quinta-feira, 23 de março de 2017

COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO III

6.27.3 – Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro - Região Demaracada do Douro e suas alterações, Marcos Pombalinos, Instituto dos Vinhos do Porto e Douro, Tabernas do Porto



Mapa da região demarcada do Douro pelo Barão de Forrester - 1842

“As origens da região demarcada do Alto Douro remontam a 1756, ano em que o ministro de D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) fundou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.
Com efeito, em 10 de Setembro de 1756, no âmbito da política pombalina de fomento económico e reorganização comercial do país, de inspiração mercantilista, assente na formação de várias companhias monopolistas e privilegiadas, foi criada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, destinada a garantir e promover, de forma articulada, a produção e comercialização dos vinhos do Alto Douro, a travar a concorrência de outros vinhos portugueses de inferior qualidade, a limitar o predomínio e mesmo o controlo desta actividade económica pelos ingleses e, logicamente, a aumentar os rendimentos da Coroa provenientes do comércio dos vinhos do Alto Douro, que vieram a ser uma das maiores fontes de receita do Estado português.


Marco Pombalino de Barqueiros

De acordo com os estatutos da Companhia, deviam separar-se “inteira e absolutamente para o embarque da América e reinos estrangeiros os vinhos das costas do Alto Douro e do seu território de todos os outros vinhos, dos lugares que somente os produzem capazes de se beber na terra, para que desta sorte a inferioridade destes vinhos não arruíne a reputação que aqueles merecem pela sua bondade natural”. Daí a necessidade de se elaborar um mapa ou tombo geral das duas costas, setentrional e meridional do rio Douro, no qual se demarcou “todo aquele território que produz os verdadeiros vinhos de carregação, que são capazes de sair pela barra do mesmo rio”.
A demarcação consistiria em inventariar os terrenos produtores do “vinho de carregação”, estabelecendo a produção regular de cada um, de acordo com “uma estimação comum ou média, calculada pelas produções dos últimos cinco anos próximos pretéritos”, de modo a impedir-se a venda de mais vinho do que o estabelecido desta forma. Simultaneamente, proibia-se a entrada de vinho de fora da demarcação, o qual só poderia circular com guias passadas pelas autoridades municipais e fiscalizadas pelos funcionários da Companhia, de modo a evitar a sua venda como vinho de embarque, impedindo a lotação com outros. Ficava, assim, proibida a exportação para Inglaterra de vinhos de fora da demarcação, bem como da lotação destes com vinhos de ramo, só se permitindo a exportação de vinhos mais caros, que correspondessem aos vinhos de feitoria ou vinho fino.
A demarcação do Alto Douro, ainda em 1756, foi considerada prioritária pelo próprio Sebastião José de Carvalho e Melo que, por aviso de 6 de Setembro desse ano, determinava que marchassem “logo” para o Alto Douro, com tal missão, os deputados da Junta da Administração da Companhia, Manuel Rodrigues Braga e José Monteiro de Carvalho.
As dificuldades, contudo, porque passou a Companhia nos últimos meses do ano de 1756, devido às resistências e à hostilidade desenvolvidas por parte da burguesia portuense de negócios e dos negociantes ingleses radicados na cidade, apostados em boicotar a saída dos barcos fretados pela Companhia e carregados com vinhos, aguardentes e vinagres destinados ao Brasil, assim como o motim do Porto de Fevereiro de 1757 contra a recém-criada Instituição, impediram que qualquer diligência se desenvolvesse no sentido de se proceder à demarcação pombalina do Alto Douro.
Fica assim claro, desde já, que a intenção de se efectuar a demarcação do Alto Douro é de 1756, mas a sua concretização só vai iniciar-se em 1757.
Por aviso de 28 de Julho de 1757, Carvalho e Melo manda demarcar “as duas costas do rio Douro e os respectivos terrenos que produzem diferentes qualidades de vinhos”, de forma a terminarem as “desordens” provocadas pela “confusão” existente entre vinhos bons e maus, encarregando o sargento-mor de infantaria Francisco Xavier do Rego de levantar as “costas” do rio Douro e nomeando para dirigir tal operação o desembargador Inácio de Sousa Jácome Coutinho, procurador fiscal da Companhia, e os dois deputados provadores da Companhia, Manuel Rodrigues Braga e José Monteiro de Carvalho, e convidando ainda Diogo Archibold, de nação inglesa, para testemunhar a boa-fé com que se ia proceder na separação dos terrenos do vinho tinto para o comércio da Europa do Norte, dos terrenos de vinhos destinados ao Brasil e ao consumo interno. 


Ainda nesse ano, porém, esta primeira demarcação foi anulada, uma vez que, como refere a carta régia de 20 de Setembro de 1758, a comissão demarcante tinha ultrapassado as instruções régias que deviam orientar aquele trabalho. Em Outubro de 1758 dá-se início à nova demarcação do Alto Douro, com nova comissão formada pelos desembargadores Manuel Gonçalves de Miranda e Luís de Morais Seabra e Silva, pelos deputados e conselheiros da Companhia, Pedro Pedrossem da Silva, Manuel Rodrigues Braga, Gaspar Barbosa Carneiro e Brás de Abreu Guimarães, e por Francisco Xavier do Rego com seus ajudantes.
Em Novembro de 1758, a demarcação das duas costas do rio Douro, com a indicação dos terrenos que produziam diferentes qualidades de vinhos pagos a preços distintos, foi terminada.
Nos anos seguintes, atendidas pelo Governo e instruídas pela Companhia, surgiram inúmeras reclamações dos proprietários do Alto Douro que se sentiam lesados com a demarcação, o que deu origem à revisão de todo este processo, que se deu encerrado, com carácter definitivo, em Outubro de 1761.


Esta demarcação dos terrenos produtores de vinhos de embarque, por alvará de 16 de Janeiro de 1768, foi alargada aos terrenos produtores de vinhos de ramo, com o objectivo de se controlar a produção e evitar a sua introdução na área demarcada do vinho de embarque, passando assim a haver duas demarcações distintas, a de vinho de embarque e a de vinho de ramo.
A arbitrariedade da demarcação fez com que nos terrenos demarcados para vinho da feitoria ficassem incluídas vinhas que produziam “péssimos vinhos, por estarem situadas em terrenos avessos e em vales baixos”, como em Lobrigos e Santa Marta, e que vinhos muito superiores como em Guiães, Galafura e Gouvães fossem reduzidos a vinho de ramo. Esta “desigualdade irremediável” e a “cobiça de aumentar o cabedal” fizeram com que muitos lavradores, clandestinamente, introduzissem as uvas ou vinho de ramo no distrito da demarcação do vinho de feitoria, dando origem a fraudes que alimentaram durante dezenas de anos as devassas no Alto Douro.


O aumento da exportação do Vinho do Porto a partir de 1774, e sobretudo no ano de 1787, vai dar origem, por aviso de 6 de Março de 1788, a nova demarcação, conhecida por demarcação mariana ou subsidiária, a qual, basicamente, ficou concluída em 1791, apesar de até 1801 ainda se ter registado um alargamento da área demarcada.
As demarcações referidas, sobretudo as pombalinas, muito contestadas pelos lavradores não contemplados nas mesmas, nunca impediu que, avulsamente, por ordens régias fundamentadas nas consultas da Companhia, outras propriedades se fossem juntando às propriedades demarcadas, por vezes sem qualquer continuidade geográfica relativamente à área demarcada. E que vinhos de outras regiões fossem adquiridos pela Companhia ao preço dos vinhos de embarque, como os vinhos do próprio Carvalho e Melo, das suas propriedades em Oeiras, e de João de Almada, primo daquele ministro, das suas propriedades de Monção.
Por aviso de 10 de Dezembro de 1823, a Companhia procedeu ao apuramento das propriedades que, pela qualidade dos seus vinhos, mereciam ser incluídas ou excluídas no território da demarcação e, na sequência de outro aviso, de 2 de Agosto de 1824, a Junta remeteu ao Governo o plano de uma nova demarcação, mas não teve qualquer seguimento.


A região demarcada alargava-se por 67 freguesias das duas margens do rio Douro – predominantemente, da província de Trás-os-Montes –, passando, com a demarcação subsidiária, a incluir mais uma freguesia.
A região vinícola demarcada do Alto Douro conheceu sucessivos alargamentos no século XIX, de tal modo que em 1907 chegou até à fronteira com a Espanha. No ano seguinte, porém, deu-se uma redução da área produtora do Vinho do Porto, de tal modo que, na sequência do decreto de 10 de Dezembro de 1921, podemos afirmar que a região demarcada do Alto Douro passou a corresponder, praticamente, àquela que ainda hoje permanece.
Considerada por François Guichard “a primeira demarcação no mundo de uma zona de denominação de origem controlada no sentido contemporâneo do termo”, a demarcação pombalina, que nunca correspondeu a qualquer entidade administrativa, acabou por conceder à região do Alto Douro, como sublinhou Gaspar Martins Pereira, uma identidade própria que veio até aos nossos dias. In Espólio fotográfico Português, ciclo do vinho do Porto

Espólio fotográfico português – Ciclo do vinho do Porto – descrição e centenas de fotografias do Douro – Foto Beleza


Na segunda metade de Oitocentos, um conjunto de factores conjuga-se para marcar o ponto de viragem do Douro pombalino para o Douro contemporâneo, promovendo profundas mudanças na viticultura duriense. Depois das destruições provocadas nos anos cinquenta pelo oídio, é a filoxera que, a partir da década seguinte, reduz a mortórios grande parte do vinhedo da área demarcada. Em 1865, a instauração do regime de liberdade comercial constitui, de facto, ao nível regional, a abertura da linha de demarcação, permitindo a expansão rápida do vinhedo no Douro Superior, onde o ataque da filoxera foi mais tardio e menos violento.
Surgem novas práticas de preparação do terreno, alteram-se as práticas de plantação da vinha, seleccionam-se as melhores castas regionais para enxertia, difunde-se a utilização racional de adubos e fito - sanitários, aperfeiçoam-se os processos de vinificação...
No final do século, é bem visível o impacto da filoxera no reordenamento do espaço regional.
Aos poucos reorganizado e estendendo-se agora a uma área muito maior, o vinhedo duriense contará, a partir de finais dos anos oitenta, com um outro inimigo, bem mais destruidor que as doenças da videira - a crise comercial. Paralelamente, a fraude. As imitações de vinho do Porto tornam-se frequentes nos nossos principais mercados, onde se vendem os French Ports, os Hamburg Ports, os Tarragona Ports, por preços inferiores aos genuínos Port Wínes.
Crise comercial, crise da lavoura, o Douro era um retrato de miséria.
Ao iniciar o seu governo de ditadura, a 10 de Maio de 1907, João Franco assinava um decreto que vinha regulamentar a produção, venda, exportação e fiscalização do vinho do Porto, regressando aos princípios que nortearam, 150 anos antes, a política pombalina de defesa da marca. Foi novamente demarcada a região produtora, abarcando agora o Douro Superior. Restabelecia-se o exclusivo da barra do Douro e do porto de Leixões para a exportação dos vinhos do Porto, reservando-se a denominação de Porto para os vinhos generosos da região do Douro, com graduação alcoólica mínima de 16,5º. A protecção e fiscalização da marca ficavam a cargo da Comissão de Viticultura da Região do Douro.
Em contrapartida, o decreto de 27 de Junho, que veio regulamentar o comércio das aguardentes, proibia a destilação dos vinhos durienses, obrigando o Douro a receber de outras regiões vitícolas a aguardente para beneficiação dos seus vinhos, facto que motivou violenta contestação. O alargamento excessivo da área de demarcação suscitou também viva polémica. No ano seguinte, o governo do Almirante Ferreira do Amaral (decreto de 27 de Novembro) iria optar pela demarcação por freguesias, reduzindo a área produtora de vinho do Porto praticamente ao espaço da actual demarcação (dec. - Lei de 26 de junho de 1986), que corresponde à que foi estabelecido pelo decreto de 10 de Dezembro de 1921.
As exportações aumentaram a um ritmo nunca esperado, atingindo, em 1924/1925, mais de cem mil pipas, nível que só seria ultrapassado em finais da década de 1970.
Porém, a situação nas aldeias do Douro não parece ter sofrido melhorias significativas. A miséria e a fome agravavam-se com a subida dos impostos e dos preços dos produtos, no fim da Monarquia e durante a 1ª República. A agitação política e social do primeiro quartel do século XX marcou um dos períodos mais turbulentos da história do Douro. Manifestações, comícios, motins, incêndios de comboios com aguardente do Sul, assaltos a Câmaras e Repartições Públicas.
O novo regime nascido do levantamento militar de 28 de Maio de 1926 viria impor novas alterações na organização do comércio de vinho do Porto e da lavoura duriense, reforçando o intervencionismo estatal.


Rio Douro - gravura antiga

Logo em 1926, foi criado o Entreposto de Vila Nova de Gaia, que deveria funcionar como prolongamento da região produtora. Todas as empresas ligadas ao comércio do vinho passariam a ter aqui obrigatoriamente os seus armazéns de envelhecimento, acabando, na prática, com a comercialização directa, a partir do Douro.
Em 1932, o regime corporativo organizava os Grémios da Lavoura, com representação dos Sindicatos locais, constituídos pelos proprietários cabeças - de - casal. Por seu turno, os Grémios Concelhios passariam a associar-se na Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro - Casa do Douro, organismo encarregado de proteger e disciplinar a produção. Regulamentação posterior (decreto de 30 de Abril de 1940) atribui-lhe poderes para elaborar a actualização do cadastro, distribuir o benefício, fornecer aguardente aos produtores, fiscalizar o vinho na região demarcada e conceder as guias para os vinhos a serem transportados para o Entreposto de Gaia.
Em 1933, era organizado o Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, associação do sector comercial com as funções de zelar pela disciplina do comércio.
As actividades da Casa do Douro e do Grémio dos Exportadores passam a ser coordenadas pelo Instituto do Vinho do Porto, organismo criado nesse mesmo ano, com as funções de estudo e promoção da qualidade, fiscalização e propaganda do produto.
Foi actualizado o cadastro dos vinhedos. De acordo com a localização, as características do terreno, as castas e a idade da vinha, a Casa do Douro atribui anualmente a cada viticultor uma autorização para produzir uma quantidade de mosto determinada, a que corresponde uma certa qualidade (da letra A, o melhor, até à letra F) e um preço correspondente. É o sistema de benefício.
A partir dos anos 50, desenvolve-se o movimento cooperativo, que, nos inícios da década seguinte, abarcará cerca de 10% do número de produtores e da produção vinícola regional.
Após 1974, a organização corporativa é extinta, mas a Casa do Douro e o Instituto do Vinho do Porto mantêm as suas funções básicas de defesa da qualidade da marca. Por seu turno, o Grémio dos Exportadores deu lugar à Associação dos Exportadores do Vinho do Porto, que passou a designar-se, mais recentemente, Associação das Empresas de Vinho do Porto.
Entre as empresas exportadoras, tem-se verificado uma tendência para a concentração. Paralelamente, algumas dessas empresas têm realizado grandes investimentos na área da produção, adquirindo quintas e vinhedos, e fazendo novas plantações. Em movimento inverso, alguns produtores lançam-se, desde 1978, no circuito da comercialização directa, recuperando uma prática perdida em 1926. Em 1986, cria-se a Associação de Produtores Engarrafadores de Vinho do Porto, visando sobretudo a exportação directa, a partir das quintas do Douro, em nome dos respectivos produtores.


Em 1995, a região Demarcada do Douro viu alterado o seu quadro institucional. Passou a estar dotada de um organismo interprofissional, - a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD), no qual tinham assento, em situação de absoluta paridade, os representantes da lavoura e do comércio, com o objectivo comum de disciplinar e controlar a produção e comercialização dos vinhos da região com direito a denominação de origem. As alterações introduzidas respeitaram, contudo, as especificidades históricas, culturais e sociais da região, seguindo as linhas orientadoras da lei - quadro das regiões demarcados vitivinícolas. Duas secções especializadas compunham o Conselho Geral da CIRDD determinando as regras aplicáveis a cada uma das denominações: uma relativa à denominação de origem "Porto" e outra aos restantes vinhos de qualidade ("vqprd") da região.
Este modelo veio a sofrer nova alteração em 2003, com a substituição da CIRDD por um Conselho Interprofissional integrado no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Autor: Gaspar Martins Pereira - In site ivdp.pt




Uma das consequências da instauração da Companhia foi a grande reforma no número e qualidade as tabernas. 
Segundo vários autores haveria entre 600 a 1000 o que tornava impossível a sua fiscalização pela edilidade e o povo era o mais prejudicado. Era habitual vender-se o pior vinho, misturado com várias mixórdias e água, pelo maior preço possível.
Assim a câmara decidiu reduzir o seu número para cerca de 100, espalhando-as pelo centro e arredores do Porto desse tempo.
Obviamente esta medida desagradou a muito boa gente, especialmente aos comerciantes e vendedores de vinho por grosso. Também os ingleses não se mostraram nada contentes. 
Veremos, mais adiante os tumultos, provocados pela instauração da Companhia, no Porto em Fevereiro de 1757.

Tascas do Porto

2 comentários:

  1. Olá
    Numa próxima viagem pelo Douro vou estar atento a estes marcos.
    Para já....venha daí mais um cálice de porto...ou dois.
    Cumprs
    Augsto

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  2. Acompanho-o nos cálices do Porto. No Douro é Vinho Fino.
    Cumprimentos
    Rui

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