6.26.8 – Os elevadores do Rio Douro às Devezas e dos Guindais e o Teleférico de Gaia
“Esquema do elevador da calçada das Freiras (hoje chamada rua de Serpa Pinto), em Vila Nova de Gaia, 1873.
O desenho foi de Raul Mesnier de Ponsard (1848-1914), engenheiro natural da cidade do Porto e ligado a vários projetos de construção de caminhos-de-ferro de cremalheira que existiram em Portugal. O elevador gaiense era puxado por uma locomotiva a vapor e utilizava uma cremalheira para subir a íngreme calçada das Freiras, entre o cais de Gaia e a estação ferroviária das Devesas.
Era muito usado para transportar barris de vinho do Porto entre os armazéns e o cais da Cruz, para além de incluir uma carruagem destinada a passageiros. A linha tinha uma extensão de 750 metros, começou a operar a 17 de abril de 1882 e foi desativada no início da década de 1950”.
Capa da pasta do Arquivo Municipal de Gaia – Elevadores 1873 - Inscrição: “Compilado por iniciativa e boa vontade do empregado=architecto municipal” – nome ilegível – seguem-se 158 páginas com documentos e desenhos, dos quais retirámos dois, abaixo :
Assinado Visconde de Barreiros
1900
Pode ver esta pasta no endereço:
Lateral do Convento na antiga calçada das freiras, hoje Rua de Serpa Pinto. Os carris são deste elevador. 1939
Foto de Carlos Romão
Trajecto do elevador dos Guindais
In Estudo de Manuel Vaz Guedes - UP
O primeiro elevador dos Guindais - 1891
Germano Silva conta-nos:
“O projecto foi confiado ao engenheiro portuense Raul Mesnier e a condução das obras ao mestre Adélio Couto. Em 13 de Maio de 1891 foi enviado à Câmara um pedido para a vistoria das obras e a aprovação dos horários de funcionamento e das tarifas a aplicar. Oito dias depois realizaram-se as necessárias experiências do material que satisfizeram e no dia 4 de Junho de 1891, pelas cinco horas da manhã, o Elevador dos Guindais à Batalha abriu ao público. Consta de uma crónica da época que "o portuense acorreu em avultado número, desde o dia inaugural, fazendo o ascensor um vaivém constante desde as cinco horas da manhã até às onze da noite", com preços estabelecidos entre os vinte réis, desde o cais até ao alto da escadaria dos Guindais; e de quarenta réis desde os Guindais até à estação próxima da Batalha. Passageiro que levasse uma canastra carregada pagava mais dez réis. Em regra o elevador era regularmente utilizado por vendedores de fruta e de legumes que se abasteciam junto dos barcos que, oriundos das terras do Alto Douro acostavam nas linguetas dos Guindais e levavam depois aqueles produtos para a parte alta da cidade; pelas pessoas que, especialmente na época calmosa frequentavam as praias fluviais do Douro ou neste rio praticavam desporto. Mas era à noite que o elevador registava maior afluência do público com as idas aos teatros e aos cafés. O trajecto, com 412 metros de comprimento, era feito em plano horizontal. Subia por uma rampa que, para o efeito, havia sido propositadamente aberta na escarpa que corre ao longo do pano da muralha dita fernandina até atingir a Rua de Augusto Rosa. Tratava-se de um engenho semelhante ao que funcionava no Bom Jesus do Monte, em Braga, também da autoria de Mesnier. Emílio Castelo Branco, um cidadão de Gaia que chegou a utilizar o Elevador dos Guindais à Batalha, era da opinião que se tratava de um "engenho bastante audacioso e de funcionamento muito complicado". A locomoção da cabina era feita por meio de máquinas a vapor. Emílio Castelo Branco deixou-nos uma memória do elevador em que tenta dar uma ideia de como era o seu funcionamento: "o veículo era formado por três caixas transversais, independentes entre si, fixadas no quadro de rodagem por eixos, sobre os quais se moviam, por manobra do condutor, a tomar posição, quanto possível vertical, nas variadas inclinações do terreno. Tirava a carripana um cabo subterrâneo em giro circulatório, por meio de maquinismo, contrabalançando o peso, na parte mais íngreme, um carro a descer desde o ponto culminante, com lastro segundo as pessoas a elevar, anunciadas pelo condutor com toques de campainha. Na parte mais suave o contrabalanço fazia-se com o carro que vinha da Batalha em serviço de passageiros, o qual, em chegando ao maior declive, arrastava para cima o que havia contrabalançado o outro na subida. Isto com um sistema de engates e desengates em marcha audaciosíssimos..." Tão audaciosas eram essas manobras que foi durante a operação de uma delas que se deu o desastre que acabou com a carreira do primeiro Elevador dos Guindais à Batalha.
O acidente ocorreu às quatro horas da tarde do dia 5 de Junho de 1893, dois anos depois da inauguração do elevador. Guido de Monterrey, no seu livro O Porto origem, evolução e transportes, dá-nos conta dos pormenores desse desastre: "descia o carro principal em direcção ao tabuleiro inferior da Ponte de D. Luís com cinco passageiros. Subia o carro contrapeso, com um percurso intermédio, funcionando apenas na rampa de maior declive, com três pessoas. Ambos acabavam de chegar ao seu término, facto que acontecia simultaneamente. O carro principal estava equipado com uma campainha de aviso que dava sinal, respectivamente a 5 e 1,5 metros do término, na descida, a fim de o maquinista ir reduzindo a velocidade. Por desleixo, conforme se apurou em inquérito imediatamente estabelecido, o maquinista não abrandou a marcha, como se impunha, indo o veículo embater com violência contra o respectivo suporte, uma mola em forma de U. Do choque resultou que o cabo de ligação entre os elevadores se desengatou da forquilha. No entanto, os passageiros do carro descendente saíram normalmente. O mesmo não aconteceu, porém, com os do carro contrapeso que se preparavam para sair quando, com a falta de tensão no cabo, a cabina começou a descer primeiro lentamente para depois ganhar uma velocidade incrível. O veículo com o peso de três toneladas continuou a sua marcha desenfreada até se ir espatifar junto ao muro do arco do tabuleiro inferior. Um homem que viajava na plataforma foi cuspido a grande distância sofrendo apenas ferimentos vários. Uma criança de seis anos sofreu apenas ligeiras escoriações por se ter encaixado por baixo de um banco."
Depois do desastre a Parceria dos Elevadores do Porto ainda tentou retomar a exploração do Elevador dos Guindais à Batalha. Em Agosto de 1895 chegou mesmo a enviar à Câmara um projecto de modificação do elevador que consistia, substancialmente, na substituição do motor a vapor por um sistema hidráulico. Na sua essência a modificação resumia-se em eliminar a acção do motor a vapor, substituindo-a pelo peso da água contida num reservatório a incluir nas carruagens que descem e cuja potência será maior ou menor conforme o número de passageiros a elevar. No resto não seriam feitas grandes alterações. Seria mantido o modo funicular do sistema; e manter-se-ia também, sem alteração, o perfil da linha do elevador. Este projecto, porém, nunca foi aprovado e o destino do primeiro Elevador dos Guindais à Batalha ficou logo ali traçado. Um cronista da época termina um dos seus comentários desta maneira: "... e assim terminou o primeiro - e último - elevador que existiu nesta cidade. Fez alguma falta..." Pois está de volta.”
O elevador dos Guindais `Batalha – Manuel Vaz Guedes
Atelier do escultor Henrique Moreira, antiga casa das máquinas do elevador
Embora correndo o risco de repetirmos algumas informações, damos abaixo outro texto que tem pormenores diferentes, a começar pela data da inauguração (???):
“3 de Junho de 1891: Inauguração do Elevador dos Guindais.
Quando a Câmara do Porto apresentou o processo de candidatura da cidade à classificação, pela UNESCO, como Património Cultural da Humanidade, um dos imóveis do Centro Histórico indicado como sendo de interesse patrimonial, foi a “Casa do Ascensor dos Guindais”, localizada, como o próprio nome deixa adivinhar, nas Escadas daquela denominação: ascensor ? Mas, houve um elevador (vamos chamar-lhe assim) nos Guindais? Claro que houve e foi extremamente útil enquanto funcionou mas, infelizmente, teve uma vida efémera, porque acabou de forma desastrosa.
1) UMA CIDADE DE ALTOS E BAIXOS
O Porto, especialmente o seu núcleo mais antigo ou, se pretenderem, para estar mais a par com a actualidade, o seu chamado Centro Histórico, está assente em terreno bastante declivoso. A zona da Sé e a da Vitória, dois dos mais antigos aglomerados populacionais do Porto, foram crescendo e desenvolveram-se sobre duas colinas que em tempos idos tinham de permeio um curso de água, o nosso já conhecido rio da Vila que foi tapado quando se abriu a actual Rua de Mousinho da Silveira. Na época em que ainda não havia transportes públicos e os privados eram privilégio de meia dúzia de bafejados da sorte, as características acidentadas do Porto tomavam difícil, por exemplo, o acesso das zonas ribeirinhas aos pontos mais elevados da cidade. Por isso, ninguém estranhou quando, há pouco mais de cem anos, se constituiu nesta cidade a Parceria dos Elevadores do Porto, uma sociedade que se propunha construir e explorar elevadores que haviam de ligar as zonas baixas da beira rio (mas não apenas) aos pontos mais elevados da cidade, que foram desde sempre as áreas de maior densidade populacional. A ideia era inovadora e, do ponto de vista da rentabilidade, muito oportuna. O rio constituía, por assim dizer, a espinha dorsal do desenvolvimento citadino. Era através dele que chegavam à cidade os vinhos de Riba Douro mas também muitos outros produtos, nomeadamente hortaliças e frutas destinadas ao abastecimento público. O meio de transporte mais em voga, por essa altura, era o carro de bois que se utilizava, em regra, para o transporte dos carretos mais pesados. As coisas mais leves, e entre estas contavam-se os frutos e as novidades da horta, eram carregados pelas próprias pessoas, às costas, e assim transportados para os pontos mais altos da urbe, o que não devia ser ” uma pêra doce…” O elevador era, portanto, uma novidade e, como, além dos passageiros, podia transportar também mercadorias e toda a sorte de embrulhos, foi com grande expectativa que o Porto assistiu à constituição da tal Parceria por se pensar, justificadamente, aliás, que os elevadores representariam uma fonte de progresso para a cidade. O primeiro projecto da empresa foi a construção, de um elevador que, subindo ao lado das escadas dos Guindais, junto das muralhas fernandinas, ligaria a beira rio à então chamada Rua da Batalha (actualmente denominada de Augusto Rosa) com o fim da carreira mais ou manos em frente ao edifício onde está hoje a sede do Governo Civil.
2) O MODO DE FUNCIONAR
A elaboração do projecto do elevador foi confiada ao engenheiro Raul Mesnier e a construção da obra ficou a cargo do mestre Adélio Couto que deu por finda a empreitada nos começos de Junho de 1891, o ano da Revolução Republicana do 31 de Janeiro. A inauguração solene do importante melhoramento ocorreu exactamente no dia 3 de Junho daquele ano e constituiu acontecimento de peso no quotidiano da cidade. Os portuenses acorreram em peso para assistirem ao acto solene e aderiram de imediato ao novo meio de transporte que desde o dia da inauguração até aquele em que, por força das circunstâncias, teve que interromper a sua laboração, registou sempre uma crescente movimentação de utentes. O elevador funcionava ininterruptamente, num constante vaivém, para cima e para baixo, desde as 5 horas da manhã até às 11 da noite. Os preços das passagens estavam compreendidos entre os 30 e os 60 reis. Era permitido, como já se disse, o transporte de embrulhos, cestas, canastras, fardos e outros volumes.
O funcionamento do elevador fazia-se através de máquinas a vapor, instaladas nas já referidas “Casas do Ascensor” que também eram servidas por uma chaminé com 30 metros de altura, através da qual se expelia o fumo das caldeiras. A tracção fazia-se por meio de grossos cabos de arame que se moviam por aderência sobre os tambores das máquinas que formavam dois grupos trabalhando um de cada vez. O trajecto, em plano horizontal, tinha 412 metros de comprimento. Havia um percurso plano, entre o cimo das Escadas dos Guindais, e o final da linha; e outro de forte inclinação, ao longo de toda a escarpa dos Guindais até à beira-rio. Nesta parte do percurso o elevador funcionava com dois carros. Um, chamado o principal, de maior capacidade; o outro, o secundário, era o carro do contrapeso e tinha como função equilibrar o primeiro ao qual estava ligado por um cabo de aço. Os carros moviam-se, ambos, em carris paralelos, no sistema de compensação, cruzando-se exactamente a meio do trajecto e atingindo os extremos opostos em simultâneo. Os dois carros dispunham de um eficiente sistema de freios, em forma de tenaz, um para redução da velocidade, o outro para uma travagem imediata. Para uma maior segurança havia ainda um sistema de sinais dados por duas campainhas, que a cinco e, a um metro do final da viagem, alentavam o maquinista para que ele começasse a reduzir a velocidade.
Segundo pareceres técnicos da época, a construção do elevador e o seu funcionamento obedeciam a todos os requisitos de segurança e comodidade dos passageiros. Dispunha, inclusivamente, de um dispositivo que tornava possível graduar-se a inclinação por meio de uma espécie de parafuso, tarefa de que se desempenhava um operário nisso especializado.
3) O DESASTRE
Durante dois anos o Elevador dos Guindais dera provas evidentes de ser um excelente e cómodo meio de transporte e a maneira mais fácil de vencer o declive que existia entre a zona ribeirinha e a parte mais alta da cidade. E foi por isso que o público aderiu completamente ao projecto utilizando o “funicular” com muita assiduidade e com total confiança. Mas no dia 5 de Junho de 1893 um desastre, que podia ter atingido bem mais amplas proporções do que aquelas a que realmente se reduziu, pôs termo à carreira do Elevador dos Guindais e inviabilizou os projectos que havia para outros pontos da cidade.
Um inquérito mandado elaborar para apuramento das responsabilidades, revelou que um erro humano estivera na base do acidente. O maquinista António Dias de Oliveira, que tripulava um dos carros, não abrandou, como se impunha, a marcha do veículo, o principal, que, rodando a grande velocidade, foi embater violentamente contra o respectivo suporte que era uma mola de aço em forma de U. Do embate resultou quebrar-se o cabo de ligação entre os dois carros e o do contrapeso começou por deslizar lentamente para atingir uma velocidade louca indo desfazer-se contra uma plataforma junto ao tabuleiro inferior da ponte Luís I. Passavam cerca de quinze minutos das dezasseis horas quando ocorreu o acidente. Nos dois carros viajavam, naquela altura, apenas 8 pessoas. No carro principal, além do condutor, seguia a sua mulher, Deolinda Silva e mais três pessoas. No veículo que subia seguiam o respectivo condutor, António Martins, mais Alfredo Lopes da Costa Braga e uma filha deste, de apenas seis anos de idade. Milagrosamente apenas alguns deles sofreram ligeiras escoriações. Mas o acidente alarmou a cidade e, as primeiras noticias chegadas à Batalha, falavam de mortos e muitos feridos.
Não obstante os grandes prejuízos materiais sofridos a Parceria dos Elevadores do Porto anunciou a suspensão da actividade por apenas dois meses, que seria o tempo necessário para efectuar as reparações e recomeçar as actividades. Mas o Elevador dos Guindais nunca mais voltou a funcionar e com ele morreram, também, os outros projectos. Dessa velha relíquia tripeira resta hoje, de pé, a casa das máquinas”.
A casa das máquinas deste elevador foi usada como atelier do escultor Henrique Moreira. Eu estive lá nos anos 40/50 e ficava assombrado pela quantidade de obras espalhadas, terminadas ou em trabalho, a maior parte delas em gesso.
Actual elevador dos Guindais – foto de Adalberto Dias
O novo elevador inaugurado em 19 de Fevereiro de 2004 – Foto de Panorameo
Nesta foto destaca-se o painel da Muralha Fernandina que desce de Santa Clara ao seu terminal
Elevador dos Guindais- por um turista francês amante do porto - Alcide Naguy
Elevador dos Guindais – foto de Rui Carlos Abreu
Elevador dos Guindais
Teleférico de Gaia – inaugurado no lado de Gaia em 1/4/2011 – Foto Grande Porto on line
Vista do Douro tirada do teleférico – foto de
Olá
ResponderEliminarMia um excelente lançamento.
Obrigado por nos manter atentos a estes pormenores.
Cumprs
Augusto
Muito obrigado pelo comentário. Enquanto pudermos não deixaremos de transmitir as belas coisas do nosso Porto.
ResponderEliminarCumprimentos
Maria José e Rui Cunha