sexta-feira, 16 de outubro de 2015

RIO DOURO . XIV

6.1.14 - Ribeira, Edital de 1845, Passagens do Rio, "Fúrias do Rio", Passeio dominical no Rio


Desenho de Joaquim Vilanova - 1833 

Na segunda metade do séc. XVIII são abertos arcos no tramo da velha muralha Fernandina, da Ribeira, para facilitar o acesso ao rio. Esta arcaria foi inspirada nas galerias Adelphi, antigos armazéns da zona portuária de Londres que acabaram por ser demolidos na década de 1930.



Gravura de J. G. Martini – 1835 – destaque para a grande quantidade de barcos e comércio na Ribeira

Um Edital controverso em 1845 
Em Julho de 1845, a Câmara Municipal do Porto afixou um edital que se tornou, como quase tudo que é novo, um assunto polémico. Definia onde se poderiam carregar e descarregar os diversos tipos de géneros, ao longo das várias linguetas do cais.
Esse edital determinava:
- que a passagem de gente para Vila Nova [de Gaia] e a estação dos barqueiros para esse efeito seja nas escadas em frente á Ribeira;
- que o desembarque de lenhas, tabuado e mais objectos, seja na lingueta em frente ao postigo da forca e cais da Ribeira até à lingueta da extinta Ponte das Barcas;
- que o desembarque de pão cozido, hortaliças, frutas, cereais, e mais comestíveis, seja desde a dita lingueta da extinta Ponte das Barcas a seguir até as escadas acima, servindo também este local para carregamento dos mesmos géneros;
- para carregamento e descarga dos barcos do Douro destinou a lingueta do cais dos Guindaes até ao assento[?];
- para desembarque das lanchas e barcos do pescado as linguetas e escadas em frente à do assento;
- proibe a atracação dos barqueiros em outros sítios.
A multa é de 600 reis, pela contravenção a qualquer destas mediadas.
A Câmara foi acusada, no Periódico de Pobres do Porto de publicar este edital estando ocultamente ao serviço da empresa da Ponte Pênsil, que se via diariamente com o decréscimo de passantes motivado pelo facto de os barcos de passagem prestarem esse serviço por mor módica quantia.
Rezava assim a acusação:
As nossas Câmaras Municipais e a Ponte Pênsil tem alguma afinidade oculta que não se sabe explicar, mas que por isso não deixa de ser um facto. Quando ela se construiu a empresa fez tudo quanto quis, pregou o maior logro ao público, e as nossas Câmaras serviram sempre os interesses da empresa, representando ou não representado, conforme a ela convinha.


Fez-se a ponte e ela ai está; mas como se procurou pô-la onde ficasse mais barata, e não onde fosse mais útil ao trânsito público, foi ela abandonada pela maior parte dos que passam de uma para a outra margem, e afora os transportes, o maior número prefere os barcos. O resultado foi ficar castigada a empresa pela sua esperteza, diminuindo-lhe consideravelmente os réditos. 
Para remediarem o mal, há muito que mexem a ver se obstam à concorrência dos barcos, até que a Câmara Municipal, cujo principal encargo é promover as comodidades públicas dos vizinhos do concelho, calcando estas, acaba de publicar um edital, ilegal e em que não somente o cómodo público é desprezado, mas em que os interesses de uma classe a credora de contemplação qual a dos barqueiros é muito prejudicada. 
Ilegal, porque não basta para ser legal que uma postura seja aprovada pelo Conselho de Distrito, se ela ofende direitos acobertados pelas leis. Nem o contracto do Governo com a Ponte Pênsil nem a carta de lei que lhe diz respeito, deram à companhia outro monopólio senão o de não poder colocar-se sem seu consentimento outra ponte no Douro em frente da cidade: qualquer outro monopólio a favor da empresa não está consignado no contracto nem na lei, e está fora das atribuições da Câmara Municipal ou do conselho de distrito o estabelece-lo. 
No edital vem ele sorrateiro: a Câmara destina tais e tais pontos do cais para as padeiras, para os barcos de cima do Douro, e para outras coisas; mas por mais que o disfarce, o seu fim é proibir que haja barcos de passagem a certa distância da ponte para obrigar a passar por ela. E tão miseravelmente é encoberto que, e mal redigido, que segundo a sua letra, não podem haver barcos de passagem entre as duas margens nos Banhos e na Porta Nobre!! 
E isto contra repetidas ordens do Governo a que as Câmaras têm obedecido ou bem ou mal, de que não se devem intrometer com o rio ou cais; cuja policia pertence à intendência da Marinha e Obras Públicas. 
O artigo continua pedindo a Câmara que revogue o edital. No entanto, uns dias depois e no mesmo periódico, a Câmara Municipal vem esclarecer toda a situação, que, diz-nos ela, o artigo atrás apenas poderia ser fruto de falta de informação e desconhecimento dos factos. 
A defesa da Câmara evoca que, na realidade, a mesma actuou em respeito ao artigo 120 do Código Administrativo que ordena que a mesma faça posturas e regulamentos para regular a boa ordem e polícia de embarque e desembarques das pessoas e géneros nos cais. Afirma que a medida não visa ofender os direitos adquiridos dos barqueiros, porque estes não os tinham, e se o tivessem teriam renunciado aos mesmos por terem pedido à Câmara que fizesse precisamente esse policiamento, pedido esse que vem também transcrito no jornal; clamando que os barqueiros modernos, em novas passagens criadas, desamparando o seu ofício, escolhem de seu livre arbítrio, sítio para passarem gente, forçando-a até para esse fim. Referem também que a pretensão por parte da direcção da Ponte Pênsil relativa à designação dos locais para os barcos de passagem [ou seja, por aqui se vê que o pedido original vem realmente da empresa que gera aquela travessia...] é também útil a eles! Citando: e mesmo porque nós como barqueiros de profissão estamos obrigados a leis marítimas, o que não acontece com os outros, que com a mais pequena requisição desaparecem. Ou seja, vemos que aqui existe uma "classe" que se encontra devidamente creditada (para usar linguagem moderna) a efectuar um determinado serviço, existindo, como parece insinuar o texto, concorrência desleal por parte de outros barqueiros eventualmente não acreditados como tal. 
Voltando à defesa da Câmara, e em relação ao argumento de os cais serem da responsabilidade da Marinha na pessoa do seu intendente (figura muitas vezes citada nos jornais dos meados do século XIX aquando da altura das cheias como principal actuante e responsável pela segurança dos barcos ancorados no porto); o argumento não colhe pois as ordens do governo respeitam apenas às obras que se fazem nas margens dos rios e não à polícia dos cais e embarques. 
A lei não foi lenta em cumprir-se, e ainda antes do próprio edital ter sido publicado no jornal, umas mulheres foram multadas, abaixo da Ponte Pênsil, no areal próximo onde existia a Ponte das Barcas. Se reincidissem ouviriam voz de prisão... – In Blog A Porto Nobre


A Porta dos Banhos – séc. XVIII ?


Esta foto tem muito que se lhe diga; 
1) A data será anterior a 1865 dado ainda existir a Muralha Fernandina, com a Porta dos Banhos sobre o rio; é anterior a destruição das casas para a abertura da Rua da Alfandega Nova (como era então chamada)
2) Tem uma qualidade espantosa.
3) Está aparentemente tirada do ar. Mas como? Excepto as visitas dos balonistas Vincenzo Lunardi em 1795 e Eugénio Robertson, em 1820, datas em que ainda não havia fotografia, só temos conhecimento de subidas em balão no fim do séc. XIX, quando já não existia a muralha.
4) Perguntamos, donde foi tirada? Terá sido de Gaia e posteriormente muito aumentada? Duvido que já houvesse teleobjectivas. Alguém saberá responder?
5) São bem visíveis a Porta dos Banhos e da Ribeira, a casa ameada da Rua da Fonte Taurina, o Hospital dos Ingleses (a casa junto da Porta dos Banhos para oeste), a Igreja de S. Francisco e dos Terceiros, a Capela de Santo Eloi (dos ourives) que foi apeada quando se construiu a Rua da Alfândega Nova e foi reconstruída pedra a pedra na Rua de Gondarém, na Foz. 


Ribeira vista de Gaia - 1879


Ponte Luis I em construção - 1883 - note-se o grande movimento de mercadorias na Ribeira

Porto Antigo - filme 


Escadas do Codeçal 

Escadas do Codeçal - vídeo 


Memória aos mortos do desastre da Ponte das Barcas, de 1809 – Teixeira Lopes – foto de 1910 – a exposição de fazendas nesta altura não era comum ser tão notada. 
Sobre este tema já tratámos com mais pormenor nos lançamentos de 3/4/2013 e 25/9/2014.


Ribeira – 1958 – ainda existiam as tristes barracas de vendas perto da Ponte Luis I


Foto Manuela Valente


Ribeira e Rio Douro vistos da ponte Luis I


Comércio na Ribeira – fins séc. XIX/ início do XX


Porto visto de Gaia - foto do séc. XIX - navios transportadores de vinho 



Chegada da Família Real para as Comemorações Henriquinas – 4/12/1894 

Ribeira, Porto, vida junto do Rio Douro – filme antigo 


Escadas das padeiras de Avintes - 1900


Cais da Ribeira - 1908



Porto – 100 anos – vídeo com fotos





Famílias preparando-se para um passeio dominical no Rio Douro

“Em tardes e noites mais acaloradas, os convivas divertiam-se nas chamadas “Fúrias do Rio”, nome mítico que se dava aos amenos passeios pelo rio, em barcos cobertos de toldos, jogando, comendo e deleitando-se ao som da música instrumental” Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva em O Tripeiro, Série VII, Ano XXIV, Nº.5 

“Durante o verão o folguedo predileto das famílias abonadas eram as merendas e os jantares pelo rio acima, a Quebrantões, ao Freixo, à Pedra Salgada, à Quinta da China. Aos Domingos, depois da missa primeira, o patrão trazia da feira do Anjo a provisão das laranjas e dos pêssegos de Amarante, um melão afiançado, e a indispensável melancia. Um cesto levava as frutas, outro cesto maior e mais abarrotado, coberto pela alvejante toalha de linho de Guimarães levava os talheres, o alguidar de arroz de forno com o pato e o salpicão, a pescada frita, os grossos “moletes” de Valongo e a borracha atestada de vinho maduro da Companhia do Alto Douro. Fretava-se um dos grandes barcos de Avintes, remado por mulheres, um tanto escalavrado, destingido pelas solheiras, semelhante do aspecto da madeira e do cordame a uma velha nora descida para a água de uma horta ribeirinha, cheirando a broa fresca a cebolinho e a feno. A família toda – o marido, de calça de ganga e chapéu-de-sol, a mulher, os filhos, a criada com roupinhas minhotas e os dois marçanos, em chinelas de bezerro compradas nas Congostas, camisa de linho caseiro, niza de briche e chapéu braguês de copa alta e aguda – tomavam metodicamente assento à ré, sob o toldo branco, rusticamente armado em varas de pinho, como um parreiral suspenso. Os açafates com os víveres eram depostos à proa… Pela noite os que, tendo ficado na cidade, tomavam o fresco na alameda das Fontaínhas, viam em baixo na água túmida e glauca, polvilhada de ouro pelo reflexo das estrelas, deslizar de volta as barcas das musicatas, iluminadas das lanternas à veneziana, lentas, misteriosas”. Ramalho Ortigão – Porto 1850


Família em pic-nic no Palácio de Cristal – 1940


Ribeira - 1865



Repare-se bem nos remendos da vela

Douro – Faina Fluvial – documentário de Manuel de Oliveira


Areínho de Gaia


Foto tirada, possivelmente, do morro de Gaia – o selo é do Senegal

Ribeira há mais de 100 anos 

5 comentários:

  1. Olá
    Outros Tempos, outras Gentes, outras histórias com os seus enigmas.
    Obrigado
    Cumprs
    Augusto

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  2. Bom dia,

    Queria perguntar onde encontrou o desenho de Joaquim Vilanova de 1833 que aparece no início do post. Não o conseguí localizar no arquivo digital da Casa do Infante.

    Muito grato desde já.

    Cumprimentos,
    Roger Prieto

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  3. Boa tarde,
    Já não me recordo, pois já foi há vários anos.
    Cumprimentos
    Rui Cunha

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  4. O desenho de Vilanova é o n.º 96 do «Album de Desenhos de Joaquim Cardosdo Vilanova» publicado em 1987 pela Biblioteca Municipal do Porto.
    Cumprimentos
    Antero Leite (A.C.E.R.)

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