3.2 - Carácter, Génio e Costumes dos Portuenses
Nos séculos passados, não era muito frequente as pessoas tomarem banho. Porém, havia famílias que aqueciam água transportada pelos galegos e se banhavam na sala ou na cozinha em banheiras de cobre. Primeiro banhava-se o patrão, depois a patroa e seguiam-se-lhes os filhos, sempre na mesma água. Depois eram as criadas e criados e até os empregados da loja, quando aí viviam. Esta água ficava, como é evidente, muito suja. Perguntámo-nos se não virá daí a frase “deitar fora o bébé com a água do banho”.
Porém, a população poderia frequentar os banhos públicos desde 1854.
Claro que podia tomar banho no Douro ou numa das muitas ribeiras da cidade. Mas, a partir de 1852, até poderia tomar comodamente, no rio, o seu banho.
Vê-se, a meio do rio, uma espécie de cúpula que era uma barcaça/barraca onde os púdicos e púdicas portuenses iam tomar banho no rio. Esta barcaça foi feita em Gaia em 1852. Sobre este assunto, O Tripeiro Série V, Ano VI refere um artigo de Camilo Castelo Branco de 10/8/1857, em O Nacional: “Há uns poucos de nomes gloriosos a quem o Porto deve o seu progresso material. O primeiro na ordem dos factos e na cronologia é o senhor João Coelho de Almeida, criador da barcaça de banhos. O segundo é o senhor Lucas dos Santos, homem videiro que criou os banhos de tina (em 7/3/1854 na Rua de Santo António). A limpeza é a primeira condição de uma terra culta. As estatísticas de ambos os estabelecimentos provam que se lava muita gente. São beneméritos da Pátria todos os que fomentam a limpeza, perfeitas inteligências de sabonete”. O Dr. Artur de Magalhães Basto em O Porto do Romantismo, escreve: “Tem camarotes de um lado e de outro, sendo destinados uns a homens e outros a mulheres. Dentro havia retretes e lojas de bebidas. Cada camarote fecha sobre si, comportando 2 ou 3 pessoas que podem tomar banho sentadas ou a pé, sem receio de serem vistas de fora” – Os preços eram de 50, 60 e 80 reis cada banho. Quem fosse tomar banho tinha passagem gratuita para a barcaça".
Num artigo em O Tripeiro Série V, Ano V assinado por António Augusto Pires de Lima é referido que “há uma vaga tradição, de que no séc. VI havia um balneário no Porto. Conta-nos o Bispo D. Rodrigo da Cunha que Teodomiro e seu filho Ariamiro… vieram para tomar banhos dos que afirma a tradição que houve nesta cidade do Porto junto do Rio Douro, de que ainda se conserva memória na parte e rua chamada dos Banhos, e dentro de algumas casas vestígios dos tanques em que se tomava. No séc. XIV.… houve um acordo entre D. Vasco o cabido e a cidade, para construção duns banhos bons com suas casas e caldeiras. Creio tratar-se de um novo balneário, pois a própria referência a esses banhos bons com caldeiras faz admitir outros em condições menos satisfatórias e sem aquecimento de águas”. Assim se prova que no Porto existiram desde tempos imemoriais destas “inteligências de sabonete”.
Lê-se ainda no referido Tripeiro: “Está aberto este estabelecimento todos os dias, de verão, desde as 5 horas da manhã até às nove da noite, e no Inverno, desde as oito da manhã até às seis da tarde. Aos Domingos fecha-se ao meio dia.
Por um banho de tina, da água doce 160 reis
Por assinatura ( 12 banhos) 1$680 reis
Um banho sulfúrio (cada) 300 reis
Um banho de vapor 600 reis
Um banho de chuva 120 reis
Assinatura (12 banhos) 960 reis
Um banho de água do mar 300 reis
Em todo o tempo se pode ir tomar banhos de água doce, de chuva, de águas termais e de vapor. Os de água de mar só principiam no primeiro de Agosto e acabam em 31 de Outubro.” Aberta em 1866, esta casa recebia água do manancial de Camões conduzida por mina construída propositadamente. Foi fechada em 27/9/1909".
Não há muitos anos um nosso amigo, pessoa importante na Câmara do Porto, nos contou que, morando na Rua da Bandeirinha, ia, em jovem, ao Balneário do Largo do Viriato tomar o seu banho, pois não tinha, em casa, quarto de banho.
Não admira que a população vivesse muito suja pois, as ruas eram autênticas lixeiras e estrumeiras.
Carro varredor – 1923
A cidade do Porto, tal como as outras deste país, tinha as suas ruas normalmente muito sujas, onde eram deitados os lixos e dejectos dos moradores. Se alguém pretendia deitar águas sujas pelas janelas, depois das 9 de noite no Inverno, e das 11 no Verão, bastava-lhe avisar altos brados, 3 vezes, “Água vai!” e quem estivesse a passar teria de correr. Por estas ruas passavam galinhas, porcos e cães em grande profusão. Destes animais ainda os porcos eram os menos porcos, pois comiam toda a sujidade que encontravam.
E não esqueçamos que, diariamente, circulavam centenas de cavalgaduras e bois que também deixavam os seus rastos. Durante o dia passavam lavradores que limpavam os estercos e recolhiam os dejectos das casas que depois usavam para estrume. Posteriormente foram proibidos de trabalhar de dia; só depois das 11 da noite. Mesmo assim eram insuficientes para manter a cidade limpa, muito embora tanto a câmara como as leis reais lutassem pela melhoria da higiene. Em 5/11/1519 as vereações decretaram uma multa de 26 reis para quem atirasse para a rua qualquer sujidade sólida ou líquida. D. Manuel I já tinha proibido a permanência de porcos na via pública, quer de dia quer de noite, a multa era de 500 reis.
Em 1613 foram marcados locais para estrumeira, mas era mais cómodo deitar o lixo à porta…
Mas, o povo era o mesmo de hoje pelo que estas leis eram esquecidas...
Artur de Magalhães Basto conta, no seu livro “O Porto do Romantismo” que: “Sucedendo varrer-se um destes dias a Rua das Flores, o povo contemplou isto como preparativo para grandes acontecimentos e correu àqueles sítios, como se ali andassem desentulhando as ruínas de alguns monumentos admiráveis… Enfim, tudo era assombro, tudo perguntas, tudo interpretações, maiormente entre crescido magote de farroupilhas, que, por ser o maior volume, era o mais fértil em disparates. P’ra que será? P’ra que será? Alvitravam-se mil hipóteses, e afinal verificou-se que se varria a rua… para não andarmos cobertos de esterco”.
Carros de recolha de lixo da C. M. P. – estes carros eram recolhidos na Rua de S. Diniz, onde já existiu o matadouro e o canil. Foto Alvão
De O Tripeiro de 10/6/1909 resumimos um interessante artigo: “Vereações passadas dotaram a cidade com duas corporações: a dos “Varredores Municipais”, à qual o povo pôs o nome de “escrivães de pena grande”, por motivo do enorme cabo de vassoura, que é a pena com que parece escreverem nas pedras das calçadas, quando exercem a sua profissão, e a dos “Regadores Municipais” que, durante as horas de maior calor, regam as ruas com as mangueiras adaptadas às bocas de incêndio encravadas nos passeios… Os varredores em vez de varrerem o lixo das ruas, do lado dos prédios para o centro da rua, fazem o contrário, de sorte que a poeira que levantam introduz-se por baixo das portas, pelas janelas e por qualquer abertura que encontre e vai depositar-se placidamente sobre toda a parte que pode, de sorte que pela manhã encontra-se tudo pulverizado por um pó finíssimo. E querem saber a razão porque estes tais “escrivães da pena grande” procedem assim? É para comodidade do seus colegas. Fazem pequenos montes junto das paredes e o colega vem apanhar para o carro de mão com uma pá de ferro".
A rega das ruas deveria ser feita de madrugada. Mas quando é feita? Durante as horas de maior calor, quando as pedras estão a escaldar, de sorte que esta se evapora num pronto. O transeunte tem de parar para não ficar com os pés alagados e as calças salpicadas de lama, ou tem de mudar de rumo.
Também lembramos a quem compete que é menos decente e nada higiénico, o depósito que está em exposição à frente da Torre dos Clérigo, do lixo que vem do Mercado do Anjo, composto de frutas podres, hortaliças velhas, e quanta imundície a vassoura municipal pode apanhar, exalando durante horas um fétido pestilento e uma vista asquerosa, até que venha o carro de condução para levar aqueles adubos para lugar apropriado.”
No último quartel do séc. XIX, e possivelmente ainda muito antes, era frequente verem-se, de noite, muitas pessoas de cócoras, munidas de uma pequena lâmina de ferro a raspar o chão recolhendo as minhocas que encontravam e que serviam de engodo para colocar nos anzóis de pesca. Eram pescadores à cana profissionais que trabalhavam desde os Guindais até à Foz, de um e outro lado do rio. Os dias mais húmidos eram os preferidos pela quantidade que encontravam. Traziam um lampião de azeite ou óleo e um púcaro de barro preso por um barbante onde deitavam o seu tesouro.
Calçada da Natividade, hoje Rua dos Clérigos
Perguntámo-nos porque razão estes pescadores tinham necessidade de subir tanto na cidade. Ou a colheita nas ruas perto do rio era tão intensa que esgotavam as minhocas ou das Ruas das Flores e Mouzinho da Silveira para baixo eram empedradas, inclusive as que davam para a Ribeira, pelo que não teriam terra suficiente para elas proliferarem.
Verifica-se ainda que, já nos fins do séc. XIX, o estado das nossas ruas era deplorável. Em que estado os sapatos e botas dos nossos avós chegariam a suas casas! Era muito comum verem-se, junto à porta das casas, uns raspadores de lama.
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