sábado, 23 de março de 2013

DOS GUINDAIS A MASSARELOS - II


2.7 - Dos Guindais a Massarelos - II 


Escadas das padeiras de Avintes – Sobre o fornecimento de pão e broa ao Porto, tanto de Avintes como de Valongo, trataremos em local próprio


Rebocador Avestruz no cais da Ribeira


Muro dos Bacalhoeiros - descarga de cebolas


Venda de cebolas



Arcos das Ribeira


Ribeira – carros de bois esperando a sua vez de carregamento. 
Esta foto é raríssima, pois está invertida. Vê-se a Rua de S. João á direita e a dos Mercadores à esquerda.


1906


Feira da Louça – 1962 – foto de Emanuel Ramoa de Castro


Foto dos anos 70 do Século XX

“A Rua de São João dos armazenistas de mercearias e de carros de bois estacionados na berma da rua a carregarem caixas de sabão, sacos de arroz e de açúcar e quintais de bacalhau miúdo e graúdo para as mercearias do Porto e arrabaldes. A Ribeira típica e com caras conhecidas e estabelecidas nas arcadas do Muro dos Bacalhoeiros com lojas de venda de secos e molhados onde se incluíam as postas de bacalhau a dessalgar na água, o polvo seco e fresco, sardinhas, caras e línguas de bacalhau salgadas, em barricas, cebolas, alhos e azeitonas em salmoura expostas em grandes alguidares de barro. Por ali cheirava a sardinha, carapau e sável frito e a iscas de bacalhau.” In Porto Tripeiro


O mesmo local após a reabilitação de 1981 - Dado o aspecto festivo admitimos que seja na inauguração da Fonte do Cubo de José Rodrigues


Fachada e fonte de S, João – John Whitehead – 1726-1802 - a água vinha da Arca de Malmajudas. No nicho esteve a imagem de S. Pantaleão, antigo padroeiro do Porto...


...hoje está uma de S. João, de Cargaleiro – uma habitante da Praça da Ribeira contou-nos que, no próprio dia da inauguração o povo do lugar lhe chamou o " Quim Bareiros", pois tem um acordeão e, coitado, não tem pés, pelo que não pode fugir daquele lugar.  

Encontrámos um interessante testemunho de Jorge Coelho, que nos conta aquela Ribeira que conhecemos nos anos 50, e que tantas vezes foi visitada pelo Padre Américo. Por ali passava todas as semanas e descrevia de forma tão impressionante a sua pobreza e miséria. "Há poucos anos, a Ribeira era marginal; não porque se tratasse de local mal-afamado situado à beira-rio mas porque, de algum modo, a generalidade da população do Porto ignorava esta zona típica da cidade como possível cenário de lazer, encontro ou convívio, com o Rio Douro a oferecer-se ao desfrute e descanso dos olhos e do espírito. A Ribeira nunca foi uma zona perigosa. Em todo o caso, a Ribeira não fazia parte, por exemplo, do «passeio dos tristes» dos portuenses, mais «vocacionados» para o sobe-desce de Santa Catarina, 31 de Janeiro ou Clérigos, ruas de comércio, de montras enfeitadas de tentações utilitárias ou de ostentação, que os mirones podiam ver, e já era alguma coisa, para sonhos que a escassez das bolsas nunca permitiria se transformassem em realidade. A Ribeira era pouco mais do que «uma coisa lá para baixo», um sítio onde viviam pobres e trabalhadores do rio, sem interesse para o turismo. A Ribeira vivia a sua vida, cumpria a sua história, diariamente protagonizada pelos seus habitantes, gente ligada à faina fluvial, vendedeiras de mercado, crianças esfarrapadas ou seminuas, nuas às vezes, quando o tempo chamava ao banho no rio e aos saltos do tabuleiro inferior da ponte. Meia dúzia de tasquinhas, um ou outro restaurante mais «limpinho», a tirar partido do tipicismo da zona: na Ribeira não havia mais nada que justificasse a permanência, sobretudo à noite. Hoje, a Ribeira não é o que era, entregue ao turismo. Está tudo disperso, foram as pessoas para os bairros, o do Aleixo, o do Regado, o da Pasteleira, etc.. Bem sei que no meu tempo de catraio havia muita miséria, vivia tudo a monte. Havia os paquetes... Os paquetes eram casas com andares todos subdivididos e cheios de gente, eram autênticas ilhas ao alto, umas verdadeiras colmeias onde se vivia aos magotes, em promiscuidade e sem condições nenhumas, a água ia-se buscar ao corredor, a uma torneira. Quando havia água. Um dos paquetes, a que chamávamos da Rosa Padeira, ficava na Rua da Fonte Taurina. Fominha não faltava. A fome fazia parte da nossa vida, meus pais trabalhavam muito e ganhavam pouco, punham-se objectos no prego. Era normal estrear-se roupa comprada a prestações. A vida melhorou, existem melhores condições de habitação, vive-se melhor, mas temos a outra face da moeda, perderam-se as relações de vizinhança, perderam-se valores de humanidade. A Ribeira tem turismo, com restaurantes de luxo, está retocada, mas ferida de agressão vil pelo «senhor dinheiro», que não respeita valores, que retira os seus poucos moradores para os bairros sociais. Pergunto o que será feito daqui a poucos anos da identidade genuína deste povo que nasceu e viveu e quer acabar os seus dias na Ribeira e S. Nicolau.”


Descarga para barcaças donde são transportadas às costas para o cais – parecem ser sacos de sal, uma das mercadorias mais movimentadas, sobretudo quando os barcos iam ou vinham pouco carregados, de forma a fazer lastro.


Cais da Ribeira - descarga de sacos


Ribeira à noite – 2013 – foto de TAF


Cheia de 1909 - Trataremos em pormenor estes trágicos acontecimentos em local próprio.


Painel Ribeira Negra de Júlio Rezende 

Zona da Ribeira e ponte Luis I - video


“O "Duque”, uma presença diária do barqueiro e a figura mais conhecida da Ribeira, era o tripeiro “castiço” mais respeitado da zona ribeirinha por ser recuperador de corpos das vítimas, varrendo o fundo do rio com a fateixa, que enfastiadas do viver e, algumas, acossados pelos credores ou de raparigas, desilusionadas, por terem sido enganadas e desonradas pelos namorados se atiravam ao Douro do tabuleiro de cima da ponte de Dom Luis para por termo à vida terrena e encobrir a vergonha.” In Porto Tripeiro.


Deocleciano Monteiro, popularmente conhecido por Duque da Ribeira, (Porto, 24 de Março de 1902 – Porto, 9 de Novembro de 1996) foi um barqueiro e figura carismática da cidade do Porto. Nascido e criado na Ribeira, em convívio diário com o Rio Douro, com apenas onze anos, salvou um homem de morrer afogado no rio e, a partir daí, foi protagonista de inúmeros salvamentos naquele local ao longo de décadas. O Duque da Ribeira tornou-se na figura mais popular da Ribeira do Porto e foi alvo de diversas homenagens. A praça junto à Ponte Luis I recebeu o seu nome, tendo sido colocada uma lápide no local, com busto de José Rodrigues.




“Apareceu saindo da viela; o caminho do “Barredo”, o Padre Américo, embrulhado numa capa preta e seguido por miúdos. O fundador da Casa do Gaiato, em Paço de Sousa, era uma visita constante aquele lugar escuro e de muita miséria que por ali existia, consolando doentes com palavras e lhes ia deixando uma dádiva; para que a dor lhes fosse menor.” In Porto Tripeiro.


Casa do Gaiato de Paço de Sousa – Casa Mãe 

O Padre Américo, para muitos Pai Américo, nasceu a 23 de Outubro de 1887 na freguesia de Galegos, Concelho de Penafiel, tendo sido baptizado em 4 de Novembro do mesmo ano. Terminado o liceu, em 1902, emprega-se, no Porto, numa loja de ferragens. Em 1906, parte para Moçambique, estabelecendo-se em Chinde, onde trabalha na companhia The British Central Africa e na African Lakes, como despachante. Por essa altura trava conhecimento com o padre Rafael Maria da Assunção, que mais tarde seria nomeado Bispo de Cabo Verde. Regressado a Penafiel, em 1923 , contacta o pároco local de quem tinha sido companheiro de infância e comunica-lhe o desejo de entrar para um convento franciscano, dando como única explicação a frase "é uma martelada!". Dois meses depois entra no Convento de Santo António de Vilariño, em Tui (Espanha), onde permanece durante 9 meses como postulante, a estudar latim e ciências e mais um ano, depois da tomada do hábito. As dificuldades em se adaptar à vida monástica conduzem à sua saída em Julho de 1925, mas tenta ingressar no seminário diocesano do Porto, mas o Bispo, D. António Barbosa Leão, não dá seguimento ao seu requerimento. Contacta então o Bispo de Coimbra, D. Manuel Luis Ferreira da Silva, que o aceita. Depois de se formar em Teologia no Seminário de Coimbra, foi nomeado Perfeito do Seminário e professor de Português. É igualmente capelão em Casais do Campo, freguesia de São Martinho do Bispo e designado pároco de São Paulo de Frades, não chegando a tomar posse, incapacitado por um esgotamento. É quando D. Manuel Luís Coelho da Silva, Bispo de Coimbra, lhe entrega a Sopa dos Pobres, em 1932 que começa a revelar a sua verdadeira vocação. A partir daí não mais parou. Em Agosto de 1935 inicia as Colónias de Férias do Garoto da Baixa em Coimbra, estágio embrionário do que viria a ser posteriormente a Casa do Gaiato. Seguem-se Vila Nova do Ceira e Miranda do Corvo. A 7 de Janeiro de 1940, finalmente, o Padre da Rua funda a primeira Casa do Gaiato no lugar de Bujos, em Miranda do Corvo. A segunda Casa do Gaiato, no mosteiro beneditino de Paço de Sousa, seria o local escolhido, para o surgimento da Aldeia do Gaiato para acolhimento e alojamento de jovens a que se seguiria o Lar do Gaiato, no Porto.

A ALDEIA DOS RAPAZES DA RUA: A OBRA DO PADRE AMÉRICO - 1947


No mesmo âmbito e sob o lema «cada freguesia cuide dos seus pobres» é o projecto de construção das primeiras casas do Património dos Pobres, também em Paço de Sousa, em Fevereiro de 1951. 


A Obra da Rua é consagrada ao Santíssimo Nome de Jesus, e o seu ex-líbris é o Quim Mau, o garoto de braços abertos que pede o amor do próximo. Em 1942, publica Obra da Rua. A 5 de Março de 1944 aparece o primeiro número do jornal O Gaiato, quinzenário da Obra da Rua, de que é fundador e director. Em 1950, sai a público o primeiro volume do livro Isto é a Casa do Gaiato. 


Em 1952 toma posse da quinta da Torre, em Beire, freguesia de Paredes, para a instalação de uma Casa do Gaiato e do Calvário, para o abrigo de doentes incuráveis. Em 1956, morre vítima de acidente de viação em Campo no concelho de Valongo. O seu processo de glorificação canónica teve início em 1986, tendo já sido enviado para Roma. 


Embora um pouco longo, não podemos deixar de transcrever duas passagens do Padre Américo que mostram claramente a sua visão sobre o próximo. A primeira passagem é tirada da homilia que fez em Fátima, em 13 de Maio de 1952, quando apresentou O Património dos Pobres. A segunda foi escrita em O Gaiato pouco tempo depois. 

-“A semana passada, contaram-me e eu não quis acreditar e fui ver, irmãos, fui ver com estes olhos. Eu fui ver e num curral, juntamente com os animais que lá estavam, vivia uma família de seis e uma criança de berço. E quando eu entrava diziam: “Olhe que cheira aí muito mal, não entre”. Mas eu ia justamente para tirar o mau cheiro, e já está uma casa quase em meio ao pé daquele curral. Aquela família de sete já vê pôr vidros nas janelas, já vê outras casas semelhantes onde têm outros a mesma sorte contentes com a certeza. Quem operou o milagre? A Justiça. Onde está o dinheiro para pagar essa casa? Não é da minha conta. Da minha conta é sim colocar lá aquela família. Irmãos queridos vou-me embora. Perdoai-me o atrevimento, mas eu termino como comecei. Eu não sei viver mais nada, eu não sei dizer mais nada, eu não sei sentir mais coisa nenhuma, senão somente o Pobre e este crucificado! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”. 

-“ O vento soprou em Fátima! Foi uma bomba. E o meu espanto é que tenha sido, quando a verdade é que eu falei somente das minhas experiências do Pobre, tendo ido buscar ao Evangelho a parábola do Bom Samaritano. Tu tão chão, tudo tão conhecido; diria mesmo tão vulgar, se o Evangelho tivesse vulgaridades… Foi uma bomba!... É a Verdade! Cristo Jesus é a Verdade! Anda-se tão afeito à caricatura que quando alguém mostra o Original, causa por isso nas almas uma autêntica revolução! Foi assim naquela hora. E aquela Hora não foi minha. Eu não me atrevia. Eu disse que não até à última, mas o Vento sopra aonde quer… 

Uma das marcas, para mim mais consoladora, foi a imensa alegria dos pobres ao terem conhecimento da minha Oração: uns porque tiveram ocasião de escutar, outros porque outros lha disseram. Nas minhas frequentes visitas aos “Barredos”, os meus visitados não tinham outra palavra, - “nós fomos falados por si em Fátima. Nós fomos defendidos por si em Fátima”… Quando iremos nós deixar a caricatura e dar às almas o Cristo Vivo que se fez sangue – quando?! … Aquela Oração de dez minutos foi dos pobres aos Pobres. Milhares e milhares deles escutaram. Quanto alívio! Quanta Esperança! Nunca Fátima foi tão Fátima!"

Vídeo sobre o Porto 


Muro dos bacalhoeiros – foto Francisco Oliveira


Postigo dos banhos – último quartel do séc. XIX


Descarga de bacalhau no cais da Alfândega velha – Foto de Marques Abreu – 1912


Rua da Alfândega – transporte do bacalhau - Vê-se a Capela de Nossa Senhora do Ó, a Casa do Infante e o actual Arquivo Distrital Do Porto 

Douro – faina fluvial – filmado em 1931 – Manuel Oliveira 


Igreja de S. Pedro de Miragaia – sobre esta igreja, o Convento de Monchique, o Palácio de Cristal, o Monte dos Judeus e outros temas deste bairro, trataremos em locais próprios.


A construção da Alfândega Nova exigiu a abertura de uma rua que a ligasse à actual Rua Infante D. Henrique. Para tal foram expropriados e destruídos muitos prédios e muitas famílias deslocadas. Chama-se Rua Nova da Alfândega. Porém, vários estudiosos do Porto dizem que se teria chamado, inicial e logicamente, Rua da Alfândega Nova, em contraste com a Rua da Alfândega que, subindo do rio, servia a Alfândega Velha. Assim sendo teriam, estes doutos personagens, toda a razão pois esta não se passou a chamar rua velha da alfândega. Aliás há pelo menos uma escritura de 1875, onde interfere a C. M. P., com a informação de Rua da Alfândega Nova como se pode ler num artigo em O Tripeiro, série V, ANO XIII, escrito por António Sardinha a páginas 63.


Alfandega Nova - Sobre este edifício já tratamos na publicação Bairros da Cidade - XXIII e voltaremos a escrever mais tarde.




Ramal ferroviário da Alfândega nova a Campanhã

Alfândega do Porto – vídeo da C.M.P.

3 comentários:

  1. Parabéns por esta tão rica publicação. Tocou-me especialmente a menção ao Padre Américo. Morreu quando eu tinha 10 anos, lembro-me bem do funeral que vi passar quando o cortejo fúnebre cruzou a Circunvalação em S. Roque da Lameira a caminho de Paço de Sousa. Demorou horas a passar!

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário. Na verdade fomos muito amigos do grande Homem que foi Padre Américo. Com ele convivemos vários anos e muito lhe devemos na nossa atitude sobre Deus e os outros.

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  2. Bom dia Sr. Rui Cunha
    Encontro-me a fazer um estudo histórico-arqueológico sobre um conjunto de edifícios situados no Muro dos Bacalhoeiros. Gostaria muito de ver o original da fotografia com o título "Postigo dos banhos – último quartel do séc. XIX". Encontra-se em algum arquivo público? Muito obrigada. Teresa Silva

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