9.10 - Memórias de Alexandre Herculano sobre o Porto, Elogio ao Porto e aos portuenses, D. Pedro IV encarrega Herculano de iniciar a biblioteca, Alexandre Herculano pede a demissão de bibliotecário, Herculano em Vale de Lobos.
Alexandre Herculano em “Cenas de um ano da minha vida” escreveu:
“ Entre as cidades do Minho, pertence a primazia ao Porto, não só pela superioridade da sua população, mas por muitas outras circunstâncias que a tornam talvez a mais notável do nosso Portugal. Berço da monarquia lhe podemos chamar; porque dela Portugal tira o nome, e parece que aí, como fonte da existência nacional, se tem conservado perene a seve e vigor do carácter português. Independência de ânimo, valor militar em subido grau, espírito dado às navegações e ao comércio, enfim, os principais dotes dos nossos avós são ainda hoje as feições características do povo portuense… O Porto é e será sempre o “ultimum moriens” da Nacionalidade. ” Alexandre Herculano, alguém muito exigente, sabe a que se refere, pois viveu no Porto.
E nas suas Lendas e Narrativas:
“Consideremos o período da infância e da juventude de Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, nascido, lembra-se, em Lisboa, em 28 de Março de 1810, filho de Teodoro Cândido de Araújo e de Maria do Carmo de São Boaventura... Para compreendermos sobretudo os primeiros anos do percurso de Alexandre Herculano, não podemos desligá-lo de toda uma geração, a começar pela figura tutelar de D. Pedro, Duque de Bragança, Regente em nome de D. Maria II. Como, por várias vezes, tem sido sublinhado, o empenhamento do Monarca foi decisivo na criação e instalação da RBPP (Real Biblioteca Pública do Porto). Era uma intenção já com algum tempo de gestação e que foi, passo a passo, concretizada. Exemplo do acompanhamento direto e pessoal que D. Pedro prestava à “sua” Biblioteca é a audiência que, em 4 de agosto de 1834, concedeu, no Paço do Porto, ao 1.º Bibliotecário, Diogo de Góis Lara de Andrade, quando este lhe foi apresentar o plano de classificação e a lista de obras a adquirir para a RBPP.
Grande figura contemporânea de Herculano no período do Porto foi Almeida Garrett: o Largo dos Loios era o seu lugar de tertúlia. Ambos assumiram o papel do escritor “romântico” que às letras associa as armas. Os dois se alistaram como voluntários.
A biblioteca do Porto começou nesta casa junto do mercado do peixe, na cordoaria – entre 1838 e 1854 foi aqui a roda dos expostos.
Garrett pertencia ao Batalhão Académico e entregava-se, ao mesmo tempo, à escrita do romance, enquanto Herculano, dos Voluntários da Rainha, pendia mais para a História, vindo a ser dispensado do serviço militar activo, para fazer face à tarefa urgente de cuidar da biblioteca entretanto sequestrada ao Bispo do Porto...
Os documentos que conduziram à nomeação de Herculano declaram: "“começou a servir espontaneamente no arranjo de varias livrarias abandonadas em Novembro [de 1832], e por ordem de V. M. I. em Março [de 1833]"”, por conseguinte, antes da fundação da RBPP, oito e quatro meses, respectivamente. Às “livrarias abandonadas” acrescentaremos a biblioteca sequestrada a D. João de Magalhães e Avelar, Bispo do Porto. Estão, aliás, bem documentadas as preocupações da Câmara e do Governo quanto à guarda dessa preciosíssima colecção, que alcançara fama muito para além dos limites da Cidade.
Lembremos que, para além de Herculano, havia outro bibliotecário encarregado da custódia e tratamento da biblioteca pessoal do Bispo: Diogo de Góis Lara de Andrade. Em breve, ambos irão transitar para a nova Biblioteca Portuense, da qual os livros do erudito prelado serão um dos núcleos fundadores. A nomeação de Alexandre Herculano, em 17 de Julho de 1833, expressa o reconhecimento de um certo grau de especificidade quanto às habilitações literárias requeridas para o preenchimento do lugar de 2. º bibliotecário da RBPP...
É bem conhecido o facto de Alexandre Herculano, em 17 de Setembro de 1836, pedir ao Presidente da Câmara a demissão do lugar de 2. º Bibliotecário da RBPP, por, na sequência da Revolução de Setembro, ter sido chamado a jurar a Constituição de 1822, o que contrariava idêntico acto face à Carta Constitucional, três semanas antes.
1 ª. Carta de Alexandre Herculano:
Ill.mo Snr. Persuadido pela voz da íntima consciência de que não devo prestar o juramento p.a que V. S.a me convida no seu Officio de hoje, julguei também me cumpria communicar-lhe immediatamente a minha resolução. A fé que prometti guardar à Carta Constitucional da Monarquia sellei-a com as miserias do desterro e com os padecimentos e riscos de soldado, que passei na emancipação da Patria; – para a conservação de um cargo publico não sacrificarei, portanto, nem a religião do juramento, nem o orgulho que me inspiram as minhas acções passadas. Pode, assim, V. S.ª declarar a essa Ill.ma Camara que o meu lugar de Segundo Bibliothecario está vago, para que ella proponha ao Governo actual, para o preencher, qualquer outra pessoa, que por certo, melhor do que eu desempenhará as obrigações a elle annexas. – Deos guarde a V. S.ª – Porto 17 de Setembro de 1836. – Ill.mo Snr. Manoel Pereira G.es – Alexandre Herculano de Carv.º e Araújo.
2ª. Carta de Alexandre Herculano
Ex.mo Snr. Manuel da Silva Passos.
Ha um mez que o 1.º bibliothecario da Biblliotheca Publica d’esta cidade e eu fomos convocados para prestar juramento á Constituição de 1822, que então e hoje, de futuro alterada, felizmente nos regia e rege. Ambos recusamos praticar esse acto: procedimento a que, pela minha parte, me levaram as rasões que V. Ex.ª verá da resposta que dei, e que remetto inclusa. Foi logo demittido o meu collega, e eu ainda aqui estou esquecido.
Não attribuo isto a falta de equidade de V. Ex.ª porque reconheço a rectidão da sua alma e que nem odio nem affeição seriam capazes de torcer os principios de V. Ex.ª, antes o lanço á conta dos muitos cuidados e negocios que cercam a V. Ex.ª no alto cargo em que o collocou o voto unanime da Nação, e a livre escolha de S. M. a Rainha. Só da minha insignificancia me dôo, que fez não ser eu lembrado de V. Ex.ª, que a tantos, com mão profusa, tem liberalisado a honra da demissão.
Não creia V. Ex.ª que por este modo a peço; porque nem uma demissão pedira eu ao Governo actual: esta minha carta é apenas um memorial que levo á presença de V. Ex.ª como se eu fosse alheio ao caso, porém não indifferente á boa fama e gloria de V. Ex.ª.
A Providencia se não esqueça de V. Ex.ª, nem de nós, como todos precisamos para que Portugal seja salvo. - Porto 19 de Outubro de 1836. (a) Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo”.
In Alexandre Herculano e a Real Biblioteca Pública do Porto: um caso exemplar, por Luis Cabral
Catálogos de livros feitos por Alexandre Herculano
Mas foi o antigo convento de Santo António, construído no século XVIII, doado à Câmara em 1839, que deu lugar a um edifício repleto de histórias e um sem fim de obras literárias. Os fundos primitivos foram constituídos pelas obras pertencentes às bibliotecas dos Conventos, incorporadas nos bens nacionais na sequência da legislação do Governo Liberal que suprimiu as Ordens e as Congregações religiosas, pelas colecções "sequestradas" a particulares conservadores, e também com um exemplar de toda e qualquer obra impressa em Portugal. Ao longo dos anos as colecções da Biblioteca foram sendo sucessivamente enriquecidas por doações, permutas e aquisições.
Alexandre Herculano em Vale de Lobos
Alexandre Herculano e a Real Biblioteca do Porto: um caso exemplar
«Aqui dorme um Homem que conquistou para a grande Mestra do Futuro, para a História, algumas importantes verdades»
Em 1876, D. Luís transformou-a em Biblioteca Municipal. É uma das três principais Bibliotecas do País, sendo a maior e a mais antiga Biblioteca Pública Municipal Portuguesa, assumindo graças à riqueza do seu espólio, um carácter nacional e mesmo internacional, o que transcende o papel comum de uma biblioteca dita Municipal. Entrando na Biblioteca somos confrontados com mais de 20 quilómetros de livros para percorrer, cerca de um milhão e trezentos mil documentos, divididos em três pisos”. In blogue Calçada da Miquinhas.
Grupo de notáveis durante o cortejo integrado nas comemorações do centenário do nascimento de Alexandre Herculano, em maio de 1910.
Nesta foto, tirada na rua de Santo António (hoje de 31 de Janeiro), surge-nos, em primeiro plano, Marcos Guedes, presidente da Associação de Jornalistas de Homens de Letras, e atrás, de chapéu de palha, o filho de Aurélio da Paz dos Reis. Foto: Aurélio da Paz dos Reis; CPF - In Porto Desaparecido. Marcos Guedes foi o sósia de António Silva, ou o contrário.
Manifestação no Porto em homenagem a Alexandre Herculano pelo 1º. Centenário do seu nascimento – 1910 – in blogue LAH1954.
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