quarta-feira, 20 de novembro de 2013

DIVERTIMENTOS DOS PORTUENSES - XXIII

3.5.9 - Botequins e cafés - II


“Do lado da Praça de D. Pedro, aproveitando as boas caves de abóbada que os padres costumavam alugar a particulares mandou outrossim o mesmo senhorio (Manuel José Duarte Guimarães, brasileiro de torna viagem), ao rés-da-rua abrir portas regulares para estabelecimentos e rasgar mais janelas de varandas a todo o correr do primeiro andar. Depois de concluída a obra de adaptação, é que os botequins, pouco a pouco, começaram a concentrar-se à volta do extinto edifício do Convento dos Congregados, tanto para a banda da praça, como para a de Sá da Bandeira (actual Sampaio Bruno) como ainda para a do Bonjardim (actual Sá da Bandeira). In O Tripeiro, Série VI, Ano IV.


“Como é sabido, este troço de rua, hoje integrado na Rua de Sá da Bandeira, até 1917 ou 18, era uma sequência da Rua do Bonjardim. O que não era sabido, mas ficaram-no a saber os nossos presados leitores, é que antes de ser Bonjardim, foi Rua da Porta de Carros, que assim se denominava, em meados do séc. passado (séc. XIX) esse obliquado e estreito pedaço de rua sito entre o largo de Porta de Carros e Viela dos Congregados.” Idem


Café Guichard – primeira metade séc. XIX –Praça D. Pedro, da 3ª à 5ª. portas da esquina - fechou em 5/2/1857 - por lá passaram Camilo, Sousa Viterbo, Arnaldo Gama, Faustino Xavier de Novais, Alexandre Braga, Soares de Passos e outras intelectuais figuras do Porto.
Artur de Magalhães Basto escreveu: “O Guichard por 1850 era dos botequins o estabelecimento preferido pela rapaziada aliteratada e desordeira, que dali fazia seu quartel general. Isto basta para se calcular quão numerosa seria a clientela desse estabelecimento, sabendo-se que no Porto daquela época grassava entre os jovens a mania da literatura; Gomes de Amorim chamou a essa casa o “Marrare de polimento”. Ocupava , com as suas salas de jogo, todos os andares do prédio. 
Não se vá julgar que houvesse qualquer conforto nesse antro escuro, sujo, com o chão coberto de pontas de charuto e serradura, e o ambiente insuportável, irrespirável de fumo e outros detestáveis cheiros. O que lhe faltava em comodidades, sobrava-lhe porém em animação. Não raro as cadeiras andavam pelos ares; não raro também os copos atravessavam o espaço, iam estilhaçar as vidraças das portas verdes da entrada e abrir as cabeças de quem sossegadamente passava na rua. 
Mistérios - e no Porto?! Que há aí que se não saiba no Guichard? Cada mármore era um “pelourinho”. Todas as misérias íntimas eram ali discutidas, todas as vidas devassadas. Entre Wiskies, conhaques e cafés contavam-se os escândalos da sociedade. Quando nada de novo se sabia, inventava-se: “Os botequins do Porto eram jaulas horrendíssimas” onde viviam os “mastins da difamação”. Mas a maledicência do Guichard era “a vingadora das vítimas do "Palheiro" em particular e da botica em geral.” 
Jocosamente chamavam à sala de convívio da Assembleia Portuense o “Palheiro”, pois tinha o chão forrado com uma “alcatifa” em esparto para maior comodidade dos sócios. Ironicamente, Camilo afirmou desconhecer a razão, mas "como esta palavra vem de palha, talvez fosse para designar o alimento dos que a frequentavam".

"Escreve Firmino Pereira a este respeito: às noites, no Guichard, esses moços da Távola Redonda, escorropichavam copinhos de hortelã-pimenta, declamando Lamartine, Soares de Passos e João de Lemos. Era o botequim dos Alfredos e dos Manricos, de melena revolta e alma ardente de labaredas românticas. Aí se reuniam habitualmente os literatos, os poetas e os românticos que vinham das agitações do cerco e da Patuleia e que, entre um cálice de licor e uma fumaça de charuto, decidiam dos destinos e da arte da política. No Guichard os poetas suspiravam, mas também batiam... e levavam. Nestes tempos de balada e murro, o botequin era o centro de toda a vida portuense. À volta de uma mesa compunham-se odes, combinavam-se raptos e planeavam-se conjuras”. In Cafés do Porto – Maria Teresa Castro Costa. 

Camilo encontrava-se, numa noite, com uns amigos, no café Guichard, do Porto, quando viu entrar certo sujeito. Ergueu-se da cadeira, foi ao encontro dele, abraçou-o efusivamente e exclamou em voz alta:
- Ó Lacerda, ao tempo que te não via!
- V. Ex.ª, Sr. Camilo, deve estar enganado – murmurou o homem, que, como quase toda a gente do Porto, dessa época, conhecia o romancista, não apenas de nome, mas de vista.
- Enganado?
- Com certeza, Sr. Camilo. Porque eu não sou Lacerda: sou Rodrigues.
Logo, Camilo, espantoso de naturalidade:
- Não é Lacerda? Que pena! E eu que precisava tanto de uma rima para mandar a certo sítio um cavalheiro que ali está!


Botequim do Camanho – do lado nascente da Praça de D. Pedro – posterior ao Guichard, 1870 a 1917, lá se reuniam Guerra Junqueiro com a sua inseparável bengala, Rodrigo Salgado Zenha, Camilo, o pintor Francisco José de Rezende e tantos outros famosos artistas, políticos, literatos e cientistas do tempo. Guerra Junqueiro ia frequentemente e era conhecido por sair às 11 horas em ponto, quando ouvia as badaladas da torre da Lapa. O prédio foi comprado pelo Banco Nacional Ultramarino, tendo o filho do fundador, Carlos, mudado, só com a secção de restaurante, para a Rua de Sá da Bandeira nº.39, onde ainda se conservava em 1946. Por cima do balcão vê-se uma escada de acesso às prateleiras cheias das mais variadas bebidas.


Na esquina da Praça de D. Pedro e Sá da Bandeira (actualmente Sampaio Bruno), O Lusitano abriu em 17/4/1853, ocupando 2 portas para a praça e 5 para Sá da Bandeira. Um tal Ribeiro, que tinha tido um botequim em cima do muro, fez obras muito avultosas, gastando mais de dois contos de reis, para transformar uma alquilaria e um forno de pão num dos mais requintados botequins do Porto. Segundo José Fernandes Ribeiro pois "precisava de muitos preparos afim de servir para o que agora serve: soalhos, estuque, pinturas, guarnições, douraduras, escadas, cozinha interior, etc. etc." 


Publicidade exterior em 1895, na esquina da Rua de Sá da Bandeira (hoje Sampaio Bruno) e Rua do Bonjardim.

 Em 15/1/1860 o Lusitano deu origem ao Café Portuense. Muito luxuoso, dos mais notáveis da época, com muitos espelhos e candelabros. “Possuía uma sala especial para as senhoras tomarem os sorvetes que ali eram servidos com apurado requinte. Para se avaliar do luxo desta casa de bebidas basta saber-se que as cadeiras – coisa inobservável no tempo presente se mostravam estofadas a veludo cor de carmesim. Este concorrido botequim, que durante o dia mantinha as mesas sempre ocupadas com os jogos do dominó, do Bóston e do voltarete e á noite era muito frequentado por comerciantes.”.


No mesmo local, abriu, em 1890, o Café Suiço, de Pozzi Cª. Tinha pastelaria no Rés do chão e restaurante e bilhares no 1º. Andar. Foi primeiro café concerto do Porto, proporcionando à sua clientela boa música executada por um terceto de piano, violoncelo e contrabaixo, muito apreciado no Porto. Só encerrou em 1958 e dele nos recordamos perfeitamente.


“Um dos aspectos mais curiosos do Porto é o dos cafés. Enquanto que os restaurantes portuenses são relativamente poucos e deixam muito a desejar, em compensação os cafés são abundantes, muito melhores , mais animados, mais bem servidos e mais baratos do que os de Lisboa. No Porto há vida de cafés propriamente dita, como em Espanha, jogando-se, em todos eles, o dominó. No Suisso e no Lisbonense, todas as noites, artistas de primeira ordem, nos extasiam com músicas deliciosas, desde as composições ligeiras de Lecoq e de Suppé, até aos trechos classicos de Rossini e de Wagner; é o que nos vale; muitas noites de Inverno, entristecidos por termos encontrado três ou quatro enterros, corremos ao café onde se nos desfaz imediatamente a tristeza ouvindo uma encantadora valse de Waldteufel!”. Impressões de um forasteiro do Sul em 1908. 



Foto de Carlos Romão do blog A Cidade Surpreendente 



Foto do blog Do Porto e Não Só

Café Imperial – Fundado em 27/5/1936 – Neste local existiu o Café Central. O Imperial era um dos cafés mais belos e bem frequentados do Porto. Era aqui que vínhamos, nos anos 50 e 60 do passado século, tomar um galão e uma torrada por 4$50. O amplo salão do café estava decorado com grandes espelhos e um friso de gesso de autoria de Henrique Moreira. Ao fundo, por cima do grande balcão tinha um lindo vitral de Leone que representa o ciclo do café. Tinha na cave muitos bilhares. Foi trespassado para uma cadeia internacional, que manteve a decoração. A águia e os alto relevos são de autoria de Henrique Moreira.

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