2.13.19 – Quinta do Covelo
Photo Guedes – 1900
Blog Ruinarte
A quinta do Covelo estava situada numa colina de onde se desfrutava um lindo panorama, e daí ser chamada de Quinta da Boa Vista. Tinha cerca de 9 hectares e chegou a produzir 40 pipas de vinho e muitos carros de cereal. Germano Silva escreveu um interessante artigo, que abaixo reproduzimos, e onde se refere às lutas liberais, que imortalizaram o nome desta quinta:
“No século XVIII, aí por 1720, a quinta, então chamada do Lindo Vale ou da Boa Vista, pertencia a um fidalgo chamado Pais de Andrade. Pela morte deste passou, por herança, para duas filhas que a venderam a um negociante chamado Manuel José do Covelo. A partir daqui fica-se a saber por que é que a quinta se passou a chamar do Covelo. No século XIX há o registo de nova mudança de dono por 1829 ou 1830, a quinta foi vendida, pelos descendentes do Covelo, a Manuel Pereira da Rocha Paranhos e passou a ser conhecida, também, por Quinta do Paranhos. O Manuel José do Covelo foi sepultado num mausoléu de pedra no interior da capela que tinha Santo António como padroeiro. O que resta dessa grande propriedade pertence, hoje, à Câmara do Porto que ali instalou um parque público. A casa e a capela, um belíssimo conjunto da Arquitectura setecentista, foram incendiadas e destruídas, em 16 de Setembro de 1832, na sequência de combates entre liberais e miguelistas, ocorridos durante o Cerco do Porto.
Logo a seguir à entrada no Porto do Exército Liberal, a 9 de Julho de 1832, os miguelistas trataram de montar, a partir do que, então, eram considerados os arrabaldes da cidade, um apertado cerco aos sitiados. Nesse sentido, criaram posições ofensivas em sítios de onde mais facilmente, através das suas peças de artilharia, lhes fosse possível atingir o centro da cidade e, ao mesmo tempo, impedir o reabastecimento das tropas liberais e dos próprios civis.
O alto do Covelo, a que popularmente se chamava "o monte", foi considerado pelas tropas absolutistas como o sítio ideal para montar a artilharia que havia de metralhar o centro do Porto e vigiar as movimentações de civis no sentido de impedir, por exemplo, que os lavradores de Paranhos introduzissem na cidade mantimentos e outros víveres através da estrada da Cruz das Regateiras. E com estes propósitos criaram uma autêntica fortificação na Quinta do Covelo.
Só que os liberais não ficaram quedos. Consta que por iniciativa do próprio D. Pedro IV as tropas constitucionais resolveram, em 16 de Setembro de 1832, desalojar os miguelistas do reduto do Covelo, a fim de ficarem com o controlo daquela zona, de grande importância estratégica para os combates que estavam para vir. Os objectivos dos liberais foram conseguidos. Uma força de "mais de 1400 baionetas", além de terem escorraçado os miguelistas, a quem causaram inúmeras baixas, ainda arrasaram fortificações e destruíram baterias e canhoneiras.
Mas por muito pouco tempo os soldados de D. Pedro lograram manter as posições que haviam conquistado. Os absolutistas contra atacaram, em Março de 1833, e conseguiram, depois de renhidos combates, com enormes perdas para as duas partes, retomar as posições que pouco antes haviam perdido. De imediato iniciaram a construção de "defesas do monte" erguendo ao redor estacadas ou paliçadas com o que pretendiam ocultar os trabalhos de fortificação que andavam a fazer. E os liberais? Que fizeram?
Voltaram ao ataque. Numa das digressões que diariamente fazia aos locais onde o perigo mais se fazia sentir, D. Pedro passou pela Aguardente (actual Praça do Marquês de Pombal) e apercebeu-se do perigo que constituía para a sua causa o facto de os miguelistas terem retomado o Covelo e providenciou para aquela posição voltasse a ser ocupada pelos liberais. Isso aconteceu a 9 de Abril de 1833. E a delicada e arriscada tarefa foi confiada ao coronel José Joaquim Pacheco que, mais tarde, viria a morrer, em combate, na Areosa. A cidade, agradecida, deu o seu nome à antiga Praça do Mirante que é hoje a Praça do Coronel Pacheco. Uma crónica da época refere esta segunda tomada do Covelo pelos liberais, da seguinte forma "… a 7 de Abril descobriu-se a longa estacada feita pelos miguelistas desde as primeiras casas de Paranhos até às eiras do Covelo. Queriam fortificar-se ali. Não havia tempo a perder. Era preciso desalojá-los. A artilharia dos liberais começou a responder desde as primeiras horas da manhã do dia 9 e durou o fogo até ás seis da tarde. Cruzaram-se os fogos das baterias da Glória (Lapa), do Pico das Medalhas (Monte Pedral), do Sério (alto da Lapa), da Aguardente (Marquês de Pombal) e de S. Brás. Uma força de mil homens saiu fora das linhas para tomar de assalto o monte do Covelo. Mas no dia seguinte (10 de Abril) os absolutistas voltaram com o intuito de retomarem as posições perdidas e onde os liberais haviam levantado um reduto em menos de oito horas. Estavam lá dentro apenas 200 soldados. Foram atacados por mais de 2000 do inimigo. Foram momentos decisivos. Duzentos homens livres conseguiram pôr em fuga 2000 do inimigo…"
Esta quinta foi doada ao Ministério da Saúde e à C. M. do Porto com a intenção de estas entidades aí instalarem um hospital para doentes tuberculosos. Porém, não tendo chegado a acordo para a sua construção, o M. S. aceitou que a C.M.P. transformasse esse espaço num parque onde os portuenses pudessem recrear-se. Foi desenhado pelo Arq. Castro Calapez.
2.13.20 – Quintas de Fafiães e do Chantre
Referir-nos-emos neste texto a duas quintas e um palacete dado que pertenceram à mesma família e neles supõe-se que esteve trabalhando o grande arquitecto/pintor Nicolau Nasoni.
Quinta de Fafiães
“Muito embora não tenham subsistido testemunhos documentais relativos à maioria das casas de campo, nos arredores do Porto, que se encontram associadas à figura de Nasoni, a sua atribuição a este artista italiano tem sido defendida por diversos autores (SMITH, 1967 e 1973; CARITA, 1987; FERREIRA ALVES, 1986). É este o caso da Casa e Quinta de Fafiães, que tal como a Quinta do Chantre ou a Casa do Dr. Domingos Barbosa, devem resultar de uma encomenda da família Barbosa Albuquerque ao referido arquitecto italiano.
Manuel Barbosa de Albuquerque foi Chantre da Sé do Porto entre 1732 e 1736, época em que terá estabelecido contactos com Nasoni no sentido deste intervir em Fafiães, dado que a capela apresenta uma inscrição com a data de 1731 (SMITH, 1967, p. 75). Esta ideia surge corroborada na investigação levada a cabo pelo historiador norte-americano Robert Smith, que ao analisar a obra de Nicolau Nasoni relacionou determinados elementos da Sé do Porto com a Casa de Fafiães. Entre outros, destacam-se os motivos de granito no muro que divide o jardim (SMITH, 1967, p. 76).
Este muro, situado no eixo da capela, separa a zona de acesso à Casa do espaço que lhe fica defronte, e onde sobressai a fonte, de remate sinuoso, com motivos muito semelhantes aos da portada do patamar da escada dos Clérigos (SMITH, 1967, p. 76). Assim, e neste conjunto arquitectónico e paisagístico de grande unidade, Nasoni terá optado por se aproximar do ideal de arquitectura civil europeu, em que todo o espaço "(...) é submetido a um grande eixo de desenvolvimento, onde a casa, como acontece nas villas italianas ou palácios franceses, se situava no centro deste eixo" (CARITA, 1987, p. 250).
A planta da Casa desenvolve-se em L, com fachada principal marcada pelas escadas de lanço único, de acesso ao andar nobre. A porta e janela centrais, unidas num único motivo, concentram em si a decoração do frontispício. A capela dedicada a Nossa Senhora do Desterro, que domina a zona lateral da Casa, a Norte, apresenta fachada rematada por frontão curvo e pináculos volumosos. Um remate que, de acordo com Smith, parece evocar os desenhos das gravuras do maneirismo flamengo (SMITH, 1967, p. 75). O portal, de desenho recortado, forma um bloco com a janela, também recortada, que se lhe sobrepõe. A sua concepção denota grande proximidade com a Capela da Quinta do Chantre, onde Nasoni optou por um esquema idêntico. Contudo, e ainda que mais planos, voltamos a encontrar uma série de elementos decorativos que recordam os utilizados na Sé portuense, nomeadamente ao nível da cartela da janela, das borlas do peitoril da janela ou das folhas de acanto no perfil da janela (SMITH, 1967, p. 75)”.
(Rosário Carvalho) IGESPAR.
Quinta do Chantre
A Casa e Quinta do Chantre devem a sua designação ao cónego da Sé do Porto, Fernando Barbosa de Albuquerque, que sucedeu como Chantre da referida Sé ao seu tio Manuel Barbosa, em 1736. Esta família gozava de grande proximidade com Nicolau Nasoni, o arquitecto que tão fortemente marcou o panorama arquitectónico do Porto, e do Norte do país, no reinado de D. João V, tendo-lhe encomendado diversas obras, entre as quais a casa do Dr. Domingos Barbosa, e a Casa de Fafiães. Note-se que a pedra de armas existente na fachada da Casa da Quinta do Chantre é igual à da Casa do Dr. Domingos Barbosa .
“Muito embora não subsistam testemunhos documentais desta obra, as suas características particulares parecem ser suficientes para atribuir o seu risco a Nicolau Nasoni, que deverá ter trabalhado aqui na década de 40 do século XVIII, uma vez que alguns elementos decorativos se aproximam de outros empregues na igreja de Matosinhos e na capela da Quinta da Conceição em Leça, estes devidamente documentados.
No conjunto de casas de campo desenhadas por Nasoni, nos arredores do Porto (margens dos rios Douro e Leça), a Casa do Chantre ganha maior destaque por ser considerada uma das obras fundamentais na carreira do arquitecto. É, não apenas o maior solar de tipologia comum desenhado por Nasoni, mas principalmente aquele em que se percebe o gosto pelas grandes alamedas, enquanto elementos de dinamização do espaço. Contudo, e tal como acontece na Quinta de Ramalde, a vasta alameda da Quinta do Chantre traça uma linha directa entre a casa do portão, mas sem se impor efectivamente na organização da paisagem. À semelhança do que acontece um pouco por toda a Quinta, também no portão se concentram alusões heráldicas à família – os dois leões são símbolo dos Barbosa e as flores-de-lis dos Albuquerque.
A Casa é constituída por um bloco rectangular, de tendência claramente horizontal, apenas interrompido pela torre que se ergue ao centro da fachada principal. A pedra de armas dos Barbosa de Albuquerque encontra-se sobre a janela da torre, no eixo do portal principal. Esta fachada “(…) é, depois do Palácio do Freixo, o mais rico exemplar, nos arredores do Porto, da ideia que Nasoni expressou, no frontispício de Mateus, de uma passagem térrea central flanqueada por uma dupla escadaria conduzindo à entrada nobre da casa”. De um dos lados da fachada e formando um ângulo recto com esta, situa-se a capela, rematada por frontão contra-curvado encimado por pináculos de dimensões consideráveis. O portal principal e a janela de sacada com balaústres situam-se no mesmo eixo central, recordando o esquema idêntico utilizado na capela da Casa de Fafiães.
Uma última referência para os chafarizes implantados junto ao portão, que tal como as janelas do jardim, apresentam vãos centrais, bastante recortados”. (
Foto J. Portojo
“A actual Casa-Museu Guerra Junqueiro foi, inicialmente, a casa do cónego da Sé do Porto, Dr. Domingos Barbosa, que a mandou construir cerca de 1730. Tradicionalmente atribuído a Nicolau Nasoni (SMITH, 1966)… Independentemente do seu arquitecto, o edifício que foi residência do cónego da Sé, revela uma série de aspectos que importa destacar. Confina com a rua D. Hugo, do bairro da Sé em que se insere, através da fachada lateral marcada pela abertura das três janelas de sacada com gradaria da época e que são mencionadas no testamento do Cónego, com data de 1746 e que recordam as da fachada traseira da Casa do Despacho da Ordem Terceira de São Francisco, de Nasoni (SMITH, 1966). Já as respectivas bandeiras, de desenho exótico, são muito semelhantes às da capela da Quinta de Fafiães, desenhada pelo arquitecto italiano para Manuel Barbosa de Albuquerque, Chantre da Sé do Porto. Este alçado prolonga-se pelo muro que isola o pátio da via pública e que se impõe pela monumentalidade do portal, coroado por um par de leões e duas flores de lis, elementos heráldicos emprestados do brasão dos Barbosa de Albuquerque…
No interior, merece especial referência, pela sua monumentalidade, a escadaria de acesso ao piso superior, que se encontra ao fundo da entrada.
Na posse da mesma família durante anos, a casa foi herdada pelo genro de Guerra Junqueiro (Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho era casado com Isabel Maria, filha do escritor) e em 1940 foi doada pela sua filha à Câmara Municipal do Porto, com a condição de aí ser instalada uma Casa-Museu com as colecções de arte e literatura de Guerra Junqueiro, então também doadas à autarquia (o acervo tinha cerca de 600 peças).
Entre 1994 e 1997 a Casa-Museu foi objecto de uma importante remodelação cujo projecto esteve a cargo do arquitecto Alcino Soutinho, dispondo hoje de uma sala de exposições temporárias, um pequeno auditório, uma cafetaria e uma loja (SOUTINHO, 2001)”.
Rosário Carvalho – IGESPAR
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