domingo, 5 de janeiro de 2014

DIVERTIMENTOS DOS PORTUENSES - XXXV

3.5.14 - Festas de S. João - I


Os romanos festejavam já o solstício de verão. A partir da Idade média começou a substituir-se essa festa pagã pela de S. João Baptista, que se festeja na noite de 23 para 24 de Junho. 
Santo Elói, no século VII, proclamou do seu púlpito aos fiéis que o ouviam: “Eu vos peço... que na festa de S. João e em outras solenidades dos santos, se não faça uso do solstício; que não se entreguem a danças, a jogos, a corridas, a coros diabólicos…”. Os frades Loios fundaram no Porto o Convento de S. Elói em 6 de Novembro de 1491, que foi muito apoiado pelos portuenses até  que foi extinto em 1834, após a revolução liberal.

Festas de Verão de 1908 – Arco de triunfo na Rua de Santo António

O São João do Porto é uma festa popular que tem lugar de 23 para 24 de Junho na cidade do Porto, em Portugal. Oficialmente, trata-se de uma festividade católica em que se celebra o nascimento de S. João Baptista, que se centra na missa e procissão de São João no dia 24 de Junho. As pessoas festejavam a fertilidade, associada à alegria das colheitas e da abundância. Mais tarde a Igreja cristianizou essa festa pagã e atribuiu-lhe o S. João como Padroeiro. 
Não se conhece com rigor quando teve início a festa do S. João do Porto. Sabe-se, pelos registos do Séc. XIV, já que Fernão Lopes, por essa altura se terá deslocado ao Porto para preparar uma visita do Rei, tendo chegado na véspera do S. João, deixou escrito na Crónica de D. João I que no Porto era dia de "maior folgança da cidade", festas "cheias de animação e entusiasmo desabrido". 
É no entanto possível que essa festa fosse mais antiga, pois existia uma cantiga da época que dizia “”té os moiros da moirama”” festejam o S. João. 
Era também no dia de S. João que a Câmara Municipal do Porto se reunia em Assembleia Magna, que corresponderia à actual Assembleia Municipal, reunião essa realizada no Claustro do Mosteiro de S. Domingos, pelo seu grande espaço, onde se procedia à eleição dos Vereadores e onde se tomavam as decisões mais importantes para a cidade”. In Wikipédia


“Em 1834, o Porto vivia com intenso júbilo a sua victória no cerco. Nesse ano, o S. João foi festejado na cidade com enorme euforia. Houve arraiais na Lapa, Campo de Santo Ovídio (hoje Praça da República), na Rua Nova do Almada e dos Caldeireiros diante do velho Hospital de S. João instalado na Confraria de Nossa Senhora da Silva”. Germano Silva 
Já em 1851 em vários pontos da cidade estalejou foguetório na véspera de S. João. A Rua de Trás, de Santo António, das Hortas, agora do Almada e outras estavam iluminadas, embandeiradas, e foi lançado fogo preso etc.


No alto da Rua de Santo António, S. João estava sentado numa grande cascata e havia iluminação pela rua acima. Na escadaria destacava-se o obelisco profusamente iluminado. 

“O despique político era a tónica dos festejos sanjoaninos, logo após a victória dos liberais. Os miguelistas não se davam ainda por vencidos. E aproveitavam a festa para mandar recados: 

O S. João da Lapa
Escreveu ao do Bonfim
Visse bem o que fazia
Que a coisa não ia assim…

Na Lapa o S. João fazia-se na alameda, onde está agora o hospital. Em 1844, 10 anos depois da victória dos liberais, escrevia-se nos jornais que o S. João da Lapa levou a palma a todos os outros. Entre danças e descantes, vendiam-se espetadas, peixe frito, tripas à moda do Porto, regueifas de Valongo, pão de Paranhos, doce da Teixeira. Nesse ano houve uma novidade, o vinho era de Amarante. A Irmandade da Lapa levava para a alameda os bancos da sacristia que alugava a quem quisesse assistir comodamente ao fogo-de-artifício. Rezam as crónicas que o fogueteiro desse ano foi muito aplaudido. Em 1845 o despique é entre os S. Joões de Cedofeita e do Bomfim. Moços e moças passavam em ranchos a cantar:

Não diga que tem saúde
Quem nesta noite se deita;
Sem tomar as orvalhadas 
Nos campos de Cedofeita.

A velha igreja românica, era a esse tempo, um monumento isolado no meio de quintas e pinhais onde os festeiros da cidade acampavam com as suas merendas. O Sr. D. Prior de Cedofeita franqueava a sua quinta aos romeiros que por ela se espalhavam a cantar:

Que é aquilo,
Que é aquilo,
Que é aquilo?
É S. João a caçar um grilo…

Em 1849 começaram a organizar-se comissões de moradores em certas ruas e locais. Faziam-se subscrições cujo produto revertia a favor das festas. No Bonfim, iluminavam-se as ruas como nunca antes acontecera em parte alguma. O S. João é festejado sobretudo nos quintais com luminárias, foguetes, fogo de ar e preso. Dançava-se por entre as bichas de rabiar, os buscas-pés, as bombas. Nas ruas o povo suava e acotovelava-se… O S. João era nas ruas. Ainda estava muito longe o S. João do Palácio de Cristal. Pela simples razão de que o Palácio ainda não existia”. Germano Silva
Também o Conde de Rezende abria a sua bela Quinta de Santo Ovídio para os festeiros aí passearem, descansarem e comerem nessa noite.


Embora um pouco longo, entendemos que, a autenticidade da descrição das festas de S. João nas décadas de 60 e 70 do séc. XIX, o texto do eminente médico portuense Ricardo Jorge, escrito em Paris no dia 23 de Junho de 1919, tem o maior interesse em ser dado a conhecer.

“…No meu tempo o S. João de Cedofeita andava já a tocar ao viático, prestes a desaparecer. 
O da minha infância era o da Real Capela onde jaz o coração do dador, como se dizia em estilo do tempo; tão ardente fora o seu culto que os negociantes das Hortas, mercadores de ferro e linho, projectaram erguer-lhe ao norte da alameda templo próprio de que se viam ainda então os primeiros panos gretados e musgosos, onde se espetavam as varas dos silvados e faziam tocas as osgas e sardaniscas, que nós, os rapazes do colégio da Lapa, fisgávamos á pedrada. 
A novena de S. João cantava-se ao sol fora com singular e pitoresco acompanhamento: em vez do organista, dois matulões da Ribeira, trajando a rigor á moda de Redondela rufavam no tamboril e sopravam na gaita de fole…


O arraial armava-se na alameda da Lapa, donde a vista se espraia até á orla luzente do mar, alameda hoje atravancada por um hospital merencório que bem podia ter ido pousar-se noutro sítio, sem empecer um dos mais saudosos logradoiros panorâmicos da cidade— coisas do Porto. Doces de Paranhos, negros e duros de rilhar — barracas de lona onde se fregem com fragor e fumarada as espetadas e as postas de pescada tão amada do tripeiro, e se empipa no carro de bois o verde de Amarante e o preto da Companhia, bebidos em tigelas vermelhas de Aveiro, — as regueifas de Valongo sobre as canastras, a filarmónica do Pau-Teso, e um burburinho de ensurdecer onde estridulam as gaitas de chumbo sopradas pelos rapazes. Na clareira as raparigas da Maia de pé descalço e saia arregaçada, dançam ao som da chula a Cana-verde e o Regadinho. Noite de patuscada, até que para essa meia-noite, aos gritos de “”ó careca””, a isca incendeia as dobadoiras pirotécnicas do Devezas, saudadas de palmas quando se exala a centelha do último caniço da árvore de fogo consumida e morta. 


Os madrugadores desandavam então para o Campo de Santo Ovídio; os ranchos de viola, requinta, violão e flauta, enfiavam pelo portão amplo da quinta do Pamplona — o solar dos condes de Resende, sempre aberto fidalgamente ao povo. Ao romper da aurora colhiam-se as plantas míticas, a que o orvalho da manhã do santo servia de água benta — o alecrim, o louro, o azevinho, o alho-porro. Uma rua não sei de quê atravessa e sepulta hoje esta que foi uma estância paradisíaca, derrubando os balaústres do palacete, os tanques onde boiavam os velhos barbos, as magnólias negras de flores de neve, as sebes das japoneiras, os álamos frondentes, as murtas arbóreas, os loureiros estroncados, que bracejavam as rancas idosas pelos caminhos e maciços do parque, donde se soltavam os silvos aflautados dos melros.

O ladrão do negro melro
Onde foi fazer seu ninho…

Há vinte e cinco anos, antes do meu exílio, assisti com a emoção bucólica do herbanário de Júlio Diniz a este arboricídio que me levava as sombras viridentes onde se esbateu a minha desinquieta meninice.


Iam-se os olhos nas cascatas onde o santo precursor e o carneiro branco troneiam, debaixo duma arcada de ramalhoça e sobre um monte de escórias e areia, povoado de monos de barro pintado, adquiridos nas lojas de traz dos Clérigos — imaginária popular tão curiosa, a reproduzir as cenas triviais da vida rústica, fabril e doméstica. Espécie de presépios, mais variados e movimentados, pois que os anima a minúscula catarata dum veio de água: gira a roda do moleiro da azenha, bate o malho do ferreiro na bigorna, sai do túnel o comboio, volteja o burrinho da nora, faz vaivém a serra do madeireiro... Que pequenas maravilhas de cenário e de hidráulica se não engenhavam para o engodo e alegria dum dia! 
Há hoje justamente quarenta anos que fiz a ultima noitada de S. João com um grupo de rapazes divertidos, meus camaradas da Escola Médica. Não sei se alguns d'eles ainda a rememorará, porque aqueles que me lembram, só nas loisas tomarão as orvalhadas. 
Havia festa rija e fogo preso na Rotunda da Boavista, e de lá vamos cear aos Caldos de galinha do Carmo.


Nova estação no mercado do Anjo, todo iluminado, empavesado e enramado, onde as colarejas á roda da fogueira, foliam danças e descantes abrejeirados. Ao Santo que pagava com a cabeça as suas austeras imprecações contra a dança lúbrica da Salomé, tocam os restos do culto fálico e fescenino, de mescla com o S. Hilário e o S. Gonçalo de procazes alusões populares:

Repenica, repenica, repenica,
S. João a m… em bica.
Repenica, e tornar a repenicar,
S. João sempre a m…


O último passo era nas Fontaínhas, onde de madrugada convergiam de toda a parte os bandos e as ranchadas, na frente o harmónio ou a banza e os pares em fila, de cravo ao peito e de grandes chapéus de palha feitos na Cadeia, entrapados em lenços de chita berrante: 

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras, 
Viva o rancho das mulheres solteiras. 

E os compassos esfusiantes do hino popular do S. João a retinir sempre, até ao lusque-fusque da manhã a palhetar de rosicler as agulhas da rotunda fronteira do Pilar e as arestas dos penhascos que se empinam sobre o fosso onde escorre fundo e lobrego o veio do Douro - a paisagem severa e solene que Herculano dizia ter sido lavrada por Miguel Ângelo. 
Sol fora enfim, sol alegre a bailar, como é de tradição neste dia solsticial, em que o homem e a natureza se abraçam panteisticamente numa convulsão de alegria: 

Se S. João bem soubera 
Quando era o seu dia, 
Descera do céu á terra 
                                    Para dançar de alegria.                Ricardo Jorge 


“O S. João das Fontaínhas ainda não existia. Só começaria a despontar 35 anos depois (1869), quando um morador do sítio resolveu montar na Alameda uma monumental cascata ao redor da qual se vendia cabrito com arroz de forno, arroz doce e aletria, e café quente com pão com manteiga. Os ranchos que cirandavam pela cidade deslocavam-se ao célebre miradouro para apreciar a novidade e a curiosidade transformou-se em rotina. Os romeiros cantavam:

Abaixai-vos carvalheiras
Com a rama para o chão;
Deixai passar os romeiros
                            Que vão ver o S. João”.           Germano Silva

O S. João era a oportunidade dos poetas fazerem quadras, ligadas, em grande parte, ao amor e ao casamento. São conhecidas as quadras, cantadas, que referem as festas nos locais acima, tais como:

- Donde vindes S. João
Com a capa de estrelinhas?
- Venho de ver as fogueiras
Do largo das Fontaínhas

Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas…
E viva o rancho das mulheres casadas.

Na noite de S. João
É bem tolo quem se deita
Todos vão às orvalhadas
Aos campos de Cedofeita.

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras…
E viva o rancho das mulheres solteiras.

Fui ao S. João à Lapa
Da Lapa fui ao Bonfim;
Estava tudo embandeirado
Com bandeiras de cetim.

Orvalhudas, orvalhudas, orvalhudas…
E viva o rancho das mulheres viúvas.

“Diz a tradição que a água das orvalhadas da madrugada de São João tem poderes excepcionais de purificação, regeneração e protecção, garantindo amores felizes e casamento próximo, para além de proporcionar vigor aos idosos e beleza aos jovens. Este simbolismo universal das águas também se observa nos poderes místicos de certas plantas, como o alho-porro, o manjerico, a alcachofra, o cardo ou a cidreira. A alcachofra tem o poder de adivinhar a realização do casamento, devendo por isso ser queimada ou chamuscada na véspera do dia 24, à meia-noite, na fogueira de São João -""Em louvor de São João, para ver se fulano me quer bem ou não"" - e deixada ao relento, enterrada num vaso. O casamento está garantido se a planta reflorir no dia seguinte”. In Infopédia


Festas de S. João na Rua de D. Pedro – 1908

Após a Revolução do 5 de Outubro, a República pretender modificar muitas das tradições. Uma delas foi a alteração dos dias feriados nacionais e a imposição a cada câmara a escolha do seu feriado municipal.
No Porto foi feito um referendo, através do Jornal de Notícias, em que se pedia ao povo que escolhesse o dia da sua preferência, entregando no jornal o seu voto em envelope ou mandando um postal até 2/2. No dia 4/2/1911 foram publicados os resultados:
Dia de S. João – 6.565 votos
Dia 1 de Maio – 3075
Dia de Nossa Senhora da Conceição – 1975
Dia 9 de Julho – 8.
Portanto, só a partir desta data o dia de S. João é, oficialmente, feriado municipal.


Cascata de S. João – Museu Etnográfico do Porto 



Uma tradição centenária são as cascatas. Nas ruas e nas casas ou seus quintais era obrigatório haver uma. Infelizmente é uma das mais belas tradições que se está perdendo. Os nossos filhos e netos já não as fazem.
Em nossa casa, desde muito pequenos, guardávamos, de ano para ano, algumas figuras imprescindíveis e quando íamos ao Senhor de Matosinhos comprávamos as que eram novidade ou se tinham partido.
Encostado a um muro ou parede construíamos um monte de terra e cobríamo-lo com musgo. 
No cimo estava o S. João com o seu cordeiro e pela rampa abaixo figuras como carneiros, pastores, uma banda de música, uma procissão aproveitada do presépio, lavadeiras, vendedeiras e muitas outras figuras típicas em barro. Também não faltava um pequeno lago com uma figura de um pescador. Por vezes era um espelho redondo muito usado nesse tempo, como publicidade de casas comerciais. O que mais nos divertia era a forma tão entusiasmada com que a construíamos e depois a melhorávamos e limpávamos. 
Assim que ficava noite nosso pai e tios traziam algum fogo-de-artifício tal como bichas de rabiar, pirilampos, estrelinhas e outros pouco perigosos. Mas os momentos mais emocionantes eram o fogo preso, os vulcões e pequenos foguetes que faziam muito barulho e eram muito lindos no ar.
Só nos deitávamos à meia-noite, o que para nós era tardíssimo. 


A decorar a nossa cascata havia sempre alguns balões de papel que lhe davam muita graça e cor.


Nas ruas do Porto era comum encontrar rapazes a pedir 1 tostãozinho para a cascata. Assim que a construíam punham-se de guarda para que nada fosse tirado, mas continuavam a pedir o tostãozinho. 

Cascatas de S. João 

Desejamos aos nossos leitores um Novo Ano cheio de saúde, alegria e Paz

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