quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

RIO DOURO - BARRA VIII

6.3.8 - Rio Douro - Barra VIII - Tragédia do vapor Porto


As ligações por navio a vapor entre Porto e Lisboa começaram em 1821 com o Lusitânia, o primeiro vapor nacional. Este naufragou na Ericeira em 1823. Em 1825 foi retomada a ligação com o vapor Restaurador Lusitano, que naufragou em 1832 durante as lutas liberais. – desenho do blogue Do Porto e não só.


Alvará do Vapor Restaurador Lusitano de 1824 – do blogue Do Porto e não só


Com a devida vénia vimos transcrever um texto do blogue Porta Nobre, como que uma profecia à terrível tragédia do Vapor Porto, 7 anos mais tarde:
“O (quase) desastre do vapor Porto
Conhecido de todos os portuenses que amam a história da sua cidade, o desastre do vapor Porto é talvez segunda maior tragédia marcada na história da cidade logo a seguir à da Ponte das Barcas. Este vapor desfez-se completamente ao entrar na barra do Douro no ano de 1852, com a perda da quase totalidade das almas que seguiam a bordo. (Não podemos deixar de lembrar a tragédia do incêndio do Teatro Baquet que fez mais de 100 vítimas mortais).
No entanto, já em 1845, o mesmo vapor fora protagonista de um episódio bastante terrível, onde esteve na eminência de se perder. Contudo não foi na entrada da barra do Douro mas sim do Tejo, o outro extremo das suas carreiras regulares.
Vejamos o que uma breve notícia publicada no Periódico dos Pobres de 1845 de 13 de Novembro nos conta, seguido de uma carta de uns dos seus passageiros a um amigo, onde o mesmo relata momentos tenebrosos. Momentos eventualmente iguais aos de 1852 mas do qual, desse desastre, ninguém sobreviveu que os relatasse.


O vapor Porto depois de uma viagem tormentosa em que veio sempre aberto de mar e tendo levado muitas horas para andar apenas 3 milhas na altura do Cabo da Roca, esteve perdido sem esperança alguma de salvação, ao entrar a barra do Tejo: se não fora um tufão de vento que o arremeçou para fora dos cachopos, não havia já salvação, perdidos dous ferros, duas velas, uma amarra, e um cadeado, e não dando pelo leme. O capitão aproveitou este arrojo de temporal que lhe foi favorável para mandar dar toda a força à máquina e conseguisse metê-lo dentro do Tejo. O barco precisa de bastantes reparos. E avalia-se em 600$ reis as perdas que sofreu, além da avaria da carga. Queixam-se de que a administração fizesse sair o vapor da barra do Porto, ameaçando o tempo mudança e prognosticando os pilotos da Foz próximo temporal. 

"(carta particular) 
Pego imediatamente na pena para dar parte a V. Exa da minha feliz chegada, depois da minha infeliz e fatal viagem. 
Não posso descrever-lhe os sustos e perigos contínuos em que sempre íamos, porque nem há palavras que o digam, nem o curto espaço de uma carta eram bastante para dize-los; com tudo para que V…. saiba que é um homem ressuscitado que lhe escreve, sempre lhe direi em resumo, que tivemos uma viagem de 48 horas debaixo de céu escuro e temeroso, por cima de um mar de serras e profundos abismos de água, e açoitados por um sudoeste e aguaceiros que em cada minuto nos davam mil mortes. 
O barco rangia todo e parecia querer desconjuntar-se a cada golpe de mar que lhe batia; a máquina, com uma das rodas quase sempre debaixo de água, e com a outra trabalhando em seco, não só nos não deixava navegar com a força inteira, senão que os vagalhões á proa mais nos retardavam o termo da nossa infeliz viagem. 
Depois de tão calamitoso acontecimento, já V…. vê quão pouco venceríamos naquela noite de 4ª feira, porque na madrugada de 5ª apenas teríamos vencido um 3º da viagem. Porém, se a noite de saída nos foi tão trabalhosa, quanto e quanto mais não foi de assustar, todo o dia imediato, e a noite e manha de 6ª feira!! – chegamos na 5ª feira pelas 8 horas da noite ao Cabo da Roca, e quando eram 6 da manhã seguinte ainda estávamos no mesmíssimo ponto, sem ter avançado uma polegada. 
Finalmente viemos á barra pelas 11 da manhã do dia 7, e depois de ter entrado pela do norte, muito junto da Torre de S. Julião, veio um aguaceiro tão forte com tufões de vento, cerração, trovões e grande mar pela proa, que a nossa perda tornou-se inevitável sem esperança de salvação. O barco não deu mais por leme nem a máquina o movia, só o mar o levava para trás como à matroca, acima de uns cachopos que lhe ficavam na popa, onde o mar se quebrava em serra de água; ao lado, uma grande laje que nasce da Torre e entra muitas braças pelo mar dentro. 
Neste estado aterrador já as caixas das rodas estavam quebradas pelo mar, e os varões de bronze da escada vergados sobre a borda, como rolos de cera. Pintar-lhe o meu estado e o de todos os os passageiros não posso; soube-o sentir, mas não dizê-lo. 
O barco, tendo-lhe caído a carga a um lado já tinha um bordo e uma roda debaixo de água, e neste último desamparo de todo o socorro, ainda veio um golpe de mar quebrar um bocado da popa justamente por trás do beliche de L… que caiu para o meio da câmara com um neto nos braços, toda alagada em água e dando um grito de terror, como quem se julgava submergida. – Nisto manda o capitão lançar dous ferros à proa, mas isto que ainda nos daria dous minutos de vida, enquanto o mar não nos submergia, ia sendo a nossa perdição imediata, porque os ferros puxaram tanto pelo navio que logo abriu uma grande brecha ao lume d’agua, por onde nos íamos alagar e todos ao fundo sem remédio. 
Neste lance, imagine V… como eu teria o meu espírito, vendo-me ali acabar com minha mulher, meus filhos, e meu neto!!! Todos fazíamos actos de contrição, e pedíamos salvação para as nossas almas, que para o corpo ninguém contava com ela. Como os ferros fizeram abrir o navio, picaram-se logo as amarras, foi tudo dar à bomba, e ficamos a Deus misericórdia, para ali terminarmos nossos dias. Porém, quis Deus acudir-nos neste perigo extremo, logo que o navio ficou solto dos ferros, um grande mar do lado que estava deitado o levantou, e como assim desgovernado tinha posto a proa à barra do sul, e ficou um pouco mais desafrontado: o Figueiras gritou – toda a força na máquina -, e o vapor começou a navegar, posto que lentamente, pela barra do sul, e nos salvamos. – é um homem ressuscitado que lhe escreve, e que ainda se lembra da promessa que fez de ir a A. quando vivia da outra vez". 

Uns dias depois, o armador do Porto vinha repor a verdade quanto á acusação que lhe fora feita de autorizar o navio a sair da barra quando se prenunciava mau tempo, dizendo: tendo alguém tratado de acusar a Administração dos Vapores por mandar sair o Porto quando os pilotos da barra prognosticavam temporal, podemos afirmar que vimos cartas do piloto da barra que autorizavam a dita saída. 
Apesar dos eventuais grandes estragos provocados no navio, poucos dias depois, ainda no mesmo jornal, se vê o anúncio da saída do porto de Lisboa, em mais uma das suas viagens regulares. Foi assim ultrapassado este incidente de uma forma mais rápida do que se nos aparenta pelos atrás ficou descrito. 
Sete anos depois, o mar não seria tão clemente com este navio, soçobrando ele à entrada da barra do Douro com desfecho trágico que todos conhecemos. 
Publicada por Porta Nobre à(s) 3/24/2013,“


Já desde o reinado de D. João V que se pensava em construir um porto artificial sobre os rochedos de Leixões, e os primeiros estudos já vinham do séc. XVII.


Gravura alusiva ao naufrágio do vapor Porto

Em 28/3/1852 o vapor Porto saiu da barra com destino a Lisboa. Apesar da ameaça de mau tempo seguiu a sua rota até que, nesse dia à noite era tal o temporal que o capitão decidiu regressar e rumar a Vigo. No dia seguinte, ao raiar da aurora foi avisado, de terra, para se fazer ao largo, pois o mar havia piorado. Porém, os passageiros em grande angústia, e contra a vontade do capitão, obrigaram-no a rumar à barra do Porto e não seguir para Vigo. Tal foi a sua insistência que este cedeu, autorizado pelo piloto-mor.


O barco foi encalhar na rocha do Touro (11) onde permaneceu até à noite. Ouviam-se em terra os gritos e pedidos de socorro dos passageiros e tripulantes, porém nada podia ser feito para os salvar dado não haver quaisquer meios de salvamento. Foi então que Ricardo Clamouse Brown e António Ribeiro da Costa e Almeida saltaram para uma catraia e saíram para o mar. Porém, este estava de tal forma violento que os arrastou para a praia. Um arrais, Manuel Francisco Moreira Júnior ainda se conseguiu aproximar e segurar uma corda atirada pelo Porto. Mas era tal a força do mar e dos passageiros a puxá-la que o capitão deu ordem de a cortar para salvar a vida dos pilotos. Por fim uma enorme onda levantou o barco e atirou contra a pedra da Laje, tendo-se o barco partido a meio. Salvaram-se apenas sete dos sessenta e um tripulantes e passageiros, entre os quais algumas crianças. A administração da empresa do navio foi muito culpada e condenada, pois sabia que este estava em péssimo estado de navegabilidade.
O naufrágio do vapor Porto foi um tremendo abalo para a gente os habitantes da cidade, pois nele pereceram personalidades muito conhecidas, entre eles, José Allen, irmão do Visconde de Vilar d’Allen, e suas duas filhas, o Cônsul de França, o pai de Ana Plácido, amante de Camilo, e outros. 


Azulejos com desenho do naufrágio do Vapor Porto

“Poucos dias depois do naufrágio do «Porto» o Governo nomeia uma comissão, encabeçada pelo Engenheiro Belchior Garcez para propor o que se julgasse conveniente para aumentar a segurança do Douro. Era apenas o início. Muitos outros projectos, estudos de correntes, avaliação das cheias, propostas e efectivas destruições de penedias e quebramento de rochas, construção de novos cais, molhes e enrocamentos de margens, se seguiram nas décadas posteriores, da responsabilidade de tantas outras comissões ou de engenheiros, muitos dos quais estrangeiros, especialmente contratados para tal objectivo. Seria imensa a lista e a paciência do leitor esgotar-se-ia. Teimosamente deixem-nos, no entanto, relembrar alguns:
1854 – o engenheiro francês Gayffier propõe um cais do Passeio Alegre até aos penedos das Felgueiras;
1854 – é contratado o engenheiro londrino William Jates Freebody para vir examinar a barra do Douro e elaborar um relatório com soluções;
1855 – um outro inglês, o engenheiro hidráulico sir John Rennie, apresenta um relatório onde defende a destruição de uma série de rochedos;
1858 – o engenheiro inglês, Knox, apresenta um projecto que previa o aterro da foz do rio, abrindo-se no Cabedelo um canal com eclusa que desembocaria num porto de abrigo construído no mar e formado por molhes marítimos;
1859 – projectos do engenheiro Joaquim Nunes de Aguiar e do inspector de Obras Públicas José Carlos Chelmiki;
1859 a 1862 – pormenorizados estudos hidrográficos dirigidos pelo engenheiro Caetano Maria Batalha que conclui, igualmente, pela necessidade de destruição de inúmeros penedos, muitos dos quais até profundidades que deveriam atingir os seis metros;
1863 – o engenheiro francês, H. Luzeu, defende que a melhor solução é mudar a orientação da entrada do Douro, sugerindo para tal a construção de dois molhes curvilíneos a sair do Cabedelo e de S. João da Foz alterando, efectivamente, o rumo das águas do Douro no seu contacto com o mar. Mais um projecto, como tantos outros, que não passou do papel. O mesmo aconteceria com os de Léo de La Peyrouse e Robert Messer, ambos de 1865.
Concludentes foram, no entanto, os estudos dirigidos pelo engenheiro Afonso Joaquim Nogueira Soares de 1869 a 1871. As suas propostas, aprovadas pelo Governo de 1873, embora com sucessivas modificações e melhoramentos, foram efectivamente implantadas em trabalhos que dirigiu até 1892. Data deste período, entre outros, a construção do molhe norte da Foz do Douro, o enrocamento da praia das Argolas, o aterro do Passeio Alegre, o varadouro da Cantareira, o molhe de Carreiros, o molhe das Felgueiras ou do Farolim…
Mas, por esta altura, o leitor já estará cheio de datas, nomes e projectos. E a pergunta, adivinhamos, está no seu pensamento: Sim… mas Leixões?
Neste grande conjunto de estudos e projectos, desde cedo Leixões e a foz do rio Leça surgem como a alternativa ideal para o velho porto comercial do Douro. Disso não têm dúvidas alguns dos mais eminentes engenheiros estrangeiros a quem o governo solicitara opinião. Embora autor do projecto já referido, da construção de dois molhes na foz do Douro que permitisse uma mudança de orientação das águas do rio na sua desembocadura, o francês Luzeu defende claramente a alternativa da construção de um novo porto. Quem não se limitou a defender tal hipótese, avançando mesmo com projectos, foram os também já aqui referidos ingleses Freebody e Rennie, ambos em 1855.
Assim, apesar de sucessivamente adiado e dos interesses que se jogavam contra a sua efectiva materialização, ia ganhando pois espaço e adeptos a ideia de um porto em Leixões. Muito mais quando, dez anos depois, datado de 17 de Março de 1865, um novo projecto, da autoria do engenheiro Manuel Afonso Espregueira, que previa a construção de dois molhes enraizados na praia, consegue reunir os consensos necessários para obter, três anos depois, o parecer favorável do Conselho das Obras Públicas.
Mas seria necessário esperar ainda mais alguns anos. Tempo para o engenheiro inglês James Abernethy produzir dois planos e para fazer aparecer em cena as duas personagens que, tecnicamente, iriam produzir em definitivo o projecto do Porto de Leixões: o inglês Sir John Coode e o já nosso conhecido Afonso Joaquim Nogueira Soares – o engenheiro que vinha dirigindo os trabalhos na foz do Douro. É de facto com base nos projectos apresentados em 1878 por Nogueira Soares e em 1881 por Coode que, em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresenta na Câmara dos Deputados uma Proposta de Lei autorizando o Governo a adjudicar a construção do porto artificial de abrigo de Leixões. E, julgando-se convenientes algumas modificações é responsabilizado pela elaboração do projecto definitivo o engenheiro Nogueira Soares, que o dará por concluído no dia 24 de Agosto de 1883. Justo será salientar o nome de Adolpho Loureiro que, durante este período, faz parte de uma série de comissões que acompanham a elaboração do projecto final. E assim, depois de muitas décadas de espera (séculos para os mais visionários), nesse mesmo ano de 1883 era aberto concurso internacional para a definitiva construção do Porto de Leixões. Base de licitação da obra – 4.500 contos de reis.”. Site da APDL
Como se conclui, a catástrofe do vapor Porto foi a causa próxima para se avançar rapidamente para a construção do porto de abrigo Leixões. 


Foto de Helena Cristina Coelho

Uma história que “liga” Leixões ao Douro, escrita por António Nicolau d’Almeida a O Tripeiro, que pelo seu ineditismo, pensamos ser interessante acrescentar:

2 comentários:

  1. Olá
    E a «velha máxima», «depois de casa roubada, trancas à porta» é mesmo velhinha...
    Cumprs
    Augusto

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  2. E ESTÓRIA O DOURO ENTERROU MONTO BARCO

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