sexta-feira, 17 de julho de 2015

GOVERNO POLÍTICO - IV

5 . 4 - Governo Político IV

Abertura de algumas ruas importantes - I



Gravura de J. Holland (1838)


foto do Barão de Forrester


Rua Nova dos Ingleses - 1861

Inicialmente chamada R. Formosa ou Fermosa por D. João I, R. Nova, R. Nova de S. Nicolau (em 1788), R. Nova dos Ingleses (até 1883), Rua dos Ingleses (até 1890), actual R. do Infante D. Henrique. Deixou de ser Rua dos Ingleses em 1890 como reacção de toda a cidade contra a nação inglesa pelo Ultimato.
Eugénio Andrea da Cunha Freitas escreve: “ Entre os anos 1395 e 1405, mandou El-Rei D. João I, o de Boa Memória, abrir uma nova artéria, para enobrecimento da cidade a que tanto queria, e onde nascera seu filho Infante D. Henrique. Rua Formosa lhe chamou o monarca, “a minha Rua Formosa”… pouco depois começou a denominar-se Rua Nova, tirando o topónimo a outra Rua Nova que de então para cá se chamou Rua Escura. Conservou por muito tempo as duas designações: Rua Formosa (ainda em 1468) e Rua Nova já em 1418… Concentrando-se em volta da Feitoria Inglesa, iniciada em 1785, o principal comércio portuense, realizado então com negociantes britânicos, passou a rua a denominar-se Rua Nova dos Ingleses, designação que tinha já em 1794, depois só Rua dos Ingleses.”

Gravura do Barão Forrester – Nesta gravura veem-se comerciantes ingleses e portugueses em frente da Feitoria, em encontro para tratarem dos seus negócios – o barão de Forrester autorretratou-se: está à direita com chapéu branco.
  

Esta foto foi tirada entre 1888 e 1900, pois ainda não se tinha erigida a estátua do Infante D. Henrique e já se vê o Mercado Ferreira Borges. Repare-se que o Americano vai, a partir daqui, puxado por 6 mulas para poder subir a Rua Mouzinho da Silveira. A designação de "americano" provinha do facto de tais carruagens serem fabricadas nas oficinas estado-unidenses de John Stephenson & Company.
Ao fundo está o Palácio da Bolsa, da Associação Comercial do Porto. Começado a construir em 1842.
Do site da Associação Comercial do Porto retiramos os seguinte trechos: “Ao longo de três gerações, grandes nomes da arquitectura, da pintura, da escultura e das artes decorativas contribuíram para a criação de um espólio e um património único no Palácio da Bolsa, verdadeira jóia do estilo neoclássico do séc. XIX, do Arq. Joaquim da Costa Lima ao Arq. Marques da Silva, do Pintor António Ramalho, a Veloso Salgado, António Carneiro ou Medina, de Soares dos Reis a Teixeira Lopes.”


Planta da Ribeira e da Rua de S. João – 1765? – Neste tempo ainda a Rua da Fonte Taurina se chamava Rua Aurina

Segundo a Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas “a Nova Rua de S. João, como primeiro se chamou ( e ainda na Planta redonda de Balck, em 1813, tem esta designação), começou a abrir-se em 1765, mas logo surgiram grandes dificuldades e consequentes pleitos por motivo das expropriações, principalmente levantadas pelos senhorios dos prédios enfiteuticos. Resolveu-as El-Rei D. José, em 1769, determinando por alvará régio um processo sumário para tal fim...Ainda em 1784 se cuidava dos alinhamentos da rua. 


O Padre Agostinho Rebelo da Costa refere-se-lhe já na sua Descrição Topográfica e Histórica da cidade do Porto, em 1789. O nome de S. João foi-lhe dado, cremos, em homenagem a João de Almada. Era, como todos sabem a rua de maior comércio no séc. XIX” 



Carros de bois esperando a sua vez de carregamento, na Ribeira, em frente à Rua de S. João


Esta foto é insólita, pois está ao contrário. Vê-se a Rua de S. João á direita e a dos Mercadores à esquerda. ARC trata da Ribeira noutro capítulo, pelo que nós seguiremos a sua sequência.


Rua das Flores vista do largo da Porta dos Carros – 1849/1859 – foto de Frederick Flower

A Rua das Flores foi mandada abrir por D. Manuel I em 1518 para ligar o Largo de S. Domingos ao Largo da Porta dos Carros. Assim, o trânsito de mercadorias passou a ser muito mais fácil e directo da Ribeira à saída da cidade. Inicialmente chamou-se Ruas de Santa Catarina das Flores por ter ocupado muitos e belos campos pertencendo à Igreja. Daí, ainda hoje, se encontram casas antigas com a marca do bispo, roda de navalhas, ou do cabido, o Arcanjo S. Gabriel. Foi, através de séculos, uma das ruas mais importantes do Porto, onde os nobres e burgueses construíam as suas casas. Muito rica em trabalhos de ferro nas varandas, das mais belas do país. Foi chamada a rua do ouro pelos muitos fabricantes e comerciantes de ouro e prata que tinha. Ainda nos lembramos de algumas muito famosas tais como a Aliança, a Rosas, Pedro A. Baptista, das Flores, Coutinho etc… Do lado esquerdo havia muitas lojas de panos e malhas, sobretudo armazéns de venda por grosso, que também desapareceram.
Nas suas cantigas o povo dizia:

Adeus cidade do Porto
Adeus Rua das Flores;
De um lado tens só ourives,
Do outro tens moradores.

Dada a desertificação do centro da cidade, esta zona esteve muita decadente, mas em grande processo de reabilitação. No início da rua encontra-se a Santa Casa da Misericórdia, de que já tratamos em 24/5, 28/5, 1/6, 5/6 e 10/6 de 2014. Dos edifícios mais notáveis podemos encontrar a antiga casa dos Ferrazes Bravos, depois vendida aos Maias, que lhe deu o nome, dos Cunha Pimentel e da Companhia Velha.


Rua das Flores – séc. XIX – vê-se o Convento de S. Bento de Avé Maria




A riqueza das suas varandas – do blog Vida em Fotos


Casa dos Ferazes Bravos, depois Casa dos Maias, como hoje é conhecida


Casa da Companhia

Video da Ourivesaria Pedro A. Baptista 


Sendo nossa intenção escrever sobre a Rua do Almada, pareceu-nos que antes de a apresentar, deveríamos fazer as considerações que se seguem: 
Na sua importantíssima obra sobre o Porto do séc. XVIII, A.R.C., surpreendentemente, não se refere uma só vez a João de Almada e Melo. 
Tanto no urbanismo como nas estruturas política, económica e cultural, João de Almada e Melo e seu filho Francisco de Almada e Mendonça foram os impulsionadores das grandes transformações que se deram na cidade na segunda metade do séc. XVIII e primeiros anos do XIX. Na História do Porto coordenada pelo Professor Oliveira Ramos lemos: “Na segunda metade do séc. XVIII, momento de grande dinamismo económico e demográfico, urgia resolver três problemas centrais, cuja solução irá constituir o cerne das realizações urbanísticas da Junta das Obras Públicas. Tratava-se de dar dignidade e monumentalidade à Praça da Ribeira, centro comercial da urbe, e de melhorar as comunicações entre esse centro e a zona alta da cidade, cada vez mais populosa. Paralelamente, tornava-se necessário ordenar o crescimento da zona extramuros, que estava a processar-se de uma forma rápida e desorganizada… Com a abertura de novas ruas, pretende-se não só definir as grandes linhas de expansão da cidade extramuros, mas ainda facilitar as principais ligações entre a cidade e o seu “interland. Assim, as novas vias integram-se num plano mais geral de regularização das velhas estradas que ligam o Porto a Braga (Rua do Almada - Campo de Santo Ovídio – Rua do Sério), à Póvoa (Cordoaria – Praça dos Ferradores – Ruas de Cedofeita – Carvalhido), a Penafiel e ao Douro (Batalha – Rua de Santa Catarina – Praça da Aguardente)… O crescimento do Porto e o alargamento e centralização das funções do Estado na perspectiva do despotismo esclarecido, obrigam à implementação de novos organismos e equipamentos públicos em domínios diversos, desde a assistência ao ensino, do policiamento ao abastecimento e à organização económica”. 

De referir que foi sob o seu governo que se reconstruiu a Cadeia e Tribunal da Relação, e se edificaram o Hospital Novo da Misericórdia, hoje Hospital de Santo António, o Quartel de Santo Ovídio, a Academia de Marinha e Comércio, o Real Teatro de S. João e outras importantes obras.
Porém, não nos parece tão surpreendente este silêncio de A.R.C. sobre o Almada pai, pois estamos convencidos que uma boa parte da população não apoiava as medidas que estavam a ser tomadas pelo governador por razões várias:
- João de Almada e Melo foi enviado para o Porto, que conhecia bem e onde tinha uma residência, pelo “todo-poderoso” Marquês de Pombal com a primeira função de “descobrir” e castigar os responsáveis pela Revolta dos Taberneiros, o que fez zelosamente, seguramente em demasia. Foram condenados 478 réus, dos quais 26 à pena de morte e efectivamente enforcados 17. Em lugar próprio trataremos mais pormenorizadamente esta tragédia. Foi, portanto um início de governo muito impopular.
- O povo da cidade desconhecia os planos das grandes transformações, pois estes estavam restringidos aos gabinetes dos dirigentes.
- As construções das novas vias exigiam grandes demolições e incómodos, tais como, muitos desalojados e avultados prejuízos para as famílias atingidas.
-A Junta das Obras Públicas era subvencionada pelo imposto de um real por cada quartilho (1/2 litro) de vinho que entrasse na cidade, o que novamente aumentou o preço deste produto tão consumido e importante na economia familiar. 
Lembremos que quando da fundação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, poucos anos antes, o vinho já tinha sido aumentado e foi a razão da Revolta dos Taberneiros.
- Vivia-se em Portugal um período de absolutismo muito duro e castigador, o que era contrário ao centenar espírito livre dos portuenses. Os Almadas representavam-no na sua política intransigente e policial.
- O povo do Porto sempre quis e conseguiu governar-se a si mesmo, apesar de muitas lutas e disputas com o poder central e episcopal. Neste caso estava a ser dominado por um absolutista vindo de Lisboa, trazendo consigo muitas pessoas da sua confiança que, seguramente, não eram portuenses.
- É significativo que não exista qualquer representação, pictórica ou outra, de João Almada. 
O militar inglês Arthur William Costigan (em Cartas sobre a sociedade e os costumes de Portugal - 1778/9, traduzidas por Augusto Reis Machado), que viveu no Porto em casa do cônsul John Witehead, dá-nos dele a seguinte descrição: “ Sua Excelência é de muita idade e parece-se muito com um esqueleto; tem o corpo fraco e pequeno, nariz em bico de águia, acentuadamente curvo. Lamenta assiduamente os pecados da mocidade, melhor, o pecado, pois no respeitante a excessos a gente deste paíz só conhece um; foi este, confessa ele, que o reduziu a tão deplorável situação. É diminuta a sua capacidade e não dispõe de talento, embora lhe sobre boa vontade e o desejo de exercer o cargo com imparcialidade. Pratica todo o bem que pode e não faz mal a ninguém, apesar de muitas vezes poder fazê-lo. Eis uma rara e louvável qualidade, pois a maior parte dos portugueses, quando investidos de autoridade exercem-na plenamente, fazendo aos outros o maior mal que podem”. 
- Por todas as razões que expusemos, não nos surpreende que o Padre Agostinho Rebelo da Costa, um conservador avesso a grandes mudanças, considerasse João de Almada e Melo personagem não recomendável, daí o seu silêncio “ensurdecedor” pela sua impossibilidade de escrever contra ele. 
Por curiosidade referimos o seguinte: João de Almada casou, aos 48 anos , com D. Ana Joaquina de Lencastre, em 1752. Do casamento nasceram dois filhos, tendo sido seu sucessor no cargo de Corregedor o segundo, Francisco. O mesmo John Costigan descreve D. Ana Joaquina e seus filhos da forma seguinte: “ Bondosa e cortês, alta e bem feita, outrora bela, pintada até às orelhas e por toda a parte, cobrindo-se de pó de arroz para disfarçar a pintura. Apesar dos seus numerosos filhos de três maridos (dois, na verdade), pois foi muito pretendida pelas suas qualidades pessoais e pela sua nobre ascendência, ainda é bela. Esses 20 filhos são notáveis: os rapazes por uma estupidez que resistiu a todos os professores, embora, devido à influência materna, ocupem lugares importantes na Igreja, no Exército e na Justiça (o que não inibe a incapacidade dos mesmos). As raparigas, pela sua leviandade, até neste país notada. Mercê do facto, à respeitável senhora os gracejadores do país aplicaram o cognome de mãe dos burros”. 
As referências aos escritos de Arthur Costigan foram recolhidas no Boletim dos Amigos do Porto de 1960, Vol. III, por Oliveira Ramos.


Igreja e postigo de Santo Elói e Muralha Fernandina antes de ser tapado o postigo e aberta a Porta de Santo Elói, posteriormente, do Almada.


Planta de D. José Campalimaud de Nussane – 1790
A- Igreja e Convento dos Loios; B- Cerca; C- Adro cedido para a nova Praça dos Loios; D- Torres projectadas; E- Muralha com a lomba na Praça das Hortas, que foi destruída para a construção do novo Convento.

Para que a Rua do Almada tivesse a utilidade que se pretendia, ligar de forma rápida a Praça da Ribeira ao Campo de Santo Ovídio, seria preciso resolver o estrangulamento provocado pelo estreito Postigo de Santo Elói, tapando-o, e construir uma nova porta larga mesmo em frente à Rua da Hortas, hoje do Almada. Houve que a Câmara e os frades Loios chegassem a acordo para a abertura de uma praça em frente à porta da sua Igreja, sem que a Câmara tivesse qualquer despesa. Assim, concordaram, em Julho de 1764, que os frades cedessem parte do adro da sua igreja e comprassem várias casas existentes em frente, demolindo-as por sua conta. Em troca receberiam o corredor intramuros que ia da nova porta até à Porta dos Carros, em frente aos Congregados.




Desta forma, destruídas as referidas casas e mais uma parte do adro, nasceria uma larga praça, hoje Praça dos Loios, na qual seria construída, pela Câmara, a nova Porta de Santo Elói, terminada em 1766. Em 1794 os frades foram autorizados a demolir a muralha que dava para a Praça Nova das Hortas e a construir um majestoso edifício com a frontaria para esta praça. Em 1833, por decreto de D. Pedro IV, foram os seus bens confiscados, não estando ainda terminadas as obras. A igreja e o mosteiro, virados para a Praça dos Loios, foram destruídos por estarem em estado ruinoso, em 1833.


Planta do bairro das Laranjeiras e rompimento da Rua do Almada, por Francisco Xavier do Rego, 1761 – História de Portugal do Dr. Artur de Magalhães Basto – Planta existente no Gabinete de História da Cidade 
Analisando esta planta sugere-nos fazer os seguintes comentários: 
- A parte inicial da actual Rua do Almada chamava-se Rua das Hortas, e terminava na de S. António dos Lavadouros, depois dos Lavadouros, em parte, designada hoje por Rua Elísio de Melo e o restante destruído quando da abertura da Avenida dos Aliados. 
No mapa a Rua de S. António dos Lavadouros seguiria, para poente, pela antiga Rua da Picaria, que estava no lado Norte da actual Praça de Filipa de Lencastre e onde ainda existe a casa onde esteve instalado o tribunal em que Camilo e Ana Plácido foram absolvidos. A actual Rua da Picaria é a antiga Travessa da Picaria, que termina na Praça da Conceição, hoje com o horrível nome de Mompilher. 
- A rua prevista para ser iniciada junto aos lavadouros de cima até à confluência com a Rua do Almada e Praça de Santo Ovídio não foi construída. Existia sim a Travessa da Douda ou da Doida, que veio a chamar-se Rua das Liceiras e, mais tarde, do Alferes Malheiro. 
- A parte nascente do Monte da Douda foi destruída, possivelmente para a construção da Igreja da Trindade. Muitos anos ali se encontrou uma inestética pedreira. 
- A rua marcada com “rua que se abre” nunca chegou a sê-lo. O mesmo aconteceu com a rua desenhada desde a Rua de Santo Ovídio às Liceiras. 
- A começar na Praça da Conceição, para nascente, já está desenhada as Travessas do Pinheiro e do Laranjal, actual Rua de Ricardo Jorge. 
Em 29 de Julho de 1760 D. José autorizou a construção da Rua do Almada. As obras de abertura e calcetamento começaram em 1761 e duraram até 1786. Foi delineada por Francisco Xavier do Rego. 
O autor escreveu na sua planta: “ A nova rua tem bem meio quinto de légua de comprido; pareceu preciso alargar-se a nova rua desde a boca da dita Rua das Hortas até ao fim da rua delineada, principiando logo em 32 palmos de largo, que é mais 2 palmos do que tem a Rua das Hortas, e acabando em 52 palmos junto de …(?) e isto para emendar a pouca largura que tem a Rua das Hortas e não ficar parecendo esta grande rua demasiadamente estreita”. Como se verifica o projectista construiu uma rua 4,40 metros mais estreita no início do que no final! A rua cortou parte do terreno de João Gomes, e o que sobrou veio a chamar-se Quinta do Pinheiro. 
A Rua do Almada envolve 3 freguesias: Victória, lado poente desde a Rua dos Clérigos à Rua Ricardo Jorge; Cedofeita, lado poente desde Ricardo Jorge à Praça da República; Santo Ildefonso, todo o lado nascente. 


Muito interessante comparar esta planta somente 52 anos depois da anterior. Nota-se perfeitamente a rápida evolução que a construção da Rua do Almada, Praça Nova e Praça do Laranjal trouxeram a esta zona da cidade.


Planta de Teles Ferreira de 1892 – a cidade, nesta zona, já é quase a actual. A Avenida dos Aliados  ainda não aparece nesta planta, pois só começou a ser aberta em 1916.


Comercialmente foi, durante muitos anos, a rua do comércio das ferragens e cutelarias. Hoje ainda tem algumas casas deste ramo. Referindo-se a esta actividade comercial, dizia Sousa Viterbo: "Parecia aos sábados uma feira de gado, tantos eram os burros dos ferreiros sertanejos, que chegavam ajoujados de ceiras de pregos, e partiam carregados de verguinhas de ferro, em feixes, ao longo da albarda, levados pela Rua do Almada acima num trotesinho miúdo e diligente, que batia os grandes lajedos da calçada com um ruído festival de castanholas."

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