6.3.3 - Rio Douro - Barra - D. Miguel da Silva - Capela S. Miguel o Anjo
D. Miguel da Silva (1480-1556)
Parece-nos ser oportuno referir uma pequena biografia desta importante personalidade:
“D. Miguel da Silva nasceu em Évora em 1480, filho de D. Diogo da Silva e Menezes, aio de D. Manuel I, 1.º Conde de Portalegre e de D. Maria de Aiala.
Revelando inteligência fora do comum, D. Manuel mandou-o para a Universidade de Paris, onde estudou com aproveitamento latim e grego. De Paris partiu para Itália, onde esteve em Sena, Bolonha e Roma. Foi depois a Veneza, antes de regressar a Portugal.
Em Agosto de 1514, D. Manuel nomeia-o embaixador junto do Papa Leão X, encarregando-o ainda de representar o Reino no Concílio de Latrão (1512-1517).
Ficou em Roma durante o pontificado de Leão X, de Adriano VI e ainda parte do de Clemente VII.
Leão X, ofereceu-lhe a púrpura cardinalícia, tal o prestígio de que gozava. Recusou. Também Clemente VII lhe fez a mesma oferta…
D. João III (que tinha subido ao trono em 1521) soube disso e mandou que D. Miguel da Silva regressasse a Portugal, substituindo-o por D. Martinho de Portugal. Provavelmente não queria que outra pessoa fosse nomeada Cardeal ainda antes de seu irmão, D. Henrique. D. Miguel da Silva obedeceu e partiu de Roma no início de Agosto de 1525. O Papa escreveu ao Rei um breve a D. João III, recomendando-lhe o seu embaixador, que voltava ao Reino.
(Foi nomeado Bispo de Viseu em 1526).
Em 1538 é convocado o Concílio de Trento e D. Miguel pede ao Rei permissão para ir a Roma. D. João III nega-lhe a autorização e aconselha-o a fingir-se doente. O conflito com o Rei agravou-se de tal modo, que em 22 de Julho de 1540, D. Miguel foge para Itália. Entretanto, o Papa Paulo III (Alessandro Farnese, seu amigo pessoal, eleito em 1534), tinha-o feito cardeal no consistório secreto de 12 de Dezembro de 1539, conservando-o in petto até 2 de Dezembro de 1541.
Desde então, até à sua morte foi uma luta permanente de gato e rato com D. João III". In Arlindo-correia.com.
Biografia de D. Miguel da Silva
Interiormente a capela tinha forma octogonal. Na parede virada ao mar ficava um pequeno altar ladeado por dois nichos que, supõe-se, teriam as imagens de S. Miguel e de Nossa Senhora – informações colhidas em O Tripeiro serie VI, Ano V).
Ao fundo vê-se a Capela da Senhora da Lapa ou Navegantes - Fotolândia (Pereira de Sousa)
D. Miguel da Silva “fez hum farol que ja não ha pera de noite mostrar a barra as Embarcasoes que quisessem entrar, fez huã guarita dentro na agoa que he como balisa a modo de padrão, pera se desviarem as embarcasoes do penedo que esta iunto a ella; fez na Cantareira hua Ermida de Nossa Sora obra reall grandiosa, de meã laranja, e em hum lenço della pera a parte do Rio pos hum letreiro…”.
“…A inscrição da capela e a transcrita no Comércio do Porto fazem também referência às datas de conclusão das obras. A primeira indica-nos como data de conclusão do edifício 1528, nesse mesmo ano D. Miguel da Silva passou uma longa temporada em Santo Tirso durante a qual fez duas incursões ao couto de S. João da Foz em Agosto e em Outubro. A segunda revela que a construção dos restantes edifícios de sinalização se encontrava concluída em 1536, ano em que D. Miguel passa os meses de Novembro e Dezembro no couto de S. João da Foz”. In Isabel Queirós - A reabilitação da barra do Douro no século XVI…
Texto da inscrição:
"Miguel da Silva, bispo eleito de Viseu, mandou construir esta torre para dirigir a navegação, ele mesmo deu e consignou campos comprados com o seu dinheiro, com o rendimento dos quais foram acesos fogos de noite perpetuamente na torre, no ano de 1527".
Posto da Guarda Fiscal em obras - ou a "arte" de estragar uma obra de arte! - 1957
In O Tripeiro – Série VI, Ano IV - Sobre a Torre da Marca trataremos mais adiante.
Capela-farol S. Miguel o Anjo – Joel Cleto - vídeo
Foto do livro Tesouro Barroco da Foz do Douro
Em Julho de 1868, durante a execução de obras junto do rochedo da Cruz de Ferro (19 no mapa da barra de Teodoro de Sousa Maldonado que apresentámos no passado lançamento), foi encontrada, no fundo do rio, uma estátua em pedra estilo românico com 1,30m de altura. Está no Museu Arqueológico de Lisboa. No mapa náutico de Willelm Janz Blaeu, de 1619, por nós apresentado no último lançamento, aparece num rochedo do centro do rio a estátua do deus romano dos portos, Portunamus e na margem, numa pequena península o farol de S. Miguel o Anjo.
“Em meados do século XIX, aquando da extracção de rochedos da barra no âmbito das obras para a construção do Jardim do Passeio Alegre, surgem duas notícias assaz interessantes no Comércio do Porto. A primeira de 13 de Junho de 1868 relata o aparecimento de uma “…estátua de pedra de granito, que mede 1m,30 de altura.” a qual estava “… bem esculpida e representava um homem vestido à romana.”
A segunda de 19 de Outubro de 1869, relembrando aquela, fala-nos de uma lápide inscrita que teria aparecido nas mesmas circunstâncias da estátua. A inscrição latina revelava, segundo o jornal, o seguinte conteúdo:
MICHAIL SILVIVS/ EPISCOP VISENS/ NAVIGANTIOM/ SALVTIS CAVSA/ TORRIS FECIT II/ ET IIII COLVMNAS POSVIT/ ANN. M.D.XXXVI. A interpretação que o cronista faz desta inscrição é no mínimo curiosa, recua no tempo até ao período sobre que nos debruçamos e evoca a questão do pinheiro que servia de baliza à barra da cidade e a sua substituição por uma baliza de pedra a qual conclui ser constituída pelas quatro colunas mencionadas na inscrição. Sublinha que de encontro a esta suposição vem o achado de diversos capitéis e de uma base de coluna precisamente no mesmo local onde fora encontrada a estátua. Sobre as duas torres a que o texto da lápide alude nenhuma consideração”.
Este texto, na confusa segunda parte, parece misturar, indevidamente, as colunas do rochedo, a que abaixo se refere, com a construção da Torre da Marca (?).
“…Retomando a questão sobre as intervenções construtivas promovidas por D. Miguel da Silva em Portugal, entre 1525-1540, é necessário recordar sua atuação enquanto bispo (quando recebeu em tutela o bispado de Viseu, de S. João da Foz e o mosteiro de Santo Tirso) época na qual procurou imprimir sua marca na cidade do Porto, mais precisamente na região da Barra do Douro.
Iniciou a construção de um amplo e complexo programa arquitetónico que incluía uma igreja (atualmente dentro da fortaleza de S. João Baptista, iniciada em 1570), uma Capela-farol de São Miguel-o-Anjo, uma guarita e uma ermida, além de colunas decoradas por capitéis, inscrições e uma estátua em homenagem a divindade protetora dos portos.
Buscava-se fazer a regularização desta área da barra do Douro e ao mesmo tempo, promovê-la em termos de organização e segurança, no acesso das embarcações e dos navegantes. Acostumado ao ambiente refinado dos papas, o comendatário de Santo Tirso, viu nesta empreita a grande oportunidade para transformar este porto fluvial e marítimo num espaço monumental.
Aos navegadores que viessem transpor a perigosa barra do Douro, D. Miguel e seu arquiteto Francisco da Cremona propuseram que fossem saudados com versos extraídos de Homero, que mandou gravar nas paredes da Capela Farol de S. Miguel-o-Anjo.
Nos rochedos da barra fez erguer quatro colunas ornadas por capitéis para que servissem de orientação aos pilotos e no meio do rio, em um pequeno templete, inseriu a estátua de uma figura togada, Portumnus, o deus protetor dos portos, cuja imagem com cerca de 1,30 m, se encontra atualmente no Museu do Carmo em Lisboa.
Esta área recoberta por um grande número de inscrições latinas, configura uma espécie de museu a céu aberto que invoca a proteção divina. O estudo destas inscrições indica que a capela já havia sido finalizada em 1528, quando o bispo passou uma longa temporada no Porto, e que a construção dos outros edifícios havia sido finalizada em 1536”. Maria Luisa Zanatta in Acadenia,edu
Farolim do séc. XVIII – desactivado em 2007
Marégrafo em S. Miguel o Anjo – Servia para medir o fluxo e refluxo das marés.
Passeio Alegre – 1885 – foto Emílio Biel
Cabedelo
"Trabalhos de extracção de areias para a construção civil no Cabedelo da Barra do Douro, 1951. Ao fundo vê-se o navio-motor holandês Appingedam, subindo o rio diante do lugar da Cantareira, a fim de amarrar no Quadro da Alfandega. Aquele navio da Portugal Lijn (Benelux/Portugal) muitos anos mais tarde fez parte da actividade profissional do autor do blogue, como empregado da agência consignatária no seu atendimento nos portos do Douro e Leixões. (Foto de autor desconhecido - Colecção de F. Cabral)". Blogue Navios à Vista
A propósito do Cabedelo, pode ler-se em O Tripeiro, Série VII, Ano XVIII, a razão da sua formação, escrita pelo diplomata Barão Jean François de Bourgoing, em 1801: “Quando a fusão das neves começa, o rio engrossa consideravelmente e transporta uma grande quantidade de areia que as diferentes torrentes arrastam, vindas dos flancos das montanhas. Como os rochedos sustêm a corrente do rio, a água não tem já mais força para levar as areias mais longe. Amontoam-se em volta destes rochedos e formam aí uma barra que cada ano aumenta e se torna cada vez mais perigosa. A Associação do Comércio inglês tinha-se proposto destruir estes rochedos, limpar esta passagem e torna-la, enfim, praticável. Todavia, os portugueses responderam que jamais se arriscariam a destruir a melhor defesa do seu porto contra os ataques dos mouros. Em vão se lhes mostrou que a foz sendo estreita, defenderia a cidade de todo o insulto. Obstinaram-se em dizer que preferiam a segurança dos seus lares ao engodo de um ganho mais considerável que se poderiam tornar a causa de sua ruína”.
Draga Europa – foto de F. Cabral
Um dos grandes problemas da entrada de navios no Rio Douro era a constante alteração da acumulação de areia do Cabedelo.
Abaixo indicamos um excelente e pormenorizado artigo sobre este assunto escrito por Rui Amaro no blog Navios à Vista:
Plano hidrográfico da barra do Porto – 1871
“…desde sempre a foz do rio Douro foi um obstáculo particularmente penoso para as embarcações que, penetrando através da sua barra, procuravam alcançar, a montante, os diversos cais do porto do Douro, os mais importantes dos quais implantados na margem direita, junto às zonas ribeirinhas e históricas da cidade do Porto, como era o caso do cais da Ribeira, do Bicalho, do Ouro, da Cantareira …
Uma entrada perigosa, repleta de inúmeros e inesperados penedos, emergentes uns, encobertos outros, provocava repetidos e trágicos naufrágios. Uma simples análise à «Planta Geográfica da Barra do Porto» incluída na obra Descripção topographica e historica da cidade do Porto, da autoria de Agostinho Rebello da Costa, datada de 1789, é bastante elucidativa a este respeito. Por outro lado, o facto do Douro ser um rio de grandes e cíclicas cheias, que impediam a sua navegabilidade durante largos períodos, associado à circunstância de, em contrapartida, a barra se mostrar muitas das vezes bastante assoreada nas épocas restantes, concorria para que o Douro fosse, efectivamente, um porto de grandes perigos e dificuldades para o trânsito marítimo. Tanto maiores quanto se ia registando, igualmente, um progressivo aumento do calado dos navios. Desta situação incomportável, em particular para a navegação comercial, eloquentemente faz eco o relatório de John Rennie, datado de 14 de Junho de 1855, referindo
« os perigos existentes e as perdas de vidas que tinha havido, bem como os prejuízos que tinha sofrido o comércio pela dificuldade na entrada da barra, que no inverno e no começo da primavera estava fechada às vezes por semanas e meses seguidos, tendo-se dado casos de um navio fazer viagem de ida e volta ao Brasil, enquanto outro esperava fora da barra que se lhe oferecesse ensejo de entrar no porto. No próprio verão, o mar às vezes não deixava comunicar os navios com o interior do porto»
Estariam agora finalmente reunidas as condições naturais, os desígnios divinos e a vontade dos Homens para avançar com a construção de um porto artificial apoiado nos leixões? Tudo levaria a crer que sim. Mas não foi assim tão fácil. Que o demo ou – se quiserem numa leitura mais historiográfica – o contexto sócio-económico de então, ainda colocou muitos entraves ao longo da segunda metade do século XIX.
Não era fácil, particularmente à burguesia portuense, abdicar do porto do Douro. Durante séculos a cidade habituara-se a desenvolver a sua actividade comercial de uma forma particularmente privilegiada, quase cúmplice, com o rio. A cidade crescera mesmo em íntima relação com este curso de água. É nas suas zonas ribeirinhas que encontramos as principais estruturas económico-comerciais da cidade. E tal é válido para todo o século de Oitocentos. A bolsa, a alfândega, a feitoria inglesa, as sedes e armazéns das principais empresas comerciais do burgo… E, na segunda metade do século XIX, em nítida articulação com os cais fluviais, é também a fixação industrial que vai moldar e estreitar uma vez mais a ligação da cidade com o seu rio.
E, subscrevendo a opinião do poder económico (ou, pelo menos, de importantes e influentes sectores comerciais portuenses), também o poder político irá ignorar os espíritos iluminados que viam a solução na construção de um porto alternativo na foz do rio Leça.
E assim, a teimosia dos homens prevaleceu mais do que seria compreensível. Para obstar aos constantes naufrágios e às demoradas esperas para se poder atravessar a barra, foram-se tomando medidas que, embora desesperadas e simultaneamente imbuídas da mais pura das esperanças na resolução do problema de uma segura navegabilidade do velho porto comercial do Douro, não passaram nunca de paliativos. Salientaram-se, contudo, algumas intervenções na foz que chegaram até aos nossos dias. Caso do dique a jusante da Cantareira, incluindo a «Meia Laranja», segundo projecto do Engenheiro Oudinot, construído entre 1792 e 1805, e um outro dique de 600 metros, na extremidade norte do Cabedelo, hoje designado por molhe Luiz Gomes de Carvalho, personalidade que dirigiu a sua construção entre 1820 e 1825.
Mas obras e projectos houve muitos desde os finais do século XVIII. Em 1790, por iniciativa da Real Companhia Velha, é iniciada a construção, junto à Arrábida, da estrada marginal que ligará o Porto à Foz-do-Douro e que permitirá, nos anos seguintes, o aparecimento e a sua ligação também por via terrestre de novos e melhores cais, como o da Arrábida, Cantareira, Monchique, Massarelos e a própria Ribeira.
Mas não eram os novos cais, e uma melhor acessibilidade a estes por terra, que iriam resolver o problema da navegação. Os perigos da barra do Douro mantinham-se e os acidentes sucediam-se. E é na sequência de um trágico naufrágio, ocorrido no dia 29 de Março de 1852 com o vapor «Porto», arremessado pelo mar alteroso para as pedras da Forcada, em frente ao Castelo de S. João da Foz, e no qual morreram 66 pessoas, que finalmente as autoridades se empenham na procura de uma solução. Uma procura que, desde logo, se continua a centrar, ainda, no rio Douro. Contudo, paulatinamente, Leixões ia emergindo e assumindo-se como a resposta óbvia… In site da APDL
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