quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

DIVERTIMENTOS DOS PORTUENSES - XXXVI

3.5.14 - Festas de S. João - II


Venda de manjericos e alhos porros – foto JN

Na nossa juventude o S. João era na baixa até à Ribeira e daqui às Fontaínhas.
Começava pelas 11 horas da noite até altas horas. Íamos em grandes grupos, a pé, da Boavista ao centro e, depois de umas horas de folia, sentávamo-nos a comer sardinhas assadas com broa ou cabrito assado e terminávamos no Palácio de Cristal a tomar uma chávena de chocolate bem quente para nos aquecer.


1974 - foto JN



Diz a lenda, e alguns conhecedores, que a tradição do alho porro na noite de S. João vem de tempos longínquos. Terá sido um símbolo fálico que os rapazes usavam para passar pelo nariz das raparigas que lhes agradavam. Há 50 anos já os dois sexos os compravam e batiam com a flor, por vezes mesmo com a cebola, na cabeça do próximo. Outros afirmam que se tratava de uma erva aromática com virtudes mágicas e terapêuticas e que se pretendia desejar boa saúde e amizade aos outros brincalhões.
Ainda hoje há quem os compre para dependurar atrás da porta de casa para afastar a má sorte e só na noite de S. João do ano seguinte, o substituem.
De qualquer forma, foi um elemento indispensável para nos divertirmos na deliciosa noite de 23 para 24 de Junho.


1980 - foto JN

As ruas do Porto enchem-se de centenas de milhares de pessoas que, com um sorriso aberto e grande alegria batem com o alho pôrro ou cidreira uns nos outros. Nos anos 70 apareceu o martelinho, que, para nosso gosto, veio estragar um pouco a festa. Esta foto faz-nos lembrar os anos 70 em que íamos, acompanhados de alguns amigos, a orientar mais de 100 jovens desde a Boavista ao centro. Era uma responsabilidade grande, mas nunca tivemos problemas com a multidão. Costumávamos ir com as mãos agarradas, mas acontecia "quebrar-se a cadeia". Os da frente eram avisados para esperar enquanto procurávamos os atrasados. Era cansativo, mas muito divertido.

Porto Canal – alho porro


1963 - foto JN

"Oh "murcom", pega lá um complemento sobre a história do S. João do Porto, segundo o que recordo de os meus pais me contarem na minha meninice, nos anos quarenta.
Nessa época, não havia plásticos, o S. João estava limpo de martelos, o que não significava que, como sempre, essa não fosse a noitada de muitas marteladas… Fazia parte do ritual dessa festa, que remonta aos idos dos cultos pagãos da fertilidade, a compra do alho-porro inteiro (raiz, folhas, caule e flor) e dependurá-lo na principal parede da casa para dar sorte, ali ficando até ser substituído por outro no ano seguinte. Foi prática em minha casa até à minha adolescência.
Os grupos de famílias que saíam dos bairros e das ilhas a pé com destino às Fontainhas para verem a cascata do S. João compravam no caminho aos lavradores não só o tradicional alho porro, mas ainda outros vegetais simbólicos como vasos de manjerico e ramos de cidreira e de cravos.
Decorria a II Grande Guerra e havia foragidos ricos alojados no único hotel de luxo da Cidade – o Grande Hotel do Porto (o Infante de Sagres ainda não existia). A gerência colocava daquelas cadeiras de lona, tipo encenador, no passeio junto à portaria do hotel onde os hóspedes se sentavam e viam passar aquelas alegres rusgas familiares. A cada hóspede, a gerência oferecia um alho-porro. Então, as velhotas estrangeiras, sentadas e com o alho na mão, começaram a dar com a flor do alho delicadamente na cabeça dos passantes de ambos os sexos. Muitos começaram a imitá-las e em pouco tempo generalizou-se a prática de dar com o alho uns nos outros, ou a fazer passar a flor pelo nariz das moças, que retribuíam. E também o ramo de cidreira - com odor mais recomendável que o alho - se dava a cheirar.
E assim o que era um passeio alegre de todos os pontos da Cidade e arredores até às Fontainhas passou para uma divertida batalha campal pacífica.
O raio do plástico deu cabo disto tudo com os martelos fonte de sons estridentes e, por vezes, de pancadas dolorosas devido à rigidez do material.
Aprende que este "murcom-jubilado" não dura sempre e regista para que não se perca na memória.
Abreijos,
M. Gaspar Martins"


24/6/1950

Ás três ou quatro da manhã saía o JN com o concurso das quadras de S. João. Acabávamos a noite a lê-las, antes de nos deitar. Desde 1929 que este concurso se mantém. Citámos abaixo algumas tiradas à sorte:

1929 
Os teus olhos são fogueiras,
Onde os meus querem bailar.
Hei-de cansar os meus olhos
                                     À volta do teu olhar                    (Salvador Dantas) 

1929 
Ao saltar duma fogueira
Na noite de S. João,
Não sei bem de que maneira
                                                Chamusquei o coração.         (Euclides Sotto-Mayor) 

1930 
Passa o rancho - e uma velhinha,
Que já foi linda e que amou,
Fica na sombra, sozinha,
                            A chorar quem Deus levou!           (D. Juan) 

1930 
Orvalho do céu caindo,
Tantas luzinhas a arder...
S. João, como isto é lindo...
- Que pena a gente morrer!... 

1932 
Tão branquinho como a neve,
Vermelho o cravo ficou:
Beijou-te o seio, de leve,
Teve vergonha, corou... 

1932 
Olhos com olhos - a chama,
Lábios com lábios - braseira.
Abraços - tudo se inflama,
                              Arde amor numa fogueira.             (A. Ramos)

1939 
  Desde que à fonte sorriste
Inda ninguém descobriu
Se chora porque fugiste,
                                         Se canta porque te viu...          (Nicolau Eusébio)

1981 
Não há fogueira sem lume, 
Profecias sem profetas,
Não há amor sem ciúme
                            Nem S. João sem poetas.             (Marujo) 

1982 
Na noite de S. João,
As juras de amor fiel,
São bolinhas de sabão
                                     E barquinhos de papel!                (Comicala) 

1985 
Dei-te um pé de manjerico,
Custou-me um dia sem pão...
- tripeiro que não é rico
Faz das tripas coração!... 

1987 
Teu seio, a medo, tocado,
Na noite de S. João,
Ficou-me sempre moldado,
                                     Na concha da minha mão!          (Manuel Corgo) 

1989 
A nossa rusga é modesta
Mas lá vai toda contente,
Mostrando dentro da festa
                                 Que a festa é dentro da gente!           (Benamor) 

2002 
Menina, tome cuidado
Nesse seu passo de dança...
Nem sempre um passo mal dado
                                    Acaba numa aliança.                     (Olho Vivo) 

2012 
Trevos de sorte não colhas
Na noite de S. João;
A sorte que vês nas folhas,
                             Pode bem ser ilusão!...             (Fátima) 

E já agora mais três quadras belíssimas: 

É noite de S. João 
E em cada rua modesta 
Cada pedaço de chão 
                              É um pedaço de festa.           (João Humilde) 

A roda do nosso abraço 
Tem um sentido profundo 
Quanto mais se aperta o laço 
Tanto mais se alarga o mundo. 

Ao pé do trevo colhido 
Temos outro por colher 
Um, é o tempo vivido 
Outro, o que está p’ra viver




Venda de cabritos de S. João – foto JN


A sardinha assada com broa e o cabrito assado são os petiscos mais tradicionais desta noite.


1988 - foto JN


A fogueira é um dos traços comuns que une esta festa em toda a Europa. 

“A tradição das fogueiras de São João está relacionada com o ancestral culto do Sol, em que o fogo simboliza o poder purificador e fertilizante. O saltar da fogueira está estreitamente ligado à saúde, ao acasalamento e à fecundação”. In Infopédia


1966 - foto JN




1992 – foto JN

Os vasos de manjericos com uma quadra são uma presença constante nesta grande festa.

O manjerico de S. João

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