quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DIVERTIMENTOS DOS PORTUENSES - XXVII

3.5.10 - Casas de espectáculos - II


Teatro Baquet na Rua de Santo António


O alfaiate portuense António Pereira Baquet, com estabelecimento no nº. 61, regressado de Espanha muito rico, decidiu construir um teatro na R. de Santo António, onde hoje se encontra o edifício da CGD. Foi inaugurado em 13 de Fevereiro de 1859 com a festa do Carnaval. Baquet faleceu em 1869 sem descendência. A sua viúva continuou a dirigir o teatro.
Por este teatro passaram grandes músicos e actores da época e o seu Carnaval era muito animado e concorrido.
"O primitivo pano de boca muito bem perspectivado do extinto Teatro Baquet, representava um varandim com das cortinas apanhadas deixando ver parte da antiga Rua de Ferreira Borges com os edifícios do Banco Comercial, a Bolsa e ao fundo a Igreja de S. Nicolau. Tinha sido pintado por um pintor de apelido Rocha. Mais tarde foi substituído por outro pano cuja perspectiva era tirada do monte do velho Seminário, vendo-se a antiga Casa do Bispo, a fábrica do sabão, Roriz, e o Palácio do Freixo. Avistava-se também o rio e na margem de lá parte do Areínho". In O Tripeiro, I Volume, 1908.


Emília das Neves – 1860


Emília das Neves (1820/1883) representou no Baquet, em 26/2/1863, a tragédia Judith com grande sucesso. Era uma das mais queridas e conhecidas actrizes portuguesas do século XIX, pela sua beleza e talento.
A folha acima acompanhou nessa data o seu benefício e é de autoria de Nogueira de Lima.


Actriz Emília Eduarda (Lisboa 1845- Porto 1908)

Em passagem pelo Porto, a convite de António Moutinho de Sousa, empresário do Baquet, fez um grande sucesso e apaixonou-se pela nossa cidade. Aqui quis ficar, casou e viveu, não deixando de representar noutras cidades. Afirmou que aqui gostaria de morrer e ser sepultada. Assim aconteceu. 

A morte desta belíssima actriz foi dramática. Durante um festival académico recitou o seu poema Canção do Enjeitado, sob grandes aplausos do público que muito a apreciava, quando um estudante lhe deitou sobre os ombros uma capa. Percebeu-se que no seu rosto havia uma grande emoção. Após o ter recitado quase até ao fim, parou longamente, terminando:

Quando recolho à noite os bois
Peço a chorar, a cada estrela;
-Diz onde está? Só quero vê-la,
Chamar-lhe mãe, morrer depois.

Sob os maiores aplausos e gritos de entusiasmo fez menção de recitar, talvez, a sua poesia preferida:

Se a morte, a Parca cruel,
Me levasse neste instante,
Queria ser amortalhada 
Na capa dum estudante!

Sentindo-se mal, foi recolhida aos bastidores, onde pouco depois morreu de um ataque cardíaco.

Jornal O Grande Elias

Biografia de Emília Eduarda – blog Bancada Directa


Lucinda Simões também foi convidada pelo empresário do Baquet, António Moutinho de Sousa e representou juntamente com Emília Eduarda e Furtado Coelho, com quem casou e tiveram como filha outra actriz, Lucília Simões.


Lucinda Simões com a sua mãe e a filha Lucília Simões




Maestro Ciríaco Cardoso (1846/1900) – Nascido no Porto em 8/8/1846, faleceu em Lisboa em 17/11/1900. Estudou violino, viola e violoncelo, tendo-se tornado um dos mais importantes maestros do seu tempo. Foi um dos co-fundadores da Escola de Música da Palácio de Cristal quando este foi inaugurado. Viajou pelo Brasil e França onde dirigiu e tocou obras de sua autoria.

Na noite de 21/3/1888 deflagrou um violentíssimo incêndio, provocado pela chama de um bico de gás de uma gambiarra do palco, que pegou fogo a uma bambolina, e que destruiu por completo o edifício, tendo provocado cerca de 100 mortos. Nessa noite representava-se a ópera cómica "Os Dragões de Villars" e a zarzuela “Gran Via”, dirigida pelo músico-empresário portuense Ciríaco Cardoso.


“A casa estava lotada. A “Gran Via” reproduzia sobre o palco do Baquet uma sátira política contra a demolição dos velhos quarteirões de Madrid em prol de uma nova e sofisticada artéria na cidade. 
Antes da passagem ao último quadro, o público, delirante, pediram um "encore" da última cena. Nos bastidores um actor que aguardava o momento de reentrar em cena reparou que o tecto fingido do cenário estava a arder. Gritou que descessem a bambolina e a grande tela do quadro seguinte voltou a desenrolar-se com um grande estrondo. 
Ninguém se apercebeu do que se estava a passar… apenas alguma agitação sob o cenário e um vago crepitar… 
Poucos segundos depois os ocupantes do camarote 24 situado mesmo por cima do palco dão-se conta do perigo e saiem correndo fora largando um deles o grito “Fogo!”. É então que a sala inteira acorda do encantamento da música e das luzes… e começa a trágica confusão… o horror estampado em todos os rostos que corriam pelas coxias sem esperrar o alarme. Muito espectadores esbarram com quem sai das primeiras filas, cumulando-se no fim do estreito corredor para a Rua de Santo António. Aí vão sendo empurrados e pisados por quem está atrás, numa onda de terror apertada e às escuras ( o gás é imediatamente desligado, deixando o teatro imerso em trevas)…
Alguns 15 minutos após ter sido detectado o fogo, já caíra o tecto do palco e a fachada que dava para Sá da Bandeira ameaçava ruir a todo o momento. As chamas começavam a lamber os prédios vizinhos, obrigando os respectivos inquilinos a abandonar apressadamente as suas casas. Vários populares atravessaram as chamas para resgatar crianças e mulheres que ainda se encontravam no interior do teatro. Da varanda do edifício, vários espectadores lançaram-se à rua quebrando braços e pernas...


Frontaria após o incêndio


Fachada da Rua Sá da Bandeira após o incêndio

…Os bombeiros voluntários chegavam à Rua de Sá da Bandeira onde combateram as chamas, visto ser essa a entrada “oficial” do teatro. Só mais tarde se lembraram de ir acudir à porta de Santo António… onde atónitos os bombeiros confirmaram a existência de um autêntico mar de corpos carbonizados". In blog Inbikta.


Interior


Exéquias pelas vítimas na Igreja da Lapa



Foi o incêndio que mais vítimas provocou em toda a história da nossa cidade. 
Esta tragédia desencadeou uma grande onda de solidariedade a favor das famílias das vítimas. Também a raínha D. Maria Pia, em dia de tremenda tempestade, se deslocou ao Porto num gesto de apoio para com as famílias enlutadas.


No local onde esteve o teatro Baquet foi construída o maior casa de retalho do Porto, os Armazéns Hermínios…


Interior em 1913 – O interior estava dividido em dois pisos, de muito alto pé direito, devido à diferença de nível entre as ruas de Santo António e Sá da Bandeira.
“Os Hermínios eram também considerados uma instituição social, uma vez que abrangia cerca de 1.500 funcionários de todas as categorias. Dentro destas actividades sociais salientavam-se as excursões dos empregados, os grandiosos concertos, os “bodos aos pobres”, os saldos de ocasião e os balões oferecidos às crianças". Do blog Garfadas on Line


1908



Catálogo de porcelanas e faianças



"Mas não só as crianças beneficiavam de presentes. Embora não fosse referido no jornal, sabemos que era costume oferecer brindes aos clientes fiéis. Os copos aqui apresentados, destinados a uso termal, são disso um exemplo. Manifestações precoces de marketing comercial. Estes copos das termas eram pintados ou serigrafados a óleo e tinham uma escala de graduação, para que a água tomada pelos aquistas correspondesse ao receituário médico". Do blog Garfadas on line - foto de Carlos Caria.


Publicava anualmente catálogos dos seus produtos, que enviava para todo o país e colónias.


Mais tarde construiu-se ali uma secção da C.G.D – foto do blog A vida em Fotos.

6 comentários:

  1. Só uma correção ao seu EXCELENTE trabalho -
    Antonio Pereira Baquet faleceu com 63 anos a 25/12/1867, pelas 09:00, no n.º 157 da R. de Santo Antonio na freg. de Santo Ildefonso (assento de óbito on-line)tenho o seu testamento cerrado sido aberto nesse mesmo dia.
    Nasceu na zona do Bomfim como Antonio Pereira, perto das Goelas de Pau, por volta de 1803 / 1804;
    emigrou com sua família para Espanha em 1828 tendo aí aprendido a arte de alfaiataria e casado, de onde regressou ao Porto em 1836 com sua mulher instalando-se na Praça da Batalha como contramestre em casa do 1.º alfaiate da cidade, o Capella.

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  2. Muito obrigado pelo seu comentário. Estas achegas e correcções só valorizam o nosso trabalho, que pretender ser o mais correctos possível. Por vezes as informações que recolhemos não são as mais verdadeiras. Além disso ficamos muito satisfeitos que os nossos leitores leiam com a maior atenção, o que foi este caso.

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  3. Boa tarde!
    Segundo informações de antepassados meus que residiram na Rua de Santo António, também os Armazéns Hermínios foram afectados por um incêndio. Não sei precisamente a data.
    Minha saudosa mãe (nascida em 1913 nesta rua) ainda comprou peças de roupa provenientes de "salvados" desse incêndio.
    Abraço tripeiro!
    Alberto Guimarães

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  4. Boa tarde!
    Segundo informações de antepassados meus que residiram na Rua de Santo António, também os Armazéns Hermínios foram afectados por um incêndio. Não sei precisamente a data.
    Minha saudosa mãe (nascida em 1913 nesta rua) ainda comprou peças de roupa provenientes de "salvados" desse incêndio.
    Abraço tripeiro!
    Alberto Guimarães

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  5. Bom dia a todos! Gostaria de perguntar ao Ex.mo Sr. José Rodrigues, onde encontrou a informação que acima disponibilizou, especificamente sobre o local de nascimento e o período de emigração de António Pereira Baquet. Fico a aguardar a sua resposta, a qual antecipadamente agradeço. Com os melhores cumprimentos, Alberto Marques

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