3.5.12 - Queima das fitas e Orfeão Universitário do Porto
Estudantina Académica do Porto – 1897
“Como se sabe, é em pleno século XIX que se começam a implantar instituições de ensino superior na Cidade Invicta.
A génese das tradições portuenses está intimamente ligada à importação do maior símbolo dos estudantes (até essa altura exclusivo de Coimbra): o Traje.
Tenha sido por uma questão de inspiração, vontade de legitimidade académica ou pura consequência da mudança para o Porto de alguns estudantes portuenses de Coimbra, o que é claro é que o Traje começa a aparecer no Porto aos poucos.
De facto, em 1858, estudantes da Academia Politécnica fazem uma requisição ao Governo para usar Capa e Batina à semelhança dos estudantes de Coimbra. (Cf. O Tripeiro, vol. 1958/59, pág. 196.)
- Em 1895 o Conselho Escolar da Academia Politécnica discute o pedido dos alunos das Escolas Superiores para ser decretado o uso obrigatório da capa e batina. O Conselho decide considerar o vestuário dos alunos indiferente.
Últimos finalistas da Escola Médico-Cirúrgica do Porto – 1909/1910
Há fotografias de turmas do Liceu em que todos os alunos aparecem de Capa e Batina:
Destes relatos consegue-se identificar algo deveras curioso: o facto dos estudantes portuenses terem decidido por maioria usar, além da capa e da batina, "uma fita na lapela, da cor da respectiva Faculdade". Parece-me a mim, estar aqui presente, quiçá, a génese das tão portuenses Sementes e Nabiças. Sendo isto provável, então podemos traçar as origens destas insígnias ao período entre 1901-1916. É de todo aceitável presumir que estas fitas na lapela tenham passado para o bolso da Batina, continuando a servir o seu propósito primordial de identificar a Faculdade através da sua cor e, com o passar do tempo (surgindo uma diferenciação entre insígnias, surgindo duas diferentes: semente e nabiça) passassem também a distinguir dois patamares académicos diferentes (anteriores ao Grelo e às Fitas).
3º. ano da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto - 1922 - fundaram o jornal Porto Académico
É neste período, inícios dos anos 20, que se assiste a um enorme fulgor da Academia Portuense sendo prova disso a disseminação do uso de Capa e Batina, a reorganização da Associação dos Estudantes, a criação do jornal "Porto Académico", o período áureo do Orfeão e da Tuna, etc...
Ao contrário do que se pensa, a Queima das Fitas no Porto não é muito mais recente que a de Coimbra. Aliás, já anteriormente a 1920 os finalistas de Medicina faziam a chamada "Festa da Pasta", tal como se comprova por artigo do Jornal de Notícias:
""Levados da breca – A ENTREGA DAS PASTAS – Tradição Académica. São sempre cheias de espírito e de entusiasmo as festas que os nossos quintanistas de Medicina todos os anos realizam como comemorativas da entrega da pasta aos camaradas do quarto ano.”” (in Jornal de Notícias, 30 de Maio de 1920).
Deduz-se, portanto, que por esta altura já existia uma festa tradicionalmente académica que consistia na passagem da Pasta dos que finalizavam a vida académica e o seu curso para aqueles que chegavam a essa recta final. Uma descrição mais pormenorizada encontra-se no jornal "Primeiro de Janeiro":
“”Às 9 horas: saiu da Escola (Médica – note-se que já desde 1911 esta estava constituída como Faculdade da Universidade do Porto) um grupo de Zés P’reiras e gaiteiros que percorreram as ruas próximas, fazendo um barulho ensurdecedor, barulho que aumentou consideravelmente com o estralejar de foguetes.
Às 13 horas: saíram da Escola muitos estudantes acompanhados de duas bandas de música, a do Terço e a do Internato Municipal, dirigindo-se para o Cais da Ribeira a fim de aguardar o inventor da «Sanocrisina» e a sua comitiva. No cais da Ribeira juntou-se muito povo que ria com as falécias dos rapazes e o bom humor mais se evidenciou quando, após uma curta demora chegou ao cais um caiaque do qual desembarcaram quatro académicos que representavam o inventor da «Sanocrisina» e sua comitiva.
Houve abraços, cumprimentos, grandes chapeladas, muitas palmas e tratou-se da organização do cortejo, que seguiu pelas ruas de S. João, Mouzinho da Silveira, Praças Almeida Garrett e da Liberdade, ruas dos Clérigos, Carmelitas, Universidade, ingressando na Faculdade de Medicina. O átrio foi a sala de recepção. Ali se deram as boas vindas e seguidamente, o grande inventor usou da palavra para expor o que era o célebre medicamento, isto entre a gargalhada dos estudantes e do numeroso público que assistia. Depois falaram ainda outros oradores, recebendo todos muitos aplausos. Terminada esta cerimónia realizou-se a outra. A entrega das pastas e dos grelos e a emancipação dos caloiros que decorreu também cheia de alegria e com toda a solenidade. Depois... o tradicional copo d'água. Vinho, tirado ali do pipo, boroa, azeitonas e iscas. Este número foi o de maior sucesso, pois os académicos em pouco tempo viram o fundo ao pipo e aos pratos. Foi uma verdadeira razia! Assim acabaram as festas dos estudantes de Medicina que tiveram, de facto, muita graça. O edifício da Escola, estava vistosamente engalanado com bandeiras de papel.”” (in O Primeiro de Janeiro, 10 de Maio de 1925)
Depois destes pródigos anos 20, o período dos anos 30 que lhes seguiu foi, sem dúvida negro.
Finalistas de Medicina – 1927
Em 1928 a Faculdade de Letras (politicamente indesejável) é extinta pelo governo da Ditadura (continuaria a funcionar até 1932 só para permitir aos alunos inscritos que terminassem os seus cursos); o Orfeão e a Tuna desaparecem em 1930, no rescaldo de sérios confrontos entre estudantes e a polícia, de que resultou a morte de um académico; o Porto Académico deixa de se publicar também nesse ano de 1930; a Associação Académica é extinta por despacho ministerial de 24 de Novembro de 1932. Os organismos que tinham sido os grandes bastiões da vida académica, e até uma das cinco faculdades da Universidade, desapareciam.
Excursão dos novos quintanistas de 1927 da Faculdade de Medicina do Porto no dia seguinte a terem recebido as Fitas
Excursão escolar dos alunos do Liceu Alexandre Herculano - 1929
Um mapa com as localidades visitadas pode ser visto aos 9m34s. Por este mapa pode ver-se que
foram para Sul, passaram em Coimbra e desceram até ao Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, Castelo Branco, Covilhã, regressando ao Porto pela Beira Alta.
De realçar a grande implantação da capa e batina no Liceu Alexandre Herculano nesta época.
Esta actividade, que no início se cingia apenas à Faculdade de Medicina, com o passar dos anos acabou por tomar uma relevância tal, que outras Faculdades lhe aderiram.
""Uma boa notícia para a academia foi ontem largamente espalhada devendo hoje ser confirmada pelos factos: hoje, da parte da tarde, realizam-se em todas as faculdades a festa da Pasta. Está assim aberto o caminho para uma união ainda mais completa da academia universitária portuense, para, à semelhança da de Coimbra, realizar uma «Queima das Fitas» que, pela sua grandiosidade e imponência traga um maior prestígio à nossa Universidade e, portanto, implicitamente ao Porto. Já lá vai o tempo em que era corrente ouvir que só em Coimbra havia ambiente académico e alma de estudante; hoje a nossa academia universitária está resolvida a desmentir por completo essa ideia no conceito público. Assim, sabemos que para o ano se projecta a formação de uma comissão central, logo desde o princípio do ano, bem como a de várias comissões, uma parte para cada faculdade, de forma a levar ao mesmo sentido todos os esforços a fim de dar à Queima das Fitas da Universidade do Porto uma forma e brilho superiores à de Coimbra, isto sem bairrismo, já se vê...""
(in Jornal de Notícias, 14 de Maio de 1943)
Eis, pois, preto no branco, confirmada a individualidade das Tradições Académicas Portuenses!
Logo no ano seguinte, em 1944, realizou-se uma Missa da Bênção das Pastas na Igreja dos Clérigos no dia 3 de Maio, e observa-se a utilização simultânea dos dois termos:
“”Os estudantes do Porto (...) cumprindo as praxes, realizaram ontem (dia 12 de Maio), em arraial luzidio, barulhento, alacre, a Queima das Fitas, a tão célebre e popular Festa das Pastas.””
(in Jornal de Notícias, 13 de Maio de 1944)
Está registado, neste artigo, um pedaço importante de história, em que, numa quase imperceptível transição, usam-se os termos "Festa de Pasta" e "Queima das Fitas" como sinónimos.
Em 1945, deixa-se definitivamente de utilizar o termo "Festa da Pasta" e passa-se a falar na "já tradicional" festa da "Queima das Fitas", comprovado pela edição de "O Primeiro de Janeiro" de 19 de Maio de 1945.
Está visto que não se pode falar numa primeira "Queima das Fitas" do Porto, mas sim dizer que é a partir desta altura (e não de um ou outro ano) que esta assume os contornos mais actuais. As raízes da Queima é que se podem ir buscar anteriormente a 1920, mais precisamente à "Festa da Pasta".
1949
Bênção das pastas por D. António Ferreira Gomes – 1958
Numa evolução normal, a Queima processa-se com toda a naturalidade até 1971. Em Coimbra, no entanto, esta desaparece em 1969, ano em que é decretado o "Luto Negro".
No Porto, continua-se a gozar a alegria suprema da semana da "Queima" até 1971, ano em que surgem maiores contestações e esta deixa de se realizar até 1978.
"Até 1978, o deserto... Inclusive, as novas condições políticas levaram a que houvesse um certo receio de retaliações, porque as forças mais activas dessa época consideravam as manifestações de cariz académico tradicional como "reaccionárias".
Mas, neste ano, um arranque bem forte faz com que as velhas "Tradições Académicas" apareçam à luz do dia mais limpas da lama que as cobria desde há alguns anos. Ouviam-se impropérios, receberam-se frutas podres, pedras, etc., mas não se parou. A "Mini-Queima" - como ficou conhecida a de 1978 - foi o primeiro passo para o reatar das Tradições, que até hoje não pararam de crescer, em aderentes e entusiasmo." (in QVID PRAXIS? (PORTVCALENSIS), Cabral, Manuel e Marrana, Rui; Porto, 1982, AEUCP)
Finalistas da FEUP – 1980
No ano seguinte (1983), vencidos os receios sentidos por muita gente, realiza-se uma Queima mais alargada. Surgem duas comissões organizadoras, uma que congregava elementos da FCUP, FPCEUP, FEP, FCNAUP e do ISCAP, que apresentou a ideia da "Semana da Academia" e uma outra, composta por elementos da FEUP, FMUP, FFUP, FMDUP e ICBAS que formavam a comissão intitulada de "Secretariado da Queima das Fitas Tradicional". Só a última singrou. A primeira acabou por se afundar com os organizadores, "nos pantanais do sectarismo político".
O "Secretariado da Queima das Fitas Tradicional" desde logo contou com a adesão de uma grande maioria dos académicos. Na conferência de imprensa que realizaram, afirmaram:
""Estudantes que somos de uma Academia velha de décadas e rica de tradições e valores, rejeitamos a ideia de que fazer-se tradição seja fazer-se política, como reprovamos a actuação daqueles que, hoje, mais espalhando este conceito, ontem se aproveitaram das tradições para a promoção dos seus ideais (...)""
(in O Primeiro de Janeiro, 5 de Maio de 1979)
E nesse ano, lá saíram para a rua os carros alegóricos decididos a reatar a tradição, tendo tido já muita gente de todas as condições a vê-los passar e a manifestar o seu apoio.
A Missa da Bênção das Pastas desse ano foi efectuada na Igreja dos Clérigos, tendo sido celebrada pelo Rev. Prof. Doutor Bernardo Xavier Coutinho, que na missa disse aos estudantes:
""O que se está a realizar hoje não é uma alienação. Somos conscientes, temos personalidade e sabemos o que queremos. O futuro é sempre a projecção do passado e o presente só
existe quando temos a coragem e a ombridade de tomar posições, como a que estamos a tomar aqui. Não vos deixeis intimidar. Sois os continuadores de uma tradição muito antiga, de médicos, de engenheiros e eruditos. Aqui, na Igreja construída por Nasoni, na Igreja precursora do barroco, o arquitecto deve ter dado dois pulos de satisfação na sua tumba, por vós aqui estardes!”” (in O Primeiro de Janeiro, 18 de Junho de 1979)
Belas palavras, de facto, que muito significado e valor dão a tal manifestação tradicional.
2010
2012 - foto JN
Até hoje, a velhinha Queima continua a ser popular, provocando sentimentos vários por quem a vive intensamente. Quem a vive, leva-a para a vida, como um traço de nós próprios e que nos orgulha de sermos Estudantes. Excertos do site “Praxe Porto”
Cortejos da queima das fitas - vídeos e fotos
2008
2010
2013
Orpheon Académico do Porto – 1912
“O Coro do Orfeão Universitário do Porto apresentou-se pela primeira vez em público em Junho de 1912, três meses após a sua fundação. O "Orpheon Académico do Porto", assim denominado nessa época, surgiu com o intuito de interpretar exclusivamente música portuguesa, contribuindo para o início de um período de renovada valorização da canção portuguesa. O seu primeiro director artístico foi o Maestro Fernando Moutinho. Sucederam-lhe o Eng. Futuro Barroso, o Dr. Clemente Ramos e, já nos anos trinta, o Maestro Afonso Valentim, que assumiria o cargo durante trinta anos”.
“Inserido nas digressões artístico-culturais do OUP, o Coro participou em diversos festivais de música, em diversas cidade da Europa, América, África e Ásia. Em 1995 foi responsável pela abertura oficial das comemorações do 10 de Junho na cidade do Porto. Recentemente, em 2003, interpretou a 9ª Sinfonia de Beethoven, juntamente com o Coro da Fundação Conservatório Regional de Gaia, Filarmonia das Beiras e solistas convidados, sob a direcção do Maestro Mário Mateus, no âmbito do 10º Festival de Música de Gaia". In site do Orfeão
Na Grécia em 2012
Amor de estudante
Bnedictus da Missa Brevis
Na Madeira
Centenário do Orfeão Universitário do Porto
O Comércio do Porto - 15/5/1949
O Comércio do Porto - 11/5/1952
8/5/1953
Nesta foto aparece o Pai Américo comigo a seu lado - 8/5/1953
Eram momentos de grande euforia, alegria e emoção que se viviam quando os gaiatos chegavam ao Espelho da Moda, acompanhados de estudantes, para entregar o apuro da venda das pequenas pastas de cartolina. Estas tinham cerca de 7x4 cms. e as tradicionais fitas com as cores das faculdades. Numa página interior havia uma quadra. Eram feitas pelos gaiatos e por estudantes e eram largos milhares.
Cerca das 17 horas começavam a chegar com uma saca de pano normalmente pesada e com um ar de felicidade, tanto os estudantes como os gaiatos.
Debaixo de uma grande algazarra os empregados do Espelho da Moda e os estudantes contavam as centenas de moedas, e algumas notas, que eram entregues ao Júlio Mendes, um dos primeiros gaiatos da obra e responsável pela casa de Paço de Sousa e pela tipografia, onde era impresso o célebre jornal O Gaiato. A presença do Pai Américo era reconfortante e muitos dos estudantes com ele conversavam visivelmente felizes.
Contavam-se histórias passadas nesse dia que bem mostravam o carinho da nossa cidade por esta Obra de Rapazes, Para rapazes, Pelos rapazes, como a definiu Pai Américo.
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