – Cristo Nosso Senhor coroado de espinhos, que ainda hoje se pode ver na Igreja da Misericórdia. Atrás segue o andor da imagem de Cristo Crucificado diante da qual marcham o Provedor com a sua vara e os 12 Irmãos da mesa, cada um com a sua tocha. O préstito fecha com a insígnia de Cristo Morto.


A noite negra e triste mistura-se com os clarões rubros dos fogaréus. A procissão dirigiu-se ao Convento de da Avé Maria, em cuja igreja entrou. Vai agora pela Rua do Loureiro acima, atravessa a Rua Chã e de Santo António do Penedo, e entra na Igreja de Santa Clara. Sobe a Calçada de Vandoma e, depois de passar sob o Arco, entra na Sé Catedral. Desce até à Rua Nova onde entre na Igreja de S. Francisco. Trepa pela íngreme Ferraria de Baixo vem dar a S. Domingos. Daí recolhe à Misericórdia já perto da meia noite. Era impressionante! As orações eram entrecortadas de gemidos. Havia prantos e soluços… Realizou a Misericórdia do Porto esta procissão até 1835.




“Referindo-me à Semana Santa lembrarei que (em 1900) é já tradicional o brilho da Festa das Dores, dos Congregados, em que se ouvem os melhores artistas musicais e sobem ao púlpito os mais célebres oradores sagrados. As damas apresentavam-se de mantilha de renda preta na cabeça e que o “Stabat Mater” costumava ser cantado pelos melhores artistas líricos do Teatro de S. João”.




Em fins do séc. XIX, nos dias de quinta e sexta feira Santas o povo vestia-se de luto e apresentava um rosto triste. As senhoras vestiam lindos vestidos de seda pretos e punham ricas mantilhas e vidrilhos pretos no peito. Os homens vestiam fraque e côco e manejavam as suas bengalinhas. Eram os dias de visita às Igrejas com o maior respeito e silêncio. A procissão do Encontro saía da capelinha perto do Aljube e seguia, muito bem iluminada, até à Misericórdia, onde o andor de Nossa Senhora se encontrava com a Imagem do Crucificado.
Na sexta feira Santa saía a majestosa procissão da Paixão com os andores aos ombros dos homens. Debaixo deles seguiam senhoras descalças em cumprimento das suas promessas. Quando, para descansar, os homens pousavam os andores nos descansos, elas tinham de se curvar aguardando o retomar da procissão. Atrás a cavalaria da guarda e a banda. Na semana da Páscoa era costume o Abade da Victória, acompanhado de uma comitiva e sineta, visitar os doentes e entrevados. Seguia depois à Cadeia a confortar os presos e a resgatar uma criança até aos 15 anos, tomando a responsabilidade de o educar e internar num colégio para sua instrução.


No sábado de manhã, sábado de Aleluia, bem cedo, queimava-se o Judas ao som de música e foguetes. Era a alegria do povo pela Ressurreição de Cristo. 
No Domingo de Páscoa, já todos vestidos de cores garridas e cheios de alegria, caminhavam pelas ruas e assistiam à procissão da Ressurreição que saía da Igreja do Carmo.


Ainda somos do tempo em que o compasso saía à rua e visitava todas as casas da paróquia que tinham a porta aberta. Entrava a Cruz transportada por um homem com uma opa vermelha que a dava a beijar. O Pároco aspergia-nos com água benta e desejava Boa Páscoa e muita saúde e paz. 
Hoje, na nossa paróquia o compasso ainda continua a sair, mas devido aos grandes prédios, as pessoas que desejam beijar a cruz descem à rua.





“Mas a Páscoa no Porto não se ficava exclusivamente pela parte religiosa. Passava também pelas ruas mas, sobretudo, pelos mercados da cidade e pelos teatros onde se representavam autos ou dramas sacros, apropriados para a quadra, alusivos a Santo António, ao S. Gonçalo, a S. Sebastião ou Santa Cecília com coros e banda marcial a acompanhar.



Um dos mais animados e concorridos mercados era o que se fazia em frente ao extinto mosteiro de S. Bento da Ave Maria, no espaço da actual Praça de Almeida Garrett, onde afluíam as vendedeiras arrabaldinas do pão-de-ló, das regueifas e do pão doce.


Durante a Semana Santa, por causa do antigo costume de se não consumir carne durante esses dias, o Mercado do Peixe, localizado no sítio onde agora está o Palácio da Justiça, na Cordoaria, registava uma afluência de público verdadeiramente extraordinária.


Muito concorrida também era a antiga Feira do Pão que funcionava na Praça de Santa Teresa, a actual Praça de Guilherme Gomes Fernandes. Ali acorria a cidade inteira nas vésperas do Domingo de Páscoa para se abastecer de pão-de-ló e das regueifas de Valongo, produtos que os consumidores sabiam que haviam sido confeccionados com o trigo cultivado nos campos daquela terra, moído nos velhos moinhos da mesma localidade e com a água também de Valongo, o que dava aos produtos um sabor muito especial. In JN

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